A estratégia perdedora do presidente Trump: abraçar o Brasil e enfrentar a China (É a opinião do James Petras, professor emérito de Sociologia da Universidade de Binghamton, em Binghamton, Nova York)

                                                       
 James Petras  

Os países que Washington escolhe como aliados e como inimigos dizem muito sobre a marcha actual do imperialismo EUA: o seu projecto de dominação global só pode ser conseguido pela violência e pela agressão militar, e por uma aliança com que haja de mais reaccionário nos cinco continentes. Mas essa perigosa estratégia nem dentro dos próprios EUA é hegemónica.

Introdução

Os EUA abraçam um regime fadado ao fracasso e ameaçam a economia mais dinâmica do mundo. O presidente Trump elogiou o recém-eleito presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e promete promover estreitos laços económicos, políticos, sociais e culturais com ele. Em contraste, o regime de Trump está empenhado em desmantelar o modelo de crescimento da China, impondo sanções duras e generalizadas e promovendo a divisão e fragmentação da grande China.

A escolha de aliados e inimigos por parte de Washington baseia-se numa estreita concepção de curto prazo de vantagens e perdas estratégicas.

Neste artigo, discutiremos as razões pelas quais a relação EUA-Brasil se encaixa na busca de Washington de dominação global e por que teme Washington o dinâmico crescimento e o desafio de uma China independente e competitiva.

Brasil em busca de um patrono

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, anunciou desde o primeiro dia um programa para reverter quase um século de crescimento económico dirigido pelo estado. Anunciou a privatização de todo o sector público, incluindo as estratégicas actividades financeiras, bancárias, minerais, de infraestrutura, transporte, energia e manufactura. 

Além disso, a venda ao desbarato prioriza a centralidade das multinacionais estrangeiras. Os regimes civis e militares autoritários anteriores protegiam as empresas nacionalizadas como parte de alianças tripartidas que incluíam empresas privadas estrangeiras, estatais e domésticas.

Em contraste com os regimes civis eleitos anteriores que lutaram - nem sempre com sucesso - para aumentar as pensões, salários e padrões de vida e reconheceram a legislação laboral, o presidente Bolsonaro prometeu despedir milhares de funcionários do sector público, reduzir pensões e aumentar a idade de aposentação ao mesmo tempo que reduz salários a fim de aumentar os lucros e reduzir os custos para os capitalistas.

O presidente Bolsonaro promete reverter a reforma agrária, expulsar, prender e agredir os assentamentos camponeses, a fim de reinstalar anteriores proprietários e encorajar investidores estrangeiros a ocupar o seu lugar. A deflorestação da Amazônia e sua entrega aos barões do gado e a especuladores fundiários incluirão a apropriação de milhões de hectares de terras indígenas.

Na política externa, o novo regime brasileiro compromete-se a seguir a política dos EUA em todas as questões estratégicas: o Brasil apoia os ataques económicos de Trump à China, abraça a apropriação israelense de terras no Médio Oriente, (incluindo deslocar a capital para Jerusalém), os planos dos EUA para boicotar e políticas para derrubar os governos de Cuba, Venezuela e Nicarágua. Pela primeira vez, o Brasil ofereceu bases militares ao Pentágono, e forças militares para todas e quaisquer invasões ou guerras que se avizinhem.

O festejo dos Estados Unidos pela entrega gratuita de recursos e riquezas pelo Presidente Bolsonaro e pela sua rendição da soberania é celebrado nas páginas do Financial Times, Washington Post e o New York Times, que prevêem um período de crescimento, investimento e recuperação - se o regime tiver a “coragem” de impor a sua venda ao desbarato.

Tal como ocorreu em numerosas experiências recentes com mudanças de regime neoliberais de direita na Argentina, México, Colômbia e Equador, jornalistas e especialistas em páginas financeiras deixaram que o seu dogma ideológico os cegasse para os eventuais trambolhões e crises.

As políticas económicas do regime Bolsonaro ignoram o facto de que elas dependem das exportações agro-minerais para a China e competem com exportações dos EUA. As elites brasileiras do agro-negócio ressentir-se-ão com a troca de parceiros comerciais. Irão opor-se, derrotar e enfraquecer a campanha anti-China de Bolsonaro, se ele ousar persistir nela.

Os investidores estrangeiros irão adquirir empresas públicas, mas não é previsível que expandam a produção, dada a redução acentuada do emprego, salários e rendimentos, à medida que se reduz o mercado de consumo.

Os bancos podem fazer empréstimos, mas exigem altas taxas de juros para altos “riscos”, especialmente porque o governo enfrentará crescente oposição social de sindicatos e movimentos sociais, e maior violência em resultado da militarização da sociedade.

Bolsonaro não tem maioria num Congresso que depende do apoio eleitoral de milhões de funcionários públicos, trabalhadores assalariados, aposentados e minorias raciais e de género. Uma aliança do Congresso será difícil sem corrupção e compromissos … O gabinete de Bolsonaro inclui vários ministros-chave que estão sob investigação por fraude e lavagem de dinheiro. A sua retórica anticorrupção evaporar-se-á perante investigações e denúncias judiciais.

É improvável que o Brasil forneça forças militares significativas para as aventuras militares regionais ou internacionais dos EUA. Os acordos militares com os EUA terão pouco peso face a uma profunda turbulência interna.

As políticas neoliberais de Bolsonaro aprofundarão as desigualdades, especialmente entre os cinquenta milhões que recentemente saíram da pobreza. O envolvimento do Brasil pelos EUA enriquecerá Wall Street, que pegará no dinheiro e irá embora, deixando os EUA perante a ira e a rejeição do seu aliado falido.

