MABOUB, O CAVALEIRO DE DAMUR




Carlos Lúcio Gontijo




"Experimentou os prazeres proporcionados pela riqueza por intermédio da negociação de café exercida por seu pai; depois sofreu as dores da derrocada com a chegada de crise econômica que fez sucumbirem as finanças do pai"


A imensa maioria das pessoas costuma nos cobrar pedágio para que delas nos aproximemos. Precisamos nos derreter em mesuras para lhes chamar a atenção e, assim, iniciar os primeiros passos na construção de uma amizade. Todavia, com o afável e honesto Elias Maboub, não era assim. Eu o conheci na década de 70, trabalhando em departamento de revisão de jornal, num tempo em que veículo de comunicação impressa se interessava pela propagação de uma língua portuguesa/brasileira correta, auxiliando na formação da cultura linguística de seus leitores.
Elias Maboub logo me chamou atenção por seu inegável e profundo conhecimento de gramática. Libanês nascido em Damur (a 9 de fevereiro de 1924), uma cidade litorânea que não existe mais, destruída que foi por sírios e judeus que ali, em território alheio, tentavam resolver, por meio da luta armada, suas idiossincrasias movidas pelas incompreensões e desentendimentos mundanos.
Maboub veio para o Brasil com dois anos de idade seguindo seus pais e se transformou no mais autêntico e legítimo brasileiro que poderíamos (e podemos) imaginar. Experimentou os prazeres proporcionados pela riqueza por intermédio da negociação de café exercida por seu pai; depois sofreu as dores da derrocada com a chegada de crise econômica que fez sucumbirem as
finanças do pai, que pouco falava português e mal anotava os vários negócios feitos “no fiado”, sob a confiança de que receberia os créditos. Entretanto veio a débâcle, com ela o sumiço dos devedores.
O amigo Elias Maboub era detentor de extrema vocação médica, o que o levou a fazer vestibular e frequentar o curso de medicina durante dois anos, até que um dia o governo brasileiro, em acesso de arroubo nacionalista, decidiu pela expulsão de todos os alunos considerados estrangeiros das universidades, o que tanto interrompeu quanto pôs fim a seu sonho, levando-o – talvez para manter proximidade com a área médica – a trabalhar como vendedor de remédios para inúmeros laboratórios.
Pois bem, pouco tempo depois de conhecer Elias – pai extremoso e esposo exemplar – , ao qual aprendi a chamar carinhosamente de “Tio Elias”, deu-se a criação do IV Turno de Revisão no jornal Diário da Tarde, que nos deu a oportunidade de formar, não apenas um quadro de jornalistas profissionais de revisão, mas, sobretudo, uma família. Eu comandava a turma, e Elias sempre me substituía durante as minhas férias anuais. Pelo menos uma vez por semana, terminada nossa jornada de trabalho, saíamos madrugada adentro, de bar em bar: era um companheiro no violão e voz, outro no batuque e todos na cantoria regada a cerveja, conhaque, uma boa pinga, torresmo, vaca atolada, e caldo de mocotó (aos quais Elias acrescentava pimenta aos montes) – tudo banhado e embebido na luz de um mar sem fim de amizade, respeito mútuo e camaradagem.
O tempo passou. De repente, fecharam o nosso IV Turno, revisão passou a ser coisa desnecessária e supérflua, cada um de nós foi remanejado para determinado canto. E Tio Elias terminou seus mais de 50 anos de jornalista profissional de revisão como uma espécie de controlador de qualidade, lendo o jornal depois de pronto, com o objetivo de apontar erros graves, função que, apesar de todo o seu esforço, não era levada a sério, pois os erros eram repetidos numa corrente interminável.
Então chegou o dia em que Elias Maboub, depois de tantos anos de trabalho, resolveu encerrar sua labuta profissional. Dia 15 de julho, a data. Assistindo à angústia do amigo, tomei a iniciativa de lhe comprar uma caneta, mandar gravar a data e escrevi, emocionado, um cartão carinhoso. Elias me abraçou aos prantos, enquanto eu tentava consolá-lo sob a sombra da inequívoca frieza empresarial, que transforma o trabalhador em simples número.
O cavaleiro de Damur, Elias Maboub (nome que registrei em um personagem de meu romance “Lógica das Borboletas”), cavalga agora, desde 27 de março último, nas planícies do Senhor. Sinto e sempre sentirei a sua ausência física, mas perceberei sua presença espiritual em minhas noites de autógrafo às quais ele sempre prestigiava; lerei mental e invisivelmente o cartão de Natal que ele me enviava todo ano; ouvirei seu telefonema por meu aniversário. Em resumo, restou-me, como ato final, transferir o número de seu telefone para as páginas da agenda do meu coração, pois virá o tempo em que também serei peixe na rede celestial, e eu lhe ligarei: “Tielias”, estou chegando! (Elias Maboub (Acervo do autor do artigo)

