A reinvenção da imprensa brasileira no "Jornal da Tarde" ( Importante capítulo de nossa história: a Passeata dos Cem Mil, o Congresso da UNE m Ibiúna, as bombas em jornais)

                                                                        

Por Equipe do Observatório da Imprensa em 23/04/2019 na edição 1034

No final dos anos 1960, com o mundo passando por grandes transformações, um pequeno diário paulistano começou a se destacar pela maneira ousada e inovadora com que retratava as mudanças em curso na cidade e no país. Nascido em 1966 dentro de uma das maiores empresas jornalísticas do país, o Jornal da Tarde rompeu com todos os conceitos do que se conhecia por “jornal” e encantou pelo menos duas gerações de leitores até ser encerrado, em 2012, em meio à crise global que atinge veículos de comunicação no mundo todo.

Para contar a história do JT, como o jornal era chamado, o jornalista paulistano Ferdinando Casagrande dedicou três anos de trabalho, com muita pesquisa em arquivos e quase cinquenta entrevistas com os principais personagens dessa história. Lançado como livro digital, “Jornal da Tarde – Uma ousadia que reinventou a imprensa brasileira” foi vencedor, em fevereiro, do primeiro Prêmio Livro-Reportagem Amazon — e deve ser também publicado pela editora Record até o fim do ano.

Em uma parceria com o autor, o Observatório da Imprensa publica, durante quatro semanas, capítulos do livro com alguns dos momentos mais relevantes da história do Jornal da Tarde.

Nesta primeira edição — o capítulo 20 da obra —, podemos entender a conjuntura que, em breve, levaria o governo ditatorial militar a implantar a censura dentro da redação do jornal.



                                               (Foto: Divulgação)

"Jornal da Tarde – Uma ousadia que reinventou a imprensa brasileira
Autor: Ferdinando Casagrande

Capítulo 20

Ninguém sabia àquela altura, mas 1968 seria para sempre lembrado como um ano de ruptura política e comportamental, um marco na história mundial. A guerra do Vietnã recrudesceria com as primeiras ofensivas dos vietcongs em Saigon; o mundo assistiria estarrecido ao assassinato nos Estados Unidos de um prêmio Nobel da Paz, o ativista pelos direitos humanos Martin Luther King; estudantes incendiariam as ruas de Paris e colocariam a França em greve contra o governo de Charles De Gaulle; e os tanques soviéticos sufocariam a tentativa de abertura política na Tchecoslováquia, acabando com a Primavera de Praga.

O Brasil, apesar da ditadura militar no poder, também vivia uma efervescência criativa histórica. No campo cultural, a Tropicália se desenhava desde 1967 como um movimento não só musical, mas de revolução dos costumes. Na política, a ambiguidade de Arthur da Costa e Silva, o marechal empossado no ano anterior como presidente da República, alimentava esperanças em atores de todos os espectros ideológicos. Dos conservadores unidos sob a Frente Ampla criada por Carlos Lacerda, que conseguiu colocar no mesmo barco inimigos históricos como Juscelino Kubitschek e João Goulart, aos jovens intelectuais inspirados pelas utopias socialistas. Embora os objetivos finais fossem bem diferentes – o dos políticos era restabelecer a democracia anterior enquanto o dos estudantes era implantar a ditadura do proletariado -, todos lutavam contra um inimigo comum.

A ambiguidade de Costa e Silva era calculada. Para chegar ao Palácio do Planalto, lançara mão do discurso que agradava à ala moderada das Forças Armadas, no poder desde 1964 com Castelo Branco. Enquanto falava em reabertura do diálogo com a sociedade e os políticos, não cedia em um milímetro nas restrições impostas às liberdades civis desde o golpe. As greves seguiam proibidas, os sindicatos, sob intervenção, e os movimentos estudantis, proscritos.

Os oposicionistas enxergavam as brechas abertas pelo discurso do presidente como oportunidades. Era a hora de agir, de se organizar, de protestar. A linha dura da caserna, porém, não ia entregar o jogo tão cedo. E esse conflito de interesses começou a ficar claro no dia 28 de março. Estudantes secundaristas organizaram uma passeata para protestar contra o aumento do preço da refeição do Restaurante Calabouço, no centro do Rio de Janeiro. A Polícia Militar foi chamada, houve confronto, e o estudante Edson Luís de Lima Souto, de apenas 18 anos, foi morto com um tiro no peito.

