O sofrimento da língua pátria

Carlos Lúcio Gontijo

Sonhei com meu amigo Elias Maboub. É o primeiro Natal que passo sem mandar e receber de volta seu cartão de congratulações referentes ao fim de mais um ano.



Infelizmente, aqui na terra Brasil, caro Maboub, competente revisor e maior conhecedor de gramática portuguesa que conheci, tudo continua igual: os jornais repletos daqueles erros que você e todos nós tanto corrigimos na redação de veículo de comunicação impressa em que trabalhamos juntos por vários, longos e bons anos.



Ainda grafam “haja visto”, “expontâneo” e “previlégio” (este é assim pronunciado nos discursos de muitos políticos e autoridades constituídas), em vez de haja vista, espontâneo e privilégio.
Talvez maltratar a língua pátria seja mesmo uma sina de nação que não leva muito em consideração a democratização do ensino de qualidade, a valorização dos professores e o efetivo incentivo à leitura.



Recentemente, uma amiga minha foi à Alemanha visitar o filho que lá estuda e ficou surpresa ao se dar conta de que todos os passageiros do ônibus coletivo que tomaram tinham um livro à mão – e o mais impressionante; liam!



Minha avó, Venina Gomes, foi professora e precursora do ensino em Moema, município de Minas Gerais, onde virou nome de escola. Quando idosa e doente, se não é a ajuda da família não tinha como enfrentar as agruras e as despesas médicas que lhe vieram com o declínio da saúde.



Sua aposentadoria era quantia completamente insuficiente para que ela ostentasse uma vida digna.
O que se nota, explícita e abertamente, é que os nossos homens públicos se mantêm distantes de encaminhar a filosofia de sua administração rumo a princípios que se aproximem de assertiva do sofista Protágoras, na antiga Grécia, que pregava que “Estado que não educa a criança é obrigado a castigar o adulto”.



Não é à toa portanto que andamos preocupados com a construção de mais presídios e não conseguimos conter o avanço dos casos de violência.
Vejo com preocupação o anúncio de que, antes mesmo de se alcançar a remuneração digna dos professores (nem mesmo o piso de 900 reais é cumprido em todo o Brasil), o governo anuncia a meta de garantir um mínimo de R$ 3.200,000 aos policiais militares de menor patente – os soldados.



Claro que considero uma decisão acertada e justa, contudo não consigo explicação para que a medida anteceda à solução para o imbróglio salarial experimentado pelos professores: afinal, grande parte da violência que assola a sociedade tem sua origem na exclusão de significativas camadas da população dos mecanismos promotores da educação, informação e conhecimento, que são fatores indispensáveis à ascensão social das pessoas.



Casos de cidadãos sem o mérito de bom grau de escolaridade que obtêm sucesso são exceções e não uma regra.



Nem todo mundo pode contar com a sorte de ser contemplado, pelo destino e pelo esforço próprio – fazendo a ignorância virar sabedoria e letra –, com uma trajetória como a do presidente Lula. Não é todo dia que gente sem o devido preparo educacional se faz passar pelo fio da agulha da competitividade selvagem do mercado de trabalho adentro.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
http://www.carlosluciogontijo.jor.br/

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