http://www.carlosluciogontijo.jor.br/

Comentários

Falar do Tio Elias fica difícil, pois todos sabem que ele era meu"contra-contra-contra-contra-parentes), visto que era casado com a irmã de minha cunhada, Maria Helena, esposa do mano Nélson. Daí esse tanto de "contra", apesar de eu ser muito em favor do nosso querido e saudoso amigo. Carlos Lúcio Gontijo, o poeta, escritor, ensaísta, comulista, contista, romancista e, por fim, jornalista, resumiu muito bem o perfil de nosso dileto amigo. aproveito apenas o ensejo de prestar uma simples homenagem ao saudoso amigo Tio Elias, que, por ironia de seu próprio destino, era mentor de todos nós, revisores, e voto de minerva nas discussões sobre nosso complicado Português/Brasileiro, que agora teimam em simplificar de forma danosa, cavando assim um fosso no qual, muito em breve, deverá ser sepultado. Não o amigo Elias, mas nassa Língua Pátria. Que o Grande Arquiteto do Universo acolha, com todo carinho e estima, o saudos amigo Elias Maboub.

Neuber Soares, ex-colega de Revisão e esforçado aprendiz
Rosana disse…
Acabo de chegar no trabalho. Abro os e-mails e o nome MABOUB ressaltou na tela do meu computador. Era um e-mail enviado pelo nosso colega Carlos Gontijo onde continha o endereço do seu blog. Logo senti um aperto no coração.
Acessei e pude ler o artigo que o Gontijo escreveu sobre o Sr. Elias e dessa forma fiquei sabendo que ele havia nos deixado . Convivemos por bons anos na redação do Diário da Tarde e estou muito triste com a notícia.
O artigo do Gontijo é muito comovente e me fez conhecer um pouco mais o distinto, sério, repeitoso, o amigo e cavaLHeiro Maboub.
Que ele fique em paz e perdoe os erros gramaticais que eu possa ter cometido nessa mensagem.

Rosana Seixas S.Martins
Liliane Frade Ferreira disse…
Quando enfim, chegar o momento em que viverei somente de minhas lembranças, o Sr Elias, será, com certeza, uma DOCE LEMBRANÇA!!!! Quanta saudade sinto dele .... bons tempos aqueles!!! Saudade das longas e divertidas partidas de truco, no Sítio em Lagoa Santa, das pescarias, dos "causos" demorados e quase sempre repetitivos, sobre o trabalho de revisão no Jornal, a infância, a criação dos filhos, o convívio com a esposa.... tão querida esposa!!!! Acho que não tive a oportunidade de dizer como o admirava, como profissional, pai, marido e principalmente, como ser humano!!!! Quanta generosidade, amor, entrega e doação pude perceber em seu atos, durante o tempo que convivemos. Infelizmente, quis a vida, o destino, quem sabe Deus, traçar caminhos diferentes para cada um de nós e mais ainda, quis a vida que ele retornasse, tão precocemente, a Casa do Pai! Não tive tempo nem mesmo para me despedir, me desculpar, quem sabe! Por isso, resolvi deixar aqui o registro de todo respeito, carinho, afeto e ternura, que sempre nutri por ele, um sentimento sincero, de uma quase filha... Tenho certeza, que ele está vivendo com Deus, e do céu, olha e roga por todos nós!!!

Liliane Frade Ferreira.
Formiga, 07 de setembro de 2.011
Jandyra Maboub e família disse…
Agradecemos às palavras de vocês, em especial a última mensagem expressa por Liliane Frade Ferreira em reconhecimento a tudo que Elias foi e fez.São bem vindas e sábias os dizeres escritos por ela, que tanto admiramos.

Jandyra Maboub e família
Jandyra Maboub e família disse…
Retificando, onde se lê "São bem vindas e sábias os dizeres..." leiam "São bem vindos e sábios os dizeres..."