A visão de um “parasita”: se não agirmos ficaremos no caminho

                                                                                                      Reprodução da internet


Marcelo Castañeda  (*)

Posso falar pela minha breve ex­pe­ri­ência de menos de um ano e meio como fun­ci­o­nário pú­blico: não sou pa­ra­sita, como disse o mi­nistro Paulo Guedes, um tí­pico es­pe­cu­lador fi­nan­ceiro, que vive de pa­ra­sitar. O clã Bol­so­naro, em 28 anos, no­meou 102 pes­soas com laços fa­mi­li­ares como as­ses­sores. Mas pa­ra­sitas são os ser­vi­dores pú­blicos?

Sou pro­fessor uni­ver­si­tário apro­vado num con­curso dis­pu­tado. Se bem me lembro eram 33 dou­tores dis­pu­tando duas vagas. Na prova di­dá­tica foram 12 pes­soas dis­pu­tando. Não foi fácil e con­si­dero que tra­balho bas­tante: além da sala de aula (en­sino, que en­volve também pla­ne­ja­mento), de­sen­volvo ati­vi­dades de pes­quisa, ex­tensão e gestão na uni­ver­si­dade pú­blica, no caso a UFRJ.

Sei que Paulo Guedes, se­guindo o script do go­verno, já disse que a sua frase foi ti­rada de con­texto. Como não colou, de­sandou a pedir des­culpas. Só que a re­forma ad­mi­nis­tra­tiva será a bola da vez do go­verno Bol­so­naro e terá os ser­vi­dores pú­blicos como vi­lões no pri­meiro se­mestre de 2020. O jogo co­meçou e, no que resta de es­fera pú­blica bur­guesa, Paulo Guedes nada de bra­çada. 

No que de­pender da sen­si­bi­li­zação da so­ci­e­dade, muito pouco virá, tendo em vista que somos vistos como pri­vi­le­gi­ados e o tempo de ação é curto. Por mais que me sinta jus­ta­mente re­mu­ne­rado, num país em que quem ganha mais de R$ 5.214,00 está nos 10% mais ricos a imagem do pri­vi­légio não está de todo dis­tor­cida, ainda que en­gane muito. Restam os sin­di­catos e a opo­sição par­la­mentar para fazer o jogo virar.

A sen­sação que tenho é que estou ca­mi­nhando e o chão está se des­fa­zendo logo atrás. 

Em algum mo­mento breve, as con­di­ções tendem a pi­orar caso não fa­çamos nada. Para mim, al­guém que se acos­tumou à pre­ca­ri­e­dade do tra­balho ao longo da vida, talvez não seja nem um ajuste tão di­fícil a fazer, mas não sou apenas eu, são todos os ser­vi­dores em di­fe­rentes es­feras (mu­ni­ci­pais, es­ta­duais e fe­deral). Que os ser­vi­dores te­nhamos cons­ci­ência de que te­remos que agir neste se­mestre, mais ainda a partir de já, se qui­sermos ter al­guma chance neste ta­bu­leiro.

Ou a gente vai en­tregar isso de mão bei­jada como a Re­forma da Pre­vi­dência? O que posso fazer além de par­ti­cipar de as­sem­bleias sin­di­cais e atos de rua?

Acabou de ter­minar o Con­gresso do Andes, sin­di­cato que re­pre­senta os do­centes de uni­ver­si­dades. Saber as re­so­lu­ções é fun­da­mental. A pro­posta de re­forma ad­mi­nis­tra­tiva segue para o Con­gresso nesta se­mana. Hoje passei men­sagem para minha seção sin­dical, pre­ci­samos de ar­ti­cu­lação. O Andes pre­cisa pensar junto com ou­tras ca­te­go­rias e ar­ti­cular com par­la­men­tares. O jogo é di­fícil, mas não pode ser per­dido de início. Paulo Guedes já en­trou em campo.

Não dá pra ser cha­mado de pa­ra­sita em plena sexta-feira, se afogar na cer­veja no fim de se­mana e co­meçar a se­mana se­guinte es­pe­rando a re­forma ser apre­sen­tada. 

É hora de agir ou so­fre­remos todos as con­sequên­cias, ex­ceto os que são li­te­ral­mente pri­vi­le­gi­ados, como juízes e par­la­men­tares, que devem ficar de fora desta pa­na­ceia que vai dar vazão ao ajuste fiscal em curso, mas não vai dar jeito no país como alar­deia o es­pe­cu­lador que me chamou de pa­ra­sita.


(*) Mar­celo Castañeda é ci­en­tista so­cial, pro­fessor da UFRJ
E-mail: ce­lo­cas­ta­neda@​gmail.​com 
Twitter: @ce­lo­cas­ta­neda

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