Cuba debate seu futuro


Patrícia Grogg (*)

Cuba propõe-se a desenvolver sua economia apoiando-se na integração com países amigos, aceitando capital estrangeiro como complemento à inversão nacional, com uso eficiente do capital humano e o aumento da produção de alto valor agregado, entre outras premissas.
O plano, no entanto, será menos paternalista no aspecto social, buscará eliminar gratuidades e o sistema racionado na distribuição de alimentos, segundo o projeto de reorientação da política econômica e social que começou a circular a esta semana, como base para a discussão popular prévia ao VI Congresso do Partido Comunista de Cuba (PCC).
Este evento, convocado para a segunda quinzena de abril, esta encarregado de cunhar reformas que já estão em andamento no setor agrícola e trabalhista, assim como outras que estão sendo estudadas. Estará completamente voltado à atualização do modelo econômico, como indica o presidente cubano, Raúl Castro.
A convocação do VI Congresso pegou muitos de surpresa, mas o fato sua agenda se concentrar apenas num único tema foi qualificado por algo lógico e realista por setores acadêmicos. “A economia é a base e sobre ela se ergue todo o demais”, comentou à IPS um investigador que pediu para não ser identificado.
“Acabo de comprar o texto de 32 paginas e ainda não posso opinar com propriedade”, esclareceu. Mas as primeiras paginas de sua cópia já exibiam várias linhas sublinhados e anotações na margem.. “São aspectos que creio necessário esclarecer”, complementou, como para desculpar-se por não se aprofundar sobre o tema.
O documento praticamente já desapareceu dos postos de venda. “As pessoas quase arrancavam das mãos (…). Espero que me tragam outra boa quantidade, porque muitas pessoas não puderam comprá-los”, comentou à IPS uma trabalhadora do correio da capital.
Analistas consideram que o VI conclave do Partido Comunista, postergado desde 2002, permitirá deixar para trás a “economia feita a mão” e passar a uma estratégia ordenada, com etapas claramente definidas, que deve deixar definitivamente para atrás o chamado “socialismo real” para responder às necessidades atuais do país.
Segundo o projeto, a empresa estatal socialista é a forma principal na economia nacional. Entretanto, deve-se “reconhecer e estimular as empresas de capital misto, as cooperativas, os usuários das terras, os arrendadores de estabelecimentos, os trabalhadores assalariados e outras formas que poderão elevar a eficiência do trabalho social”.
Entre as mudanças, espera-se, na distribuição de produtos, “mercados de abastecimento que vendam a preços de atacado e sem subsídios para o sistema empresarial, cooperativas, arrendatários, proprietários (de terra) e trabalhadores assalariados”.
Pessoas interessadas em exercer algum dos 178 serviços autorizados para o trabalho privado consideram a venda atacadista como imprescindível, a fim de baratear os custos de sua produção e serviços. Entretanto,as autoridades alertaram que este passo depende das possibilidades econômicas do pais.
Um aspecto que desperta grande interesse popular é a intenção de avançar na “unificação monetária”, embora o processo dependa, segundo o documento prévio ao Congresso, “dos aumentos da produtividade do trabalho, da efetividade dos mecanismos distributivos e redistributivos, e com eles, da disponibilidade dos bens de serviço”. O parágrafo 54 do texto acrescenta: “Por sua complexidade, [a medida] exigirá uma rigorosa preparação e execução, tanto no plano objetivo como no subjetivo”. Nesta ilha caribenha circulam o peso (a moeda nacional) e o peso conversível (CUC), que desde 2004 substitui o dólar norte-americano.
Entre os aspectos mais sensíveis para um setor importante da população cubana figura a proposta de “implementar a eliminação sistemática da cartela de abastecimento, como forma de distribuição racionada, igualitária e a preços subsidiados, o que beneficia tanto ao cidadão necessitado como ao não necessitado”.
Em matéria de integração econômica, planeja-se dar prioridade à participação na Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (ALBA), cujo nascimento foi impulsionado pela Venezuela, e trabalhar “com velocidade e intensidade” na coordenação, cooperação e complementação econômica a curto, médio e longo prazo para a realização de seus objetivos.
Como “objetivo estratégico”, propõe-se manter participação ativa na integração econômica com América Latina e o Caribe e se conservar o país inserido em articulações regionais, como a Associação Latinoamericana de Integração (Aladi), a Comunidade do Caribe (Caricom) e a Petrocaribe, entre outras. Embora não esteja explícito nos planos, o governo cubano continuará priorizando suas relações com a Venezuela. Junto à convocatória do Congresso, Raúl Castro informou que ambos os países encaminham-se para uma união econômica e decidiram relançar por mais dez anos o convênio integral de cooperação vigente desde 2000.
Segunda a agenda preparatória do congresso, os debates populares em torno do projeto recém-lançado começarão dia 1º de dezembro e se prolongarão até 28 de fevereiro. As opiniões e sugestões “serão levadas em conta para a adoção do documento”, disse Raul Castro, que fez os anúncios ao lado de Hugo Chávez. Posteriormente, no transcorrer de 2011, ocorrerá a primeira Conferencia Nacional do PCC, “para analisar temas internos do partido e outros assuntos de importância nacional”.
Inicialmente, a Conferencia havia sido programada para uma data prévia ao VI Congresso a fim de eleger os novos integrantes dos organismos de direção do PCC – que incluem o Comitê Central, o Birô Político e o Secretariado –, instâncias que seriam responsáveis de concluir a preparação da conclave. Todavia, o mandatário cubano e segundo secretario do PCC explicou que se decidiu pela inversão da ordem “devido ao avanço na preparação dos documentos necessários para discutir o tema principal, a economia”. Acrescentou que uma primeira cópia do projeto foi entregue a seu irmão mais velho, o ex-presidente Fidel Castro.
O líder histórico da Revolução Cubana adoeceu gravemente em julho de 2006 e no começo de 2008 renunciou à possibilidade de ser reeleito presidente do Conselho do Estado, mas conserva seu cargo de primeiro secretario do PCC, organização definida constitucionalmente como “força dirigente superior da sociedade e do Estado”.

(*) Patrícia Grogg é da Agência IPS

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