Mineradoras: o lucro a qualquer preço


                                                                                 


Caio de Freitas Paes, Tatiana Dias (The Intercept Brasil)     

Ainda não está feito o balanço final das perdas humanas resultantes da ruptura da barragem de Brumadinho, no Estado brasileiro de Minas Gerais. A escala da tragédia, humana e ambiental, é muito grande. E as responsabilidades não são difíceis de atribuir, desde a empresa mineira (a Vale SA, com um vasto currículo no que diz respeito a desastres) aos poderes estaduais e federais que moldam as exigências de licenciamento aos interesses de quem explora o minério e agride o meio ambiente com a mesma barbaridade com que explora os trabalhadores.

No final do ano passado, em uma reunião no centro de Belo Horizonte, conselheiros, advogados e representantes da sociedade civil e empresas de mineração decidiam o futuro da exploração de ferro na região. Eles discutiram o pedido da Vale S.A. de ampliar a capacidade da Mina Córrego do Feijão, que explora ferro em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. 

Ambientalistas viram problemas na expansão. Alguns conselheiros e a mineradora insistiram na liberação. Mesmo controverso, o pedido da Vale – que aumentaria a capacidade da mina em 88% – foi aceite em dezembro do ano passado.

Interessada em expandir seus negócios na região, a Vale sequer cuidou do que já funcionava. Hoje, pouco mais de um mês depois, uma das barragens de rejeitos daquela mina, desativada desde 2015, se rompeu. Há pelo menos três mortos, 200 desaparecidos e um impacto ambiental ainda incalculável – que pode chegar até o Rio São Francisco. Há quem diga que o desastre é ainda pior do que foi o da Samarco em Mariana.

Mais uma vez, não foi por falta de aviso. A presença da Vale na região estava na mira de entidades de proteção ambiental e dos moradores da região que, em dezembro do ano passado, protestaram contra a expansão da mineração. E o governo do petista Fernando Pimentel em Minas Gerais sabia bem que o processo de licenciamento daquela mina era problemático. 

Ainda no final do ano passado, o secretário de Meio Ambiente, Germano Luiz Gomes Vieira, recebeu uma carta do Fórum Nacional da Sociedade Civil na Gestão de Bacias Hidrográficas, o Fonasc, pedindo que o processo de licenciamento fosse suspenso. A entidade estava em uma disputa dentro do Copam, o Conselho de Políticas Ambientais de Minas Gerais, responsável pela licença, tentando impedir que o processo da mineradora avançasse.

A entidade constatou uma série de inconsistências no processo de licenciamento. Para começar, ele sequer seguiu os ritos tradicionais: em vez de ter as licenças prévia, de instalação e de operação, no chamado modelo trifásico, a Vale conseguiu cortar caminho por meio da chamada licença LAC1. Isso aconteceu graças a uma mãozinha do governo mineiro, que aprovou uma deliberação que garante que empreendimentos de mineração de grande porte, antes classe 6, fossem enquadrados como classe 4, que tem um procedimento mais simples.

O Fonasc classificou o pedido de expansão – que aumentaria em 88% a capacidade de extração, inicialmente prevista para seguir até 2032 – dentro da “classe 4″ como uma “insanidade”. É a mesma classe em que está, por exemplo, a problemática mineração da Anglo American, também em Minas Gerais. “É gravíssimo porque, na realidade, são de grande porte e grande potencial devastador”, disse Maria Teresa Corujo, conselheira ambiental, durante a reunião que decidiu pela liberação do projeto.

Em uma carta enviada no dia 30 de novembro de 2018, o Fonasc, do qual Corujo faz parte, pediu a Breno Esteves Lasmar, presidente da Câmara de Atividades Minerárias, a retirada da pauta do pedido de licenciamento da Vale. Além da “insanidade” de ter o seu impacto minimizado, o pedido da mineradora tinha problemas técnicos – não havia apresentado a correta delimitação da área, por exemplo.

