'Expresso 2222', de Gil, completa 40 anos com edição remasterizada


                                     

Em 1972, pouco tempo após retornar do exílio político em Londres, o cantor e compositor Gilberto Gil realizou um de seus mais importantes e completos álbuns, “Expresso 2222”. Quarenta anos depois, ele é relançado com uma edição remasterizada nos estúdios em Abbey Road, na capital inglesa, e que respeita a concepção original do excelente projeto gráfico desenvolvido por Aldo Luiz.

O álbum começa com a instrumental “Pipoca Moderna”, de Caetano Veloso e Sebastiano Biano, que conta com a participação da Banda de Pífaros de Caruaru. De certo modo, essa música estabelece uma conexão entre o Nordeste brasileiro e a musicalidade dos países andinos e pode ser considerada um retorno de Gilberto Gil às suas origens. Mesma referência às origens aparece em “O Canto da Ema”, de Ayres Viana, Alventino Cavalcante e João do Vale, que termina com uma referência instrumental ao xaxado e à “Asa Branca”, a mesma interpretada no álbum de exílio homônimo de Caetano Veloso.

Outro símbolo máximo do imenso caldeirão cultural em que Gilberto Gil parecia mergulhado é a gravação do clássico “Chiclete com Banana”, de Gordurinha e Almira Castilho, conhecido com Jackson do Pandeiro e que aqui ganhava novas cores e sentidos: “Só ponho bebop no meu samba / Quando o Tio Sam pegar no tamborim / Quando ele pegar no pandeiro e no zabumba / Quando ele entender que o samba não é rumba / Aí eu vou misturar Miami com Copacabana / Chicletes eu misturo com banana / E o meu samba vai ficar assim”.

Porém, as duas canções mais emblemáticas e que retratam o exílio são o rock rasgado “Back in Bahia”: “Lá em Londres, vez em quando me sentia longe daqui / Vez em quando, quando me sentia longe, dava por mim / Puxando o cabelo / Nervoso, querendo ouvir Celly Campelo pra não cair / Naquela fossa / Em que vi um camarada meu de Portobello cair”. Talvez seja uma clara referência a Caetano Veloso, que, aparentemente, enfrentou com muito mais dor o exílio do que o companheiro, o qual parece ter aproveitado a efervescência cultural europeia para acolher novas e modernas influências. A outra música é “O sonho acabou”: “O sonho acabou / Quem não dormiu no sleeping bag nem sequer sonhou / O sonho acabou hoje quando o céu / Foi de-manhando, dessolvindo, vindo, vindo”. Essa letra remete à célebre frase proferida por John Lennon após o término dos Beatles.

A faixa-título é uma verdadeira ode ao futuro, que poderia reservar o fim da humanidade: “Nunca se chega no Cristo concreto / De matéria ou qualquer coisa real / Depois de 2001 e 2 e tempo afora / O Cristo é como quem foi visto subindo ao céu / Subindo ao céu / Num véu de nuvem brilhante, subindo ao céu”. Interessante é notar que, trinta anos depois, a temática do fim do mundo permanece mais atual do que nunca.

O álbum termina com “Oriente”, uma delicada canção que brinca com o duplo sentido do título, mas também expressa uma das mais fortes influências, a mística, vivida por Gilberto Gil durante a forçada temporada europeia: “Se oriente, rapaz / Pela constelação do Cruzeiro do Sul / Se oriente, rapaz / Pela constatação de que a aranha / Vive do que tece / Vê se não se esquece / Pela simples razão de que tudo merece / Consideração”.

“Expresso 2222” registra um momento bastante específico da carreira e da vida de Gilberto Gil, mas permanece extremamente atual e universal 30 anos após seu lançamento. A principal razão parece ser o fato de que o cantor e compositor baiano talvez, como pouquíssimos, sempre esteve a frente de seu tempo, indicando caminhos possíveis, mas nem sempre compreendidos imediatamente pelos demais. Basta ouvir o restante da discografia dele para perceber o quanto essa é uma verdade mais do que latente.

Fonte: Rede Brasil Atual (Com Pátria Latina)

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