A marcha fúnebre e o canto da sereia

                                                   
"nos dias de hoje qualquer um pode ser alvo de violência se não for branco, se não for heterossexual, se for de esquerda, se for de direita, ou simplesmente se contrariar o pensamento de outrem."



Carlos Lúcio Gontijo

          Estamos sob o comando e domínio de mentes radicais, gente que se sente dona do mundo e representante de Deus na Terra. São pregadores de si mesmos, de seus próprios preconceitos e, apesar de andarem com Bíblia debaixo do braço, nada têm a ver com os mandamentos bíblicos, pois na prática se nos apresentam como porta-vozes do Diabo, ao qual culpam a todo o instante por sua intolerância a tudo que não lhes é espelho, não aceitando a ignorância que semeiam com a arrogância dos pretensos sábios propagadores do mal, que chegam ao ponto de não permitir que seus seguidores leiam qualquer obra literária além do livro sagrado.

          A nosso ver, toda ideologia excludente é fonte de prejuízo para o aperfeiçoamento da sociedade humana, cujo florescimento é dependente do avanço da fraternidade, que por sua vez é fruto de ambiente de paz, amor e respeito entre as pessoas. 

Contraditoriamente a tudo isso, nos dias de hoje qualquer um pode ser alvo de violência se não for branco, se não for heterossexual, se for de esquerda, se for de direita, ou simplesmente se contrariar o pensamento de outrem.

Há muito louco ouvindo trombetas de anjos e disposto a assassinar os que não ouvem a sua música e marcham em outra direção e noutro passo. Pessoa com tamanha dose de radicalismo costuma encontrar adeptos e até apoio de agentes poderosos, que os veem como fator de disseminação da discórdia e do medo, que por seu turno são tidos como maneira eficaz de arrefecer possíveis atos de revolta e, ao mesmo tempo, manter os cidadãos prisioneiros em suas casas.

          Assistimos a agressões gratuitas em plena luz do dia, numa total demonstração de menosprezo à vida humana, que no final das contas não vale nada, servindo apenas para colorir de sangue os programas policiais das emissoras de televisão, que transportam o cenário de violência até os lares brasileiros, ampliando a banalização do panorama sanguinário. 

Ou seja, os corpos estão lá no chão (atrapalhando o trânsito) à espera do rabecão cotidiano, um veículo especializado em livrar as vias públicas de vidas humanas ceifadas em meio a uma guerra sem nome, sem causa e sem razão – é a morte pela morte e nada mais!

          Quanta gente graúda mergulhada em moralismo embebido em inconfessável imoralidade torpe e sem fim, ao passo que posa diante dos holofotes da grande mídia como se fosse exemplo de cidadão de bem. Carecemos na atualidade de figuras públicas constituídas que pensem na população em vez de orbitar em torno de seus majestosos umbigos imperiais – ungidos herdeiros do divino poder dos reis.

          Todavia e infelizmente, estamos a pé em matéria de bons quadros nas hostes dos poderes da República, onde juízes e bedéis se misturam e se engalfinham pela conquista de espaço nos meios de comunicação, como se estivessem em busca de fama e notoriedade no movediço terreno das celebridades inócuas, ainda que à custa de crise econômica e muito desemprego nas camadas mais pobres da população, que marcham para o cadafalso da guilhotina ao som de marcha fúnebre, enquanto os eternos privilegiados, os tais senhores de engenhos da modernidade, ouvem o canto da sereia e atiram o Brasil aos tubarões da agiotagem do capital internacional.

          Carlos Lúcio Gontijo

          Poeta, escritor e jornalista

         www.carlosluciogontijo.jor.br

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