Os pareceres também minimizaram os impactos ambientais ao dizer que o empreendimento ficaria em uma área já alterada pelo homem. Ignoraram, porém, que a expansão atingiria o Parque Estadual da Serra do Rola Moça, terceiro maior do país em regiões urbanas. Ao atingir o parque, coloca em risco as mananciais que a unidade de conservação protege – cursos d’água como Taboão, Rola Moça, Barreirinho, Barreiro, Mutuca e Catarina; todos servem ao abastecimento da população da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Secretaria do Meio Ambiente classificou as reclamações como ‘questões meramente procedimentais’.

Yuri Rafael de Oliveira Trovão, presidente suplente da Câmara de Atividades Minerárias, no entanto, decidiu seguir com o processo. A entidade, então, subiu um degrau e escreveu ao secretário de estado de Meio Ambiente de Minas Gerais, Germano Luiz Gomes Vieira, alegando “necessidade imediata do controle de legalidade da decisão” de Trovão.

O parecer da secretaria de Meio Ambiente mineira foi lido na reunião da Câmara de Atividades Minerárias. Para Germano, os problemas apontados pelo Fonasc eram irrisórios, “questões meramente procedimentais”, e a mudança do tipo de licença requisitada pela Vale tinha sido devidamente anunciada à sociedade por publicação no Diário Oficial do Estado. Dizia ainda que não haveria “qualquer prejuízo ambiental” se o procedimento seguisse os ritos e fosse discutido durante o encontro.

Ali, dia 11 de dezembro, cinco representantes de órgãos do Governo do Estado de Minas Gerais, três de entidades ligadas ao setor produtivo mineiro e o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (Crea-MG) votaram a favor do licenciamento, enquanto apenas o Fonasc votou contra. Um mês depois, a barragem da Vale em Brumadinho se rompeu.

Segundo a secretaria estadual do Meio Ambiente, “o empreendimento, e também a barragem, estão devidamente licenciados”. O governo diz que a barragem “não recebia rejeitos desde 2015 e tinha estabilidade garantida pelo auditor, conforme laudo elaborado em agosto de 2018″.

Comunidades reclamam há mais de uma década

Durante a reunião que concedeu a licença à Vale, moradores de Casa Branca contaram os problemas que enfrentam, como a crônica falta de água que assola a comunidade.

Alguém vive aqui sem água? Nós estamos vivendo uma crise hídrica já, à beira de um colapso hídrico. Na hora que faltar água, nós vamos nos lembrar do dia de hoje, de tudo que está sendo falado aqui e do que possivelmente vai ser votado aqui hoje. quem está falando que não vai faltar água? A empresa responsável por Bento Rodrigues, a empresa responsável por Mariana, a empresa responsável pelo rio Doce. Vocês se esqueceram disso?”, disse Ka Ribas, uma das representantes da comunidade.

Em dezembro do ano passado, eles chegaram a fazer uma manifestação contra a concessão de novas licenças de mineração na região.

Moradores da região reclamam há mais de 10 anos sobre desmatamento ilegal e a má qualidade da água contaminada pela mineração – a comunidade registra um alto número de problemas dentários por conta no minério de ferro na água.

O minério de ferro é extraído do local desde os anos 1950, e a Vale S.A. opera a mina desde 2003. Foi em 2015 que entrou com o pedido para ampliar a capacidade das minas Córrego do Feijão e Jangada, respectivamente nas cidades de Brumadinho e Sarzedo. Como é praxe nesse tipo de licenciamento, são necessários estudos de impacto e a análise de ambientalistas e pesquisadores para calcular a viabilidade de um empreendimento – e seus respectivos custos ambientais e sociais. Muitos desses estudos são problemáticos.

E vale lembrar: as mineradoras estão entre as principais interessadas em afrouxar as regras de licenciamento ambiental, que está em discussão na Câmara. E o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já mostrou que é da turma que defende a “agilidade” no processo de licenciamento.

Fonte: https://pcb.org.br/portal2/22098/mineradoras-o-lucro-a-qualquer-preco/

(Com Odiario.info)

Comentários