ESTARRECEDOR!


Foi um dia movimentadíssimo. Já pela manhã, com muito prazer e grande disposição compareci a uma reunião na sede da Associação dos Perseguidos Políticos. Foi meu segundo encontro com a turma, que tem à frente o Vicente Gonçalves, velho combatente das lutas populares em Belo Horizonte.


Da luta pela anistia, dos movimentos dos sem-teto, advogado dos pobres e dos oprimidos.Movimento-me atualmente com grande desenvoltura, embora escadas sejam minhas inimigas...


E, à propósito, não sou candidato a não ser a comparecer às urnas para votar nas eleições de outubro.

Depois compareci às duas reuniões do CONEDH, onde represento o Sindicato dos Jornalistas.


E lá, completamente plasmo, sem voz, tentando vencer uma inusitada náusea, ouço o relato de membros do Conselho que estiveram em visitas a penitenciárias do Estado.


Em missão de verificação da veracidade de denúncias de maus-tratos, de super-lotação, de torturas, de seres humanos submetidos às piores condições de subsistência, piores até às descritas com maestria no capítulo Inferno da Divina Comédia, de Dante Alighieri...

Ainda bem que estava praticamente colado ao banheiro, meu destino inevitável a se continuar o relato de prisioneiros incapazes de pegar o prato de comida, coberto de vermes, numa das situações.


Ou de este ou aquele condenado duas vezes: à privação da liberdade e à não descer de seu leito, por mera inanição, carcomido pelo fogo selvagem enfraquecido pelo HIV...


E de seres fantasmagóricos, com o corpo em chagas, produzidas por torturas e mais torturas, até com marcas de tiros, uns, com vestígios indisfarçáveis de pauladas, outros.


Céus! Não conseguimos, depois de mais de 20 anos, liquidar com a ditadura em 1985?

Será que lutamos em vão?


Que penamos em reuniões intermináveis, entrando madrugada adentro, fazendo viagens impossíveis para levar a todos uma palavra de solidariedade e de chamamento à luta pela volta da democracia?


Será que as centenas e mais centenas de "desaparecidos", morreram em vão?


E que foram inúteis as guerrilhas do Araguaia, de Caparó ? Ou da resistência camponesa de Trombas e Formoso?

E sucedem-se, na reunião do CONEDH, os relatos de mazelas só imagináveis em porões de ditaduras iguais às que tivemos neste Continente e que se multiplicaram com a Operação Condor: as simulações ee afogamento, muito próximas da realidade , à guisa de imitações de feitos especiais hollywoodianos...


Presos são jogados dentro de enormes tambores, tendo suas cabeças mergulhadas, até que suas narinas sangrem...


Lembro-me da data, 14 de julho. Vêem-me à mente imagens da revolta da burguesia e também da pesada guilhotina descendo sobre as cabeças de Robespierre, de Marat, de tantos revolucionários...


Não fossem meus colegas de CONEDH homens e mulheres das mais reputadas autoridades no conhecimento e na defesa dos direitos humanos, não representassem entidades, organizações das mais conceituadas internacionalmente, acabaria por achar que estaria tendo um enorme pesadelo, indigno de figurar até nas páginas até mesmo do livro Tortura nunca Mais, ou no realista Depoimento de um Torturado, do seu amigo jornalista e advogado Dimas Perrin...


Mas estava diante de uma incontestável realidade. Que fazer? Denunciar de imediato o fato aos tribunais internacionais, à Comissão Nacional de Justiça, à Organização das Nações Unidas, à OEA?


Serenidade. É preciso serenidade. Lidar com os fatos, como se aprende no jornalismo. Dar crédito às fontes, ouvir o contraditório...Mas agir de imediato. Mobilizando a Corregedoria, o Tribunal de Justiça, o Ministério Público, o Palácio Tiradentes.


Que fazer? A histórica pergunta de Lenin, felizmente encontra acolhida num colegiado de escol, como é reconhecido o do CONEDH. As providências estão sendo tomadas.


Enquanto não o forem, reservo-me o direito de não dar nomes dos envolvidos, diretores, seguranças, agentes especiais, estabelecimentos correcionais.


Embora me custe caro não poder agir de imediato para preservar a vida e a integridade física de seres humanos, que possam ter cometido erros, mas que que nem por isso deixam de fazer parte deste universo, infelizmente cada vez mais violento em que um dia haveremos de melhorar...

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