Os colegas o carregaram em passeata até a Assembleia Legislativa, onde ele foi velado. E começou uma comoção contra a violência do Estado que geraria novos enfrentamentos entre PMs, apoiados por tropas do Exército, e jovens manifestantes estudantis. Os protestos ganharam as ruas em várias cidades do país.

Uma semana depois, no dia 5 de abril, o presidente Costa e Silva daria o primeiro indício de que o discurso, afinal, era só retórico. O ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, editou a portaria de número 177 que declarava proscrita a Frente Ampla criada por Carlos Lacerda. Ameaçava ainda com prisão qualquer pessoa que se manifestasse sob a bandeira da Frente e determinava a apreensão de quaisquer jornais e revistas que noticiassem pronunciamentos de políticos ligados ao grupo. O comando militar do país considerava decretar estado de sítio, com o objetivo principal de censurar a imprensa, acusada de manipular os fatos para jogar a população contra o governo.

Aliada histórica de Carlos Lacerda desde os anos 1950, a família Mesquita estava na alça de mira dessa censura. Embora O Estado não apoiasse as manifestações estudantis de rua, que classificava em seus editorias como “motim” inflamado por “agitadores profissionais”, não as condenava abertamente.

O doutor Julinho, aliado de primeira hora do golpe de 1964, se afastara da ditadura já nos seus primeiros meses, seguindo um dos mandamentos sagrados da família que rezava: “Em política, toda solução é o início de um novo problema”. Pesara naquele afastamento, também, uma descortesia de Castelo Banco. Logo após sua nomeação para a Presidência, o marechal fora visitado pelo doutor Julinho que lhe trazia uma lista de nomes que ele considerava ideais para o ministério. Castelo Branco, porém, não quis ouvir as sugestões:

— Agradeço sua preocupação, senhor Mesquita, mas já temos uma lista de ministros de nossa preferência.

Quatro anos depois, se não chegava a ser um inimigo, o doutor Julinho era no mínimo um incômodo para os militares. Na tradicional seção “Notas e informações” da página 3, O Estado batia frequentemente nas mazelas do regime e acusava os generais de “traição dos ideias de 64”.

Em seu editorial do dia 6 de abril de 1968, sob o título “Quem foi o responsável?”, que abordava os protestos e confrontos nas ruas do país, O Estado acusava: “O responsável, em última análise, é o governo, porque o Brasil está sem comando e, em um país sem comando, tudo pode acontecer. O Brasil é um país sem instituições. Os três poderes, na verdade, são um só: o Executivo”.

O mês de abril seguiria tenso e a crise se aprofundaria no dia 16, com a decretação de uma greve de metalúrgicos em Contagem, Minas Gerais, que duraria dez dias. Os metalúrgicos pediam aumento salarial, mas a paralisação, proibida pelos atos institucionais da ditadura, ganhou contorno político.

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No Jornal da Tarde, que também publicava as críticas do doutor Julinho aos militares, a maioria dos jornalistas não dava bola para editoriais. Embora se preocupasse com a situação do país, alguns inclusive engajados em movimentos de esquerda e quase todos com corações e mentes alinhados aos dos jovens que protestavam nas ruas, a rapaziada do JT andava às voltas com um drama particular naquele mês de abril. Uma questão prosaica, mas que pedia solução urgente.

Aconteceu que por aqueles dias mesmo, uma das tradicionais peladas do Túnel do Tempo havia sido interrompida após um incidente trágico. Empolgado com a chance de marcar um gol, o repórter Sandro Vaia arrematara o lance com tamanho entusiasmo que o sapato se soltara do seu pé direito e voara pelo ar. Atingira em cheio o monóculo de Machado de Assis num dos quadros da galeria de notáveis que enfeitava o corredor. O quadro se espatifara e os responsáveis haviam tentado decidir em assembleia, ali mesmo, que medidas adotar.

Alguns defendiam que os restos imortais do retrato do fundador da Academia Brasileira de Letras fossem devidamente embrulhados em papel pardo e retirados clandestinamente do prédio, para serem desovados em alguma lixeira pública. Outros achavam que o certo era assumir o prejuízo e suas consequências quando, no dia seguinte, a diretoria cobrasse esclarecimentos. Como não houvesse consenso, o grupo escondeu o quadro numa das salas da redação até que se optasse por uma solução definitiva, ou que a diretoria desse pela falta da tela.