Os EUA enfrentam a China

Ao contrário do Brasil, a China não está disposta a submeter-se à pilhagem económica e a renunciar à sua soberania. A China está a seguir sua própria estratégia de longo prazo, que se concentra no desenvolvimento dos sectores mais avançados da economia - incluindo electrónica de ponta e tecnologia de comunicação.

Os investigadores chineses produzem já mais patentes e artigos científicos de referência do que os EUA. Formam mais engenheiros, investigadores avançados e cientistas inovadores do que os EUA, com base em altos níveis de financiamento estatal. A China, com uma taxa de investimento de mais de 44% em 2017, ultrapassa de longe os EUA. A China avançou de exportações de baixo a alto valor acrescentado, incluindo carros eléctricos a preços competitivos. Por exemplo, os iPhones chineses estão a superar a Apple tanto em preço como em qualidade.

A China abriu a sua economia a corporações multinacionais dos Estados Unidos em troca de acesso a tecnologia avançada, aquilo a que Washington chama apreensões “forçadas”.

A China promoveu acordos multilaterais de comércio e investimento que incluem mais de sessenta países, em acordos de infraestrutura de longo prazo e de larga escala em toda a Ásia e África.

Em vez de seguir o exemplo económico da China, Washington choraminga de comércio injusto, de roubo tecnológico, de restrições de mercado e de restrições do Estado a investimentos privados.

A China oferece oportunidades de longo prazo para Washington melhorar o seu desempenho econômico e social - se Washington reconhecesse que a competição chinesa é um incentivo positivo. Em vez de investimentos públicos em larga escala na modernização e promoção do sector das exportações, Washington voltou-se para ameaças militares, sanções económicas e tarifas que protegem sectores industriais atrasados dos EUA. Em vez de negociar mercados com uma China independente, Washington abraça regimes vassalos como o do recém-eleito presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que se apoia no controlo económico e nas aquisições dos EUA.

Os EUA têm um caminho fácil para dominar o Brasil em ganhos de curto prazo - lucros, mercados e recursos, mas o modelo brasileiro não é viável nem sustentável. Em contraste, os EUA precisam negociar, regatear e concluir acordos competitivos recíprocos com a China. O resultado final da cooperação com a China permitiria que os EUA aprendessem e crescessem de forma sustentável.

Conclusão

Por que escolheram os EUA o caminho de abraçar um Brasil voltado para o passado em vez de uma futura nação-líder?

Basicamente, os EUA estão estruturalmente envolvidos num sistema político altamente militarizado, impulsionado pela busca da dominação mundial - o “imperialismo”. Os EUA não querem competir com uma China inovadora, procuram coagir a China a desmantelar as instituições, as políticas e as prioridades que tornam a China grande.

Washington exige que a China renuncie à autonomia relativa do Estado, aumente a penetração dos EUA em sectores estratégicos e se sustente em banqueiros e académicos do mercado livre. A política económica dos EUA é moldada por banqueiros, especuladores corruptos e lobistas por interesses regionais especiais, incluindo regimes como Israel. A política económica da China é moldada por interesses industriais, guiada pelos objectivos estratégicos da autoridade central do estado, capaz e disposta a prender centenas de altos funcionários se for caso disso.

Os EUA não podem conter a trajectória ascendente da China com cerco militar - porque a estratégia económica de Pequim neutraliza as bases militares dos EUA e derrota as restrições tarifárias através da diversificação de novos acordos comerciais de grande escala. Por exemplo, a China está a negociar com a Índia para aumentar consideravelmente as importações de commodities agrícolas, incluindo arroz, açúcar, leite, farelo de soja e algodão. A Índia tem actualmente um grande déficit comercial com a China, especialmente em maquinaria e produtos industriais, e está ansiosa para substituir os exportadores dos EUA. A China tem acordos importantes de comércio e investimento em todo o Sudeste Asiático, Coreia do Sul, Japão, Paquistão, Rússia e Austrália, além de África, América Latina (Brasil e Argentina) e Médio Oriente (Irão, Iraque e Israel).

Os EUA têm poucos meios para “apertar” a China, mesmo em sectores de alta tecnologia, já que a China está menos dependente do know-how dos EUA. Washington conseguiu acordos com a China, aumentando a exportação de carros e de entretenimento; a China pode facilmente acordar em reduzir o chamado “roubo de propriedade”, uma vez que ele deixou de ser um factor importante, já que a maioria das inovações da China é criada internamente. Além disso, os grandes negócios e Wall Street reclamam que o regime de Trump alcance um acordo de mercados abertos com a China e ignore os autárquicos inimigos dessa via.

Dada a sustentada vivacidade da economia da China (+ 6,5% do PIB em 2018), a sua crescente ênfase na expansão dos serviços sociais, do mercado consumidor e na facilitação do crédito, as políticas tarifárias coercivas de Trump estão condenadas e as ameaças militares apenas incentivarão a China a expandir e melhorar a sua defesa militar e os seus superiores programas espaciais.

Quaisquer que sejam os acordos comerciais temporários e limitados que surjam das negociações EUA-China, o regime de Trump continuará a seguir a sua agenda imperial unipolar de abraçar regimes vassalos, como o Brasil, e de confrontar a China.

O futuro pertence à China independente, inovadora e competitiva, não a regimes vassalos, militarizados e submissos como o Brasil.

Fonte:
http://www.unz.com/jpetras/p

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