Audiência pública revela a história de oito mortos da Aliança Libertadora Nacional em São Paulo

                                                           
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A Comissão Nacional da Verdade realiza, nos próximos dias 24 e 25 de fevereiro, em parceria com a Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, uma audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo sobre três ações da repressão na capital paulista que resultaram na morte de oito integrantes da Ação Libertadora Nacional (ALN).
As três ações repressivas ocorreram num intervalo de 14 meses, entre janeiro de 1972 e março de 1973, nos bairros paulistanos de Moema, Mooca e Penha, respectivamente. Em todos os casos, as versões oficiais indicam que as vítimas resistiram à prisão e acabaram mortas a tiros. Laudos periciais encomendados pelas famílias dos mortos, contudo, apontaram a inconsistência das versões oficiais e que as lesões indicam que as vítimas foram torturadas antes ou estavam dominadas quando foram mortas.

É o caso, por exemplo, de Arnaldo Cardoso Rocha, morto em março de 1973, cujos restos mortais foram exumados em agosto de 2013 a pedido de sua viúva, Iara Xavier Pereira. Tanto o laudo da exumação, produzido pela Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, quando o laudo produzido pelos peritos da Comissão Nacional da Verdade, indicam que ele estava imobilizado após tortura, sem condições de oferecer resistência quando foi morto. 

Iara, uma ex-militante da ALN que sobreviveu aos anos de chumbo, perdeu também, nas outras duas ações que serão tratadas na audiência, seus irmãos Alex de Paula Xavier Pereira (em janeiro de 1972) e Iuri Xavier Pereira (em junho de 1972). Foi ela que requereu à CNV e à CEV-SP a realização da audiência.

Nos casos de Alex e Iuri, a Comissão Nacional da Verdade, usando novas tecnologias de computação gráfica, reinterpretou os laudos produzidos pela repressão e por peritos requisitados pela família, nos anos 90. Os novos laudos serão apresentados na audiência e esclarecem a dinâmica de movimento das vítimas, o que permite um entendimento mais profundo de ambos os casos.

Além de Iara, darão seus testemunhos o professor Amílcar Baiardi, e Francisco Carlos de Andrade, ex-militantes da ALN. A CNV também convocou três agentes públicos de alguma forma envolvidos nos casos para prestarem esclarecimentos.

Participam da sessão, pela CEV-SP, seu presidente, o deputado estadual Adriano Diogo. Pela CNV, os membros José Carlos Dias e Maria Rita Kehl.

A audiência será transmitida ao vivo pela Assembleia Legislativa de São Paulo. Você poderá também assistir a transmissão da Alesp na página da CNV: www.tinyurl.com/cnvaovivo

OS CRIMES E AS VÍTIMAS

O caso da avenida República do Líbano, 20 de janeiro de 1972

Vítimas: Alex de Paula Xavier Pereira e Gelson Reicher, ambos estudantes de 22 anos

Versão da repressão: Fusca em alta velocidade pela Avenida República do Líbano ultrapassa um sinal vermelho e quase atropelou uma senhora que levava uma criança. Pouco depois, o cabo Silas Bispo Feche, da PM, que participava de uma patrulha, mandou o carro parar. O fusca para e o motorista e seu acompanhante saem atirando contra o cabo e outros policiais, que revidam. Minutos depois estavam mortos o cabo da PM e Alex de Paula Xavier Pereira e Gelson Reicher. A nota oficial informou os nomes falsos juntamente com os nomes verdadeiros das vítimas.

Incongruências descobertas: 1) As mortes só foram divulgadas dois dias depois; 2) Apesar do nome verdadeiro de ambos ser conhecido pelas autoridades, Alex e Gelson são sepultados no cemitério de Perus com nomes falsos; só em 1979 a família de Alex encontra o corpo; 3) Em 1992 é encontrado depoimento no arquivo do Dops demonstrando que um preso havia indicado, em depoimento o ponto de Alex e Gelson, o que desmonta a versão que o encontro da polícia com a dupla foi casual; 4) Perícia realizada por Nelson Massini, em 1996, com base nas fotos da necropsia e no laudo elaborado pela ditadura demonstrou que Alex foi domimando por seus agressores antes de morrer, o que produziu lesões.

O caso do restaurante Varella, Mooca, 14 de junho de 1972

Vítimas fatais: Ana Maria Nacinovic Corrêa, estudante, 25 anos; Iuri Xavier Pereira, estudante, 23 anos, e Marcos Nonato da Fonseca, estudante, 19 anos

Sobrevivente: Antonio Carlos Bicalho Lana, assassinado em 1973

Versão oficial: Equipes do Doi-Codi montam um cerco policial em torno do restaurante enquanto os quatro companheiros almoçam. Há uma intensa troca de tiros e três deles morrem e Lana foge, ferido.

Incongruências descobertas: 1) Em 1996, o ex-preso político Francisco Carlos de Andrade revela que os corpos de Ana, Iuri e Nonato foram levados para o Doi-Codi; 2) Outra prova da presença de Ana e Iuri no destacamento é que as fichas de identificação de ambos foram emitidas pelo Doi-Codi 3) Não há dados que possam comprovar a morte em tiroteio, tais como fotos, relação de armas utilizadas, exame de corpo de delito, seja dos militantes, seja dos policiais ou de terceiros. Não houve exame de local; 4) Delegado registra que corpos deram entrada no IML sem roupas; 5) Laudo do IML da necropsia de Ana Maria não indica fratura no fêmur e outras lesões visíveis nos seios, ouvido e pescoço; 6) Entradas dos tiros no corpo de Nonato demonstram que não é possível ele ter sido baleado em tiroteio; 7) Iuri foi enterrado como indigente e a família resgatou seu corpo em 1980. Laudo elaborado por Nelson Massini a partir das fotos e da análise dos restos mortais demonstra que o corpo de Iuri tinha escoriações e dois tiros a mais que os descritos pelo IML/SP.

O crime da rua Caquito, Penha, 15 de março de 1973

Vítimas fatais: Arnaldo Cardoso Rocha, estudante, 23 anos; Francisco Emmanuel Penteado, estudante, 20 anos; Francisco Seiko Okama, metalúrgico, 25 anos.

Versão oficial: Os três militantes são localizados na rua Caquito por uma viatura de patrulhamento e recebem voz de prisão, mas reagem a tiros. Dois morrem no local, um foge e é morto nas proximidades por outros policiais.

Incongruências descobertas: 1) Tanto Arnaldo quanto Francisco Okama são atingidos por tiros fatais desferidos de cima para baixo no canto externo do supercílio direito; 2) Corpo de Arnaldo tinha diversas fraturas na mão direita, gesto característico de defesa; 3) Um dos tiros em Francisco Penteado foi de cima para baixo; 4) Apesar do intenso tiroteio não houve perícia de local; 5) Amílcar Baiardi revelou depois de ser libertado do Doi-Codi ter visto da janela de sua cela, a distância, dois jovens feridos, sendo interrogados sob os uivos dos agentes. Depois da sessão de espancamento, eles foram deixados ali por uma hora, até serem levados no rabecão do IML. Um deles era chamado de japonês pelos agentes. Pela data em que ocorreu este fato, Baiardi associa o episódio à morte do trio.

SERVIÇO: AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE 8 ASSASSINATOS DE MILITANTES DA ALN EM SP
Data: 24 e 25 de fevereiro
Horário: das 10h às 18h
Local: Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo
Auditório: Teotônio Vilela – 1º andar
Endereço: Av. Pedro Álvares Cabral, 201, Ibirapuera, São Paulo - SP

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