Comissão Nacional da Verdade

                                                                          
     Marcelo Mota foi ouvido pela Comissão Nacional da Verdade sobre a revolta dos sargentos de 1963


Ex-sargento da Aeronáutica relata prisão e perseguição ocorridos antes mesmo do golpe militar


O ex-sargento da Aeronáutica, Marcelo Correia Mota, foi ouvido na manhã de ontem, segunda-feira, 24, pela Comissão Nacional da Verdade. Mota participou da revolta dos sargentos, desencadeada em 12 de setembro de 1963, em Brasília, antes do golpe militar de 1964. Ele ficou preso ilegalmente no navio-prisão, Raul Soares, no Rio de Janeiro e em seguida foi expulso da corporação.

Estiveram no depoimento pela CNV os pesquisadores Paulo Cunha e Tereza Eleutério e o assessor André Vilaron. Participou também da tomada de depoimento o membro da Comissão da Verdade da UnB, professor Paulo Parucker.

Em 1961 os oficiais subalternos e praças do Exército, Marinha e Aeronáutica iniciaram um movimento para obter representação no poder legislativo tanto no nível federal, quanto estadual e municipal. Na eleição do ano seguinte, conseguiram eleger para deputado federal o sargento do Exército Antônio Garcia Filho e para deputado estadual, no Rio Grande do Sul, o também sargento do Exército Almoré Cavalheiro.

Entretanto, a constituição de 1946, vigente à época, não era clara em relação à elegibilidade de oficiais subalternos e praças para deputado federal, estadual ou vereador. A decisão ficou então a cargo do TSE, que em setembro de 1963 decidiu pela inelegibilidade da classe.

Os oficiais subalternos e praças não aceitaram a decisão do TSE. A classe planejou e executou um protesto armado para reivindicar o direto de serem eleitos. Houve troca de tiros em Brasília com as tropas do Exército, que acabaram rendendo e prendendo os revoltados.

O então sargento Marcelo Mota ficou preso no prédio do Ministério da Guerra, onde as salas foram usadas como celas, e de lá foi levado com mais 54 colegas de classe para o navio-prisão, Raul Soares, no Rio de Janeiro. Esse mesmo navio alguns anos depois foi usado, segundo depoimentos de vítimas à CNV, como local de graves violações de direitos humanos.

Após quase 60 dias preso num porão enferrujado e sem contato com a família, Mota foi libertado, julgado e absolvido pelo tribunal militar, entretanto, não escapou de ser expulso da corporação por lutar por seus direitos.

Mota foi expurgado da Aeronáutica em junho de 1964, logo após o golpe militar, de acordo as normas do ato institucional número um. Ficou sem emprego e voltou para Brasília. Muitos colegas de classe de Marcelo não tiveram a mesma "sorte" e foram condenados a ficar na cadeia por lutarem pela elegibilidade dos oficiais subalternos e praças. "Houve amigo meu que pegou quatro, oito, doze e até dezesseis anos de prisão". Concluiu o ex-sargento da Aeronáutica.

Marco Antônio Mota, filho de Marcelo, também esteve na CNV e relatou como a família foi perseguida por conta do envolvimento do pai, que participou da revolta dos sargentos. Segundo Marco, ele e os irmãos eram vistos como os filhos do comunista e por isso alguns amigos, da época da adolescência, evitavam a amizade com eles para prevenir algum tipo de "contaminação ideológica". "Havia entre nós (irmãos) uma brincadeira no sentido de olhar o bandido com a figura do herói, era como se estivéssemos falando: 'eu sinto muito por você se seu pai não participou da revolta, mas o meu participou'", disse.

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