Ministério Público localiza documentos de mortos da ditadura escondidos no Hospital Central do Exército

                                                                 

Procuradores e policiais coletam prontuários escondidos em área isolada (Foto: Reprodução O Dia)

O Ministério Público Federal (MPF) vai pedir a abertura de inquérito policial para apurar o crime de supressão de documento, pena de dois a seis anos, prevista no Artigo 305 do Código Penal, contra os gestores do Hospital Central do Exército (HCE), em Benfica, no Rio. 

Na última sexta-feira, dia 14, procuradores do grupo “Justiça de Transição”, criado pelo MPF para investigar os crimes atribuídos a agentes do regime militar (1964-1985), com o apoio de agentes da Polícia Federal, cumpriram mandado judicial de busca e apreensão no local.

Autorizada pelo juiz Vítor Barbosa Valpuesta, da 2ª Vara Federal Criminal, a busca teve por finalidade apurar a denúncia de que a direção do hospital teria determinado, em setembro último, poucos dias antes da inspeção realizada no local pelas Comissões Nacional e Estadual da Verdade, a ocultação de documentos relacionados a pessoas mortas dentro da unidade durante o regime militar, dentre as quais o dissidente político Raul Amaro Nin Ferreira, que morreu em 12 de agosto de 1971, nas dependências do HCE.

Os procuradores iniciaram as buscas na garagem de ambulâncias e no setor de manutenção, onde, segundo as investigações do MPF, os documentos estariam escondidos. A vistoria prosseguiu na Seção de Informações (S-2) do HCE, onde foram localizados, em uma sala com cofre, um dossiê reunindo notícias referentes a Raul Amaro Nin Ferreira, e uma pasta com nomes e fotografias dos integrantes das Comissões Nacional e Estadual da Verdade.

O MPF também encontrou prontuários datados de 1940 a 1969 e de 1975 a 1983 em uma sala trancada à chave, localizada em prédio anexo do HCE, denominado “Contingente”. No local havia fichas de pacientes atendidos durante a ditadura ocultas em sacos plásticos de lixo. 

O diretor do hospital, general Vítor dos Santos, que acompanhou as buscas, manifestou surpresa com a localização de registros antigos fora da sessão de arquivo dos prontuários gerais, na qual os documentos mais antigos datam de 1983.

No IML do HCE havia fichas antigas de pacientes mortos na unidade, mas nenhum registro da passagem de Raul Amaro Nin Ferreira. O MPF vem solicitando, desde julho último, o prontuário de Raul junto ao hospital, mas os pedidos não foram atendidos. A família do militante político e integrantes das Comissões Nacional e Estadual da Verdade do Rio de Janeiro também não conseguiram obter o prontuário.

Como o documento não foi localizado na busca, e em razão das suspeitas de que membros do hospital tenham determinado a ocultação de material relacionado a mortos e desaparecidos políticos, o MPF requisitará a instauração de inquérito policial para apurar o crime de supressão de documento, previsto no art. 305 do Código Penal, cuja pena é de 2 a 6 anos de reclusão.

Repúdio

A Rede Brasil – Memória, Verdade, Justiça – RBMVJ, vinculada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, divulgou nota pública manifestando “protesto contra os militares que dirigem o Hospital Central do Exército do Rio de Janeiro (HCE), por sonegarem à história a verdade documental do ocorrido no período da ditadura dentro daquele hospital, uma unidade de saúde que foi usada pela ditadura como um centro a serviço da repressão policial-militar. Um hospital que foi artífice de graves fraudes em atestados, inclusive de óbitos.”

Composta por representantes de organizações que atuam em defesa da memória, verdade e justiça, a Rede Brasil afirma ainda no comunicado oficial que “o HCE, um estabelecimento para cuidar da vida serviu como instrumento para a antivida, a favor das barbáries da ditadura, e foi cúmplice da tortura e  dos assassinatos decorrentes das sevícias que a tirania infringia aos resistentes que a combatiam. O HCE sabota o Estado brasileiro, envergonha e enxovalha a honra e a decência da ética pública ao descumprir os deveres profissionais do médico e do militar servidores do Estado.”

Não há um número preciso sobre o número de presos políticos que passaram pelo HCE. Entre os militantes cujos corpos foram entregues à família, estão Marilena Villas Boas Pinto e Chael Charles Scheirer.

O caso de Raul Amaro Nin Ferreira pode ser o primeiro no qual a tortura aconteceu dentro da unidade. Investigações da família junto com a Comissão Estadual da Verdade apontaram, em agosto último, que o laudo cadavérico apresenta lesões diferentes das relatadas no documento que oficializou a entrada do preso político no hospital.

Prisão

Funcionário do Ministério da Indústria e do Comércio, o engenheiro mecânico Raul Amaro foi preso “por atitude suspeita” na madrugada de 1º de agosto de 1971 e levado ao Dops da Guanabara, onde foi fichado. 

De lá, foi para o DOI-Codi, na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, e, em seguida, conduzido ao Hospital Central do Exército(HCE), onde morreu em 12 de agosto de 1971.

Ele era suspeito de participar de uma rede de apoio ao Movimento Revolucionário 8 de Outubro, o MR-8. Na época da prisão, Raul Amaro se preparava para fazer um curso na Holanda.
                                                               
Laudo do médico-legista Nelson Massini, apresentado no dia 11 de agosto último, em audiência da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-Rio), comprova que Raul Amaro Nin Ferreira foi torturado em pelos menos três ocasiões durante a semana em que permaneceu no HCE, a últimas delas na véspera da morte.

Em dezembro de 2013, relatório produzido pela família de Raul Amaro já havia revelado documentos inéditos como um ofício encaminhado ao diretor do HCE em 11 de agosto de 1971 pelo então comandante do I Exército, general Sylvio Frota, que ordenava a entrada de dois agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) “a fim de interrogarem o preso”. 

Raul Amaro tinha 27 anos na época. Ele morreu às 15h50 do dia seguinte, de acordo com o atestado de óbito apresentado à família, no qual constava que a causa da morte dependia de “resultado de exame laboratorial”. 

No entanto, relatório do DOI produzido na véspera apontava que “não houve tempo para inquiri-lo sobre todo o material encontrado em seu poder”, o que indicava que ele poderia ter morrido um dia antes, durante o interrogatório no HCE.

 Com a ABI/Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro(PRRJ)/Agência Estado

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