MENINO DO MUNICIPAL



José Carlos Alexandre (*)

Bem cedo, levantava para pegar o “Estado de Minas”, leitura obrigatória de meus pais aos domingos. Eu passava os olhos pelas páginas do jornal, detendo-me mais na crônica ambientada na Casa Amarela,de autoria do proprietário do jornal e, depois vim a saber, de um conglomerado de jornais, rádios e TVs: Assis Chateaubriand.
Meu pai, Manassés Alexandre, lia incansavelmente até por volta do meio-dia e meia, quando almoçávamos. Deitado, ele cochilava um pouco, enquanto esperava a hora de ouvir as transmissões do futebol.
Eu, por minha vez, munido do dinheirinho que me dava, geralmente troco da compra do jornal, dirigia-me aos Cines Ouro ou Municipal, de acordo com o cartaz do cinema e do seriado que antecedia ao filme.Passava algum aperto pois toda a platéia torcia pelos mocinhos, eu, pelos índios, pelos mexicanos, pelos mais fracos...

Como o tempo passa... De meu pai resta apenas a lembrança, as fotos de seu à época famoso jazz, o Banjo de Ouro, e uma rua com seu nome estampado numa placa azul”: Rua Maestro Manassés Alexandre, no Bairro Cascalho, em Nova Lima. Neste julho comemoraremos o centenário de nascimento de Manassés Alexandre. Com uma mega-reunião familiar, bem ao gosto do maestro.
Pobre de mim. Longe estou de transforma-me num saxofonista, num clarinetista, num arranjador sem igual e num compositor ao nível do velho...
Mas ficou-me desde cedo o gosto pela leitura. Pela crônica política e/ou dos costumes, o rigor na luta pela justiça social, na defesa dos mais humildes. Ou, como diria Fedor Dostoievsky: sempre a favor dos humilhados e ofendidos.
E o gosto pelo teatro, herdado de minha mãe, apreciadora sem igual dos espetáculos da Soarte, a Sociedade Nova-limense da Arte, quase sempre emocionada até as lágrimas com a atuação de Pedro Barbosa e outros amadores que faziam lotar o mesmo Municipal, teatro e cinema de minhas infância e adolescência. Julho marca também seu centenário de nascimento: dia 4.
Oneida Custódio, diga-se, foi uma das pioneiras do feminismo. Num tempo em que as mulheres ficavam em casa, ela tornou-se uma das primeiras empregadas da Mineração Morro Velho.Trabalhando na redução, um setor que, ao que me parece, lidava diretamente com ouro, extração que era a razão de ser da Nova Lima de então. Vamos festejar também a data, juntamente com a do centenário de meu pai.
Dos dois, herdei o gosto pelas artes. Ficou-me, sobretudo, o amor ao cinema, fato que cheguei a relatar num artigo escrito numa moderníssima máquina, à beira de uma Janela no hotel muito próximo do Teatro Chinês, em plena Calçada da Fama, bem em frente à prosaica inscrição Hollywood, em Los Angeles.
Despedia-me das máquinas de escrever, a primeira delas, manuseada precariamente numa escola de datilografia mantida por um dos mais conhecidos homens públicos de Nova Lima, Adão de Pádua. Na volta ao Brasil, depois de um mês dos Estados Unidos, assusto-me com a informatização, que ainda luto para tentar dominar...
Adulto, eis que cada vez mais me envolvo nas lutas dos trabalhadores, acompanhando as assembléias que aconteciam no mesmo Municipal de minha meninice. O municipal que abrigava os primeiros programas de auditório da Rádio Itatiaia, hoje em Belo Horizonte mas nascida em Nova Lima, pelo pioneirismo de Januário Carneiro, locutor, eletricista, carregador de aparelhagens e cronista esportivo.
Um dia alguém me confiou o microfone do Sindicato, em pleno Municipal e eu não tive como recusar. Logo no Municipal... E falei de união, de salários injustos e até em esperança de dias melhores.
E tenho passado a vida lutando em favor dos trabalhadores, dos injustiçados...
Utopia? Não, nada de Thomas Morus...
O tempo passa mas a história, ao contrário do que queria fazer crer aos incautos Fukurama, não terminou. Jamais terminará, enquanto houver pelo menos uma sombra do Municipal, enquanto houver trabalhador injustiçado; jornalista fiel ao seu passado de menino sonhador, de filho de um maestro-operário; alguém para contar a história de homens e mulheres quase lendários em Nova Lima e Raposos como William Dias Gomes, Anélio Marques Guimarães, João Avenida, José Alexandre, Sebastião de Oliveira, Alcebíades Campbell, Maria Silva e tantos outros.
Como, aliás, Manassés Alexandre, hoje quase lendário músico de Nova Lima, capaz de arranjos fantásticos, deixando boquiabertas gerações de seus conterrâneos, de bailes inesquecíveis, de verdadeiras obras de arte de marcenaria. E amante do Carnaval: foi um dos fundadores do Bloco dos Sujos, segundo atesta o historiador Jesus Drumond Baptista.É bom que se diga ser um mito a história de que os mineiros deixavam o trabalho ainda empoeirados e iam para as ruas dançar o Carnaval...Nada disso! De qualquer forma, o Bloco ainda é a principal atração do Carnaval da Grande BH.

(*) José Carlos Alexandre é jornalista profissional e membro-suplente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos e ex-candidato a deputado estadual pela legenda do Partido Comunista Brasileiro,PCB, a primeira vez que o PCB, voltando à legalidade, pôde apresentar candidatos próprios, desde sua casação ilegal em 1947. Trabalhou em vários jornais do Partido, principalmente no semanário Novos Rumos , até seu fechamento pela ditadura militar em 1º. de abril de 1964. Paralelamente trabalhou em jornais como Diário da Tarde, O Barraco (da então Federação dos Trabalhadores Favelados de Minas Gerais), Estado de Minas, Minas Gerais, Folha da Manhã, O Debate e nas Revistas Trânsito &Veículos e Afinal. Foi diretor geral do Jornal União Sindical e jornalista respons'avel por jornais de entidades sindicais de BH e do interior do Estado.Foi noticiarista da Rádio Mineira e editorialista da Rádio Guarani.

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