Com Lula, sem Lula


Marina Amaral (*)                             
                                       
Esclarecedora a entrevista com Sarah Cleveland, vice-presidente do Comitê de Direitos Humanos da ONU, que assinou a liminar pelo direito de Lula participar das eleições. Como se percebe na leitura da entrevista feita por Mariana Muniz, publicada no site Jota, o que vem sendo dito entre as torcidas eleitorais de ambos os lados não tem fundamento.

A jornalista desfaz a primeira confusão na introdução da entrevista, informando que Comitê nada tem a ver com a Comissão de Direitos Humanos da ONU, composta por representantes dos países-membro. O comitê é um corpo técnico, formado por peritos independentes, com a missão de fiscalizar o cumprimento do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 – assinado tardiamente pelo Brasil, já livre da ditadura militar, em 1992.

Apoiado na Declaração Universal de Direitos Humanos, o Pacto dispõe sobre direitos civis e políticos “decorrentes da condição humana” – incluindo o de qualquer pessoa concorrer às eleições de seu país, desde que cumpra os requisitos constitucionais, como explica a vice-presidente do Comitê: “Uma condenação final para um crime grave após um julgamento justo pode fundamentar a negação da possibilidade individual de participar de eleições como candidato. Mas a condenação de Lula não é final, e ele contestou seu processo penal como sendo fundamentalmente injusto diante das cortes domésticas e do Comitê de Direitos Humanos”.

É por esse motivo que os peritos consideraram que as restrições à participação de Lula na campanha eleitoral trazem “um dano irreparável”, ou seja, que não poderia ser corrigido se, ao julgar o mérito da queixa do ex-presidente, o Comitê concluísse que o processo jurídico que o tirou das eleições foi realmente injusto. O Comitê ainda está apurando o caso e, portanto, não deu razão a Lula, como dizem os petistas. Mas também não representa qualquer posição ideológica além dos princípios compactuados, como acusam os adeptos da teoria da Ursal.

Por fim, resta a pergunta capciosa: e esse Comitê tem poder para fazer o Brasil cumprir as obrigações assumidas ao assinar o Tratado?

A resposta é simples. O tratado pode não ter efetividade jurídica, como alega o ministro do STF, ex-ministro da Justiça de Temer, Alexandre Moraes. Mas é um compromisso juramentado: se a palavra do Brasil tem valor, cumpre-se a determinação do Comitê garantindo que o ex-presidente “possa desfrutar e exercer seus direitos políticos, enquanto esteja na prisão, como candidato para as eleições presidenciais”.

Os números das pesquisas eleitorais sugerem que manter a palavra diante do Comitê da ONU pode impedir o país de cometer “um dano irreparável” também ao eleitor. A consulta aos eleitores no questionário “com Lula” o colocam como líder  – com 39% no Datafolha, destacando-se 59% no Nordeste e 49% entre os mais pobres. Já as pesquisas “sem Lula”, com o ex-capitão Bolsonaro à frente (22%), mostram lideranças mais difusas e o dobro de eleitores indecisos.

Que o “sem Lula” não se torne sinônimo de “sem democracia”.


(*) Marina Amaral é codiretora da Agência Pública

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