A poucos dias do primeiro turno das eleições presidenciais na França, já se começa a especular a respeito das diretrizes de um governo do Partido Socialista, na iminência de reconquistar o poder político absoluto após mais de trinta anos.

Evidentemente que em política tudo pode acontecer mas, em tese, Sarkozy já gastou a última bala. No episódio dos atentados no sul do país, a tentativa de manipular a nação com a radicalização de seu discurso xenófobo foi ofuscada pela gestão desastrosa da crise por parte da polícia anti-terrorista. O cenário de uma virada no segundo turno se torna a cada dia mais improvável, apontam os analistas políticos, principalmente quando se sabe que Sarkozy é o presidente em fim de mandato mais impopular da história, acumulando 64% de insatisfeitos, de acordo com a última pesquisa encomendada pelo Journal du Dimanche.

A passagem de Sarkozy pelo governo não deixará saudades, especialmente por conta da deterioração econômica observada ao longo de sua presidência. Foi neste período que se deu uma reversão da conjuntura macroeconômica francesa, com a aceleração do desemprego e do custo de vida, o rebaixamento da nota da dívida francesa por uma agência privada de risco e a condução desastrosa da crise na zona do euro.

Sarkozy, agora claramente ameaçado pela derrota no segundo turno, apela para uma antiga estratégia política, insinuando na reta final de sua campanha sobre a existência de um “risco Hollande”: a suposta ameaça de fuga de capitais e ataque especulativo contra os títulos da dívida francesa em caso de vitória socialista. A lamentar que esta é uma tese inicialmente veiculada em editorial de fim de março passado pela prestigiosa The Economist.

Efe

Caso eleito, o candidato do Partido Socialista, François Hollande, será a principal força política da centro-esquerda na União Europeia

Com o advento da crise global, Sarkozy mudou a retórica com a qual havia sido eleito, e passou a criticar as derivas do capitalismo desregulado em suas participações. A contradição deste discurso com a prática de políticas econômicas em prol do mercado no território francês não tardou em ser revelada pela imprensa local e, especialmente, pela ação dos sindicatos, cujas ações em resistência às reformas liberalizantes se multiplicaram no quinquiênio. Em especial, os movimentos sociais lutaram, ao longo de 2010, contra a reforma no sistema de aposentadorias. O governo não escutou as ruas. Os franceses terão de trabalhar mais ao longo de sua vida. Projeto que deve ser revisto pelos socialistas assim que assumam o poder.

Acuado à esquerda, Sarkozy radicalizou a política interna para tentar seduzir o voto dos extremistas, mas a estratégia foi um tiro n'água. Nem mesmo as declarações do novo ministro do Interior, Claude Guéant, alardeando o que poucos franceses brancos conservadores têm coragem de dizer em público (como quando afirmou que o principal problema da França é a imigração), surtiram em mais intenções de voto. O eleitorado racista se mostrou fiel em relação à Frente Nacional, preferindo o original a uma cópia.
REDUÇÃO DAS DISPARIDADES
Por sua vez, o que faz a força da candidatura socialista é um programa econômico que lida com os problemas estruturais sem recorrer aos atalhos e ao populismo que têm caracterizado o mandato de Sarkozy. O seu eixo central é a redução das disparidades de renda, e muitas de suas propostas deixariam os conservadores brasileiros aterrorizados. Dentre elas, a medida que causou furor: o aumento da taxação sobre os altos salários, elevando a alíquota para 75% para rendas anuais acima de 1 milhão de euros. Mas há também a elevação dos impostos sobre o lucro dos bancos, e o não incentivo aos investimentos de franceses em paraísos fiscais, como Suíça e Luxemburgo.

Além destas medidas relativas à necessária correção das injustiças econômicas na França, Hollande promete regular duramente os produtos financeiros sem contrapartida econômica real – os derivativos; renegociar o tratado fiscal europeu firmado no mês passado e no qual se decidiu por mais austeridade fiscal, e discutir a inclusão de metas de crescimento econômico; e, por fim, levantar o debate sobre a independência do Banco Central Europeu,curiosamente implementada com o apoio de Lionel Jospin, primeiro-ministro socialista nos anos 1990.

A credibilidade destas propostas pode ser atestada pelo apoio que recebeu de um conjunto amplo de economistas franceses. No manifesto, divulgado nesta semana, e que faz sucesso nas redes sociais, lê-se que "é necessário colocar um fim à isenção fiscal para o capital e os lucros, que conduz não apenas à agravação das desigualdades, mas também aos excessos especulativos que estão na origem da crise financeira". Um ensinamento que deveria ser escutado com atenção por nós aqui no Brasil.
DISCURSO COERENTE
O discurso coerente e firme de Hollande, apoiado em um programa econômico corajoso que visa atacar os fundamentos da crise econômica, ou seja o comportamento rentista alimentado pela crescente disparidade de riquezas, é o que lhe transfere um inesperado apoio popular de amplos setores da sociedade francesa. Sua vitória poderá representar a tão esperada mudança de rumos que a Europa necessita para contrabalancear a hegemonia dos mercados e salvar o continente de cometer o que Paul Krugman chamou muito apropriadamente de "suicídio econômico". (Com  Opera Mundi)

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