Os dias foram passando, ninguém notou, ou pelo menos questionou, o desaparecimento de Machado de Assis. Os envolvidos já quase haviam se esquecido do incidente quando, na madrugada do dia 20 de abril, o edifício d’O Estado foi literalmente sacudido por uma bomba.

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Fernando Mitre, então já como editor da Reportagem Geral, era um dos últimos jornalistas na redação. Ele havia terminado o fechamento e se preparava para jantar em algum dos restaurantes do centro em companhia de Nicodemus Pessoa e de Guilherme Duncan de Miranda, dois colegas de editoria. Um dos diagramadores, porém, o alcançou na porta do elevador.

— Mitre, você esqueceu de fazer um título.
— Está faltando um título? – perguntou Mitre. – Vocês voltam comigo?

Os três voltaram para a redação, fizeram o título, Mitre refez um corte para uma foto que não agradava, e quando deu o trabalho por terminado, todos ouviram o enorme estrondo que vinha de baixo, e um leve tremor. Um dos diagramadores ligou na oficina para saber o que havia acontecido.

— Mitre, uma bomba explodiu no saguão –, informou. – Parece que o seu Mário está ferido.

Mário Rodrigues era o porteiro da noite e havia se ferido, sem maior gravidade. Fernando Mitre mandou reabrir a editoria. Ia mudar páginas, rediagramar, precisavam publicar uma cobertura do atentado. Começou ele mesmo a apurar o que havia acontecido, enquanto um dos diagramadores percorria os bares próximos em busca de jornalistas que estivessem pela região.
— Conte o que aconteceu e peça para que voltem para cá – orientou Mitre. – Vamos precisar de todo mundo que estiver disponível.

Os jornalistas começaram a chegar e foram recebendo tarefas. Fernando Portela, por exemplo, foi incumbido de percorrer todos os andares do prédio fazendo um inventário dos estragos causados pela explosão. Ninguém sabia, nem jamais soube com certeza, quem foi o autor do atentado. Se era verdade que os estudantes haviam feito alguns protestos na porta d’O Estado nas semanas anteriores, também o era que os militares se incomodavam cada vez mais com os editoriais do doutor Julinho.

No JT do dia seguinte, a manchete estampava: “Uma bomba neste jornal”. Em meio à cobertura, Fernando Mitre encaixou um texto com a experiência que haviam vivido: “Fomos salvos por um título”, dizia a chamada. Na matéria escrita por Fernando Portela com todos os danos materiais causados pela explosão, o tremor no quinto andar parecia ter sido bem mais forte do que haviam sentido as testemunhas daquela noite.

Estava lá no texto, listado entre os estragos causados, um quadro de Machado de Assis, que o abalo causado pela explosão teria arrancado da parede. Na queda, explicava o inventário cuidadoso de Portela, a moldura se espatifara.

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Já promovido a chefe de reportagem da Geral, Fernando Portela seria incumbido, meses depois, de uma missão especial. A redação recebera a informação de que a proscrita União Nacional dos Estudantes, a UNE, realizaria em outubro o seu 30º Congresso. Seria um evento clandestino no interior de São Paulo. Todos os jornais estavam sendo avisados informalmente, mas ninguém ainda tinha detalhes sobre a data correta ou o local do encontro. Portela foi pautado para fazer contato com líderes estudantis e garantir a presença de um repórter do JT no evento.

O enfrentamento entre jovens oposicionistas e a ditadura militar havia crescido nos meses que se seguiram à explosão no saguão d’O Estado. Em maio, o governador de São Paulo, Abreu Sodré, havia sido apedrejado durante solenidade de comemoração do Dia do Trabalhador na Praça da Sé. Em junho, novas passeatas tinham terminado em confrontos com as forças de segurança no Rio de Janeiro e um novo atentado a bomba, no dia 26, fora executado contra o Quartel General do Segundo Exército, localizado no bairro do Ibirapuera, em São Paulo.

Militantes do movimento clandestino Vanguarda Popular Revolucionário, a VPR, lançaram um carro carregado com 20 quilos de dinamite contra o muro do quartel. A explosão feriu seis militares e matou o soldado Mário Kozel Filho, um recruta de 18 anos que não tinha nada a ver com a ditadura, apenas cumpria o serviço militar obrigatório.

Bombas tinham voltado a explodir no Rio de Janeiro, na sede Associação Brasileira de Imprensa, a ABI, em julho. Nesse mesmo mês, o presidente Costa e Silva proibira a realização de manifestações públicas e fora indiretamente criticado, dois dias depois, pela Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. A CNBB condenara em documento a falta de liberdade de expressão no país.

