Machado de Assis impresso a machadadas


                                               
 

 Carlos Lúcio Gontijo
                    

            Os estudantes que levam a vida na comunicação virtual, na qual existe todo um linguajar descompromissado, na base do deu para entender está bom, que se cuidem, pois podem não ter vida fácil no futuro. Se existe intelectual da área pedagógica com ideias progressistas, com a pretensão de empobrecer os elementos e fatores culturais a fim de torná-los acessíveis aos que tiveram formação educacional deficiente, em consonância com a má qualidade do ensino oferecido por nossas escolas públicas principalmente, a realidade nos impele a avisar que os jovens precisam estar atentos ao fato de que tais avanços, que levam o ensino a crescer para baixo, ao feitio de rabo de cavalo, não andam sendo vistos com bons olhos pelo mercado de trabalho.

          Prova de que as empresas não se encontram dispostas a contratar funcionário incapaz de se comunicar bem em sua própria língua se nos apresenta literalmente exposta em levantamentos que assinalam que 40,6% dos estudantes que fazem teste em busca de estágio são reprovados devido a erros de ortografia.

         Ou seja, o mundo empresarial não engoliu a lorota de renomados professores, que introduziram no ambiente escolar as tais “variantes linguísticas”, um eufemismo para mascarar a realidade, abrindo espaço para afirmar que, apesar de estar errada, a tentativa de acerto é que conta. Ou seja, vale o que está nas entrelinhas do desconhecimento explícito.

         O enredo de toda a teoria é que existe certo aprendizado naquele que nada sabe e que, apesar de o inferno estar cheio de bem-intencionados, na moderna didática brasileira basta o aluno ter boa intenção. Não demora muito, será suficiente o simples comparecimento do estudante: ele assina a prova e deixa tudo em branco, cabendo ao professor adivinhar como o aluno responderia as questões, o que pode ser considerado apenas mais uma etapa para quem, nos últimos tempos, vem traduzindo os garranchos ortográficos dos estudantes.

          Não sei por que, mas alguns intelectuais brasileiros insistem em achar que o nosso povo padece de uma idiotice congênita, coisa que vem desde a casa grande e senzala, segundo o parecer das elites de poder, engenhos e canaviais. Nessa batida nos vem a escritora Patrícia Secco, que resolveu ceifar a machadadas o romance “O Alienista”, obra de Machado de Assis, após chegar à brilhante conclusão de que os nossos jovens não entendem os termos e, além do mais, se perdem nas longas frases. Aliás, o problema apontado pela escritora é algo bastante comum aos analfabetos funcionais construídos pela excelência de nossas escolas, que reproduzem pessoas que leem, mas não entendem o que leram.

          A atualização da obra de Machado de Assis, dentro dos padrões de nosso empobrecimento intelectual, recebeu todo o carimbo de oficialidade, com aprovação do Ministério da Cultura e amparo da famigerada Lei Rouanet. Vivemos momentos estranhos, onde impera uma predisposição de enaltecer o imprestável, exaltando o esdrúxulo, o que choca as famílias ou atinge valores morais e sociais imprescindíveis à convivência em comunidade. E tome violência!

          Do jeito que a coisa anda, acabarão extinguindo a crase, diante da dificuldade que muitas pessoas têm em aplicá-la corretamente! Ou seja, estamos a caminho de promover a união do ensino ruim com o empobrecimento cultural. Dessa forma, não me surpreendo com a ideia do Machado de Assis impresso a machadadas, numa tentativa de simplificar sua sofisticação linguística e literária. Enfim, em nossos dias o sucesso é alicerçado na coragem de deixar a sociedade em permanente perplexidade, por intermédio do endeusamento do exótico e desprovido de qualquer valor humanitário ou, minimamente, construtivo. Nessa discussão, a grande verdade é que de alienista a alienado basta o sopro da mais leve brisa do oportunismo.

          Parece que a nova ordem exige desconstrução e imediato retorno à barbárie, com cada ser humano portando um celular na mão e jogando no facebook alguma imagem do sangue jorrando pelas avenidas afora, com a tela das ferramentas da informática se transformando em parede de caverna virtual, onde cada um rabisca o seu hieróglifo do jeito e da forma que bem-entender.

           Carlos Lúcio Gontijo

         Poeta, escritor e jornalista

        www.carlosluciogontijo.jor.br


Comentários