No final de agosto, a polícia prendera arbitrariamente Honestino Guimarães, líder estudantil da Universidade de Brasília, dentro das dependências da instituição, e no dia 2 de setembro, o deputado federal pelo estado da Guanabara Márcio Moreira Alves, do MDB, provocara os militares com um discurso na tribuna do Congresso no qual chamava o Exército de “valhacouto de torturadores”.

Moreira Alves convocava um boicote às paradas de 7 de Setembro, dia da Independência do Brasil. Implorava, ainda, às jovens brasileiras para que não namorassem oficiais das Forças Armadas. A tigrada da linha dura queria prender o deputado, mas a Constituição promulgada um ano antes pela própria ditadura determinava que qualquer sanção contra parlamentares precisava ser autorizada pela Câmara. O governo decidiu respeitar a Carta e apresentou pedido ao Legislativo de licença para processar o deputado. Estava instalada a crise institucional.

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Com esse fundo negro no horizonte, Portela conseguiu marcar um encontro com um dos líderes da UNE no início de outubro. José Dirceu era um jovem estudante de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e disse que aceitaria a presença de um repórter no encontro desde que o jornal fizesse uma contribuição em dinheiro para a entidade. Portela não se conteve.

— Ô meu querido, você consegue imaginar a família Mesquita financiando um congresso clandestino da UNE? – perguntou o jornalista.
— Mas nós precisamos do dinheiro para comprar lanches para os companheiros – explicou Zé Dirceu.
— Porra Zé Dirceu, eu estou lhe oferecendo divulgação e você vem me pedir mortadela?

Zé Dirceu foi convencido pelo argumento e Fernando Portela pautou o repórter Sérgio Rondino para acompanhar o encontro que se realizaria num sítio em Ibiúna a partir do dia 7 de outubro. Estariam presentes, além de Dirceu, os principais líderes do movimento estudantil: Luís Travassos, então presidente nacional da UNE, Vladimir Palmeira, Franklin Martins e Jean Marc van der Weid. A UNE contava reunir mais de 600 estudantes no local.

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Se a informação correra livremente pelas redações, que dirá pelos aparatos de inteligência da ditadura. A polícia soubera do evento e decidira deixar que ele acontecesse. Estouraria o encontro quando todos já estivessem em Ibiúna para prendê-los de uma só vez.

Durante os três primeiros dias, os estudantes barbudos não paravam de chegar, chamando a atenção dos poucos moradores do local. A chuva enlameara as estradas, dificultando o acesso ao sítio onde havia apenas uma casa de alvenaria – destinada ao abrigo das mulheres – e um barracão de lona para proteger os homens do mau tempo. Faltavam comida, banheiros e camas. Os jovens saíam para fazer compras vultosas nas mercearias locais, o que despertava ainda mais suspeitas.

A polícia começou a desenhar o cerco na quinta-feira, dia 10 de outubro. Esperava enfrentar forte resistência. Ninguém sabia ao certo quantos seriam os estudantes e falava-se que tinham armas pesadas, bombas e granadas. Quando finalmente cercaram o local, na madrugada do dia 12 de outubro, os 170 homens da Força Pública acompanhados por 10 agentes do Departamento de Ordem Política e Social, o DOPS, encontraram um cenário desolador. 

Jovens enlameados, famintos e debilitados pela chuva e pelo frio se entregaram pacificamente, sem opor qualquer resistência. Os policiais tiveram de fretar vários ônibus para transportar os 720 delegados da UNE. Entre os presos havia dez jornalistas que faziam a cobertura do evento. Menos o repórter Sérgio Rondino, do Jornal da Tarde.

Avisado pelos repórteres policiais da operação em Ibiúna, Fernando Portela pautara Percival de Souza e Antônio Carlos Fon para a cobertura das prisões. Assim que chegaram ao sítio já cercado pelas tropas, os dois se posicionaram entre os soldados ao lado da imensa fila de estudantes, todos com os braços levantados, dedos trançados atrás da nuca, que caminhavam em direção aos ônibus.

Alto, esguio, sempre de terno impecável, bigode farto cobrindo os lábios e óculos de aros pretos, Percival passaria facilmente por um jovem tira. Ainda mais aos olhos dos policiais da Força Pública que, por serem lotados num destacamento do interior, não o conheciam. Aproveitando-se desse fato, Percival salvou Rondino do xadrez. Assim que viu o colega na fila, deu-lhe um tapa e começou a gritar:

— Vagabundo, sem-vergonha!
Rondino se desequilibrou e caiu no chão, fora da fila, onde continuou levando safanões e ouvindo os xingamentos de Percival. Quando Percival se abaixou para agarrar o “preso”, Rondino tentou explicar:
— Perci, sou eu, o Sérgio.
— Eu sei. Cala essa boca que eu vou te tirar daqui, – disse Percival ao colega, enquanto o arrastava em direção ao local onde estavam estacionadas várias viaturas – e também o carro da reportagem. Lá chegando, os dois entraram no fusca do JT e fugiram para a redação.

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A prisão dos estudantes de Ibiúna não foi o único fato político relevante no dia 12 de outubro. No bucólico bairro do Sumaré, na capital paulista, jovens intelectuais que haviam mergulhado na luta armada realizaram uma das ações mais ousadas, e também mais cruéis até aquele momento contra a ditadura.

Pedro Lobo de Oliveira, Diógenes José Carvalho de Oliveira e Marco Antônio Braz de Carvalho, todos militantes da VPR, assassinaram a tiros um capitão do exército dos Estados Unidos. Charles Chandler tinha 30 anos e vivia em São Paulo com a esposa, Joan, e quatro filhos pequenos – o mais novo deles, uma bebê de apenas 3 meses de vida.

Formado pela Academia Militar de West Point em 1962, Chandler combatera durante um ano no Vietnã. Ao retornar da guerra, recebera uma bolsa de estudos de uma organização americana para cursar um mestrado de Sociologia e Política no Brasil. Mudara-se com a família para o país em 1966 e concluiria o curso em novembro de 1968, quando retornariam aos Estados Unidos.

A VPR iniciara suas ações clandestinas em 1967, com roubos a bancos para financiar a compra de armas – “expropriações do capital”, como gostavam de classificar seus membros – e assaltos a unidades militares menos guarnecidas para roubar armamentos. Vinha se armando havia algum tempo e fora responsável pelo atentado ao QG do 2º Exército.

A direção do grupo julgava, entretanto, que era hora de aumentar a visibilidade para a causa com ações de repercussão nacional e até internacional. Vinha bem a calhar a execução de um oficial do exército americano, inicialmente proposta pela Ação Comunista liderada por Carlos Marighella, embrião da Aliança Libertadora Nacional, a ALN.

Para justificar o crime, os militantes acusaram Charles Chandler de ser agente da Central Inteligence Agency, a CIA, o que nunca puderam provar. Mesmo assim, submeteram a vítima em setembro a um “julgamento” pelo que chamavam de “tribunal revolucionário”, na prática um comitê formado por três dirigentes – o presidente da VPR, Onofre Pinto, e os dirigentes João Carlos Kfouri Quartim de Moraes e Ladislaw Dowbor.

Chandler foi condenado à morte e a execução foi marcada para o dia 8 de outubro, aniversário da morte de Che Guevara. Os guerrilheiros fizeram o levantamento dos hábitos do capitão, mas no dia marcado ele não saiu de casa. Finalmente, no dia 12, Chandler foi assassinado às 8h15, quando tirava o carro da garagem. Foi alvejado com seis tiros de um revólver calibre .38, disparado por Diógenes José Carvalho de Oliveira, e por 14 tiros de metralhadora INA calibre 45, disparados por Marco Antônio Braz de Carvalho.

O capitão morreu no local. Antes de fugir, os guerrilheiros espalharam panfletos com um manifesto em que acusavam a vítima de “crimes de guerra” no Vietnã. O filho mais velho do capitão, Darryl, que esperava para fechar o portão da garagem, assistiu ao assassinato do pai. Tinha apenas 9 anos de idade.

Doze dias depois, a casa de Dom Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, foi metralhada em Pernambuco. Dom Hélder era um dos maiores críticos da ditadura. A sequência de ações não deixava dúvidas: o Brasil estava mergulhado numa guerra suja. Em pouco tempo, os jornais e revistas seriam proibidos de publicar qualquer tipo de informação sobre esse conflito. A maioria cederia. Três grandes publicações, porém, se recusariam a praticar a autocensura.

Para calar a revista Veja, dirigida por Mino Carta, e os diários O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde, da família Mesquita, o regime seria obrigado a expor sua face ditatorial implantando a censura prévia, com agentes trabalhando nas redações.

(Com o Observatório da Imprensa)

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