A RENDA DO BRASILEIRO

              
Silvio Caccia Bava (*)
O IBGE acaba de divulgar os primeiros resultados do Censo 2010. E os dados sobre a renda dos brasileiros contrastam com a imagem, difundida com sucesso, de que o Brasil está se tornando um país desenvolvido, que está erradicando a pobreza.

Ainda que nos últimos anos tenha havido uma melhora em quase todos os indicadores sociais, a questão é o piso de onde partimos e as políticas públicas praticadas. Um piso muito baixo, fruto de um arrocho de muito anos, e políticas públicas que não enfrentam com o devido rigor o núcleo gerador da pobreza: a produção da desigualdade.

Os dados do Censo que identificam o rendimento domiciliar per capita, divulgados no mês de novembro, mostram um cenário de pobreza que não está sendo debatido no espaço público: 25% da população têm uma renda mensal de até R$ 188. Cinquenta por cento da população têm uma renda mensal que não ultrapassa R$ 375.

Traduzindo numa renda diária, os primeiros têm R$ 6,27, e os segundos, R$ 12,50. E estamos falando de metade da população brasileira.

Essas informações nos levam a perguntar acerca do impacto efetivo das políticas de combate à pobreza. E nos obrigam a estender nosso olhar para buscar séries históricas, em que possamos comparar as condições do passado com as atuais.

Um dos elementos importantes é o piso estabelecido pelo salário mínimo. Ainda que de 2002 a 2010 o salário mínimo tenha crescido, em termos reais, 54,25%, o atual salário mínimo de R$ 545 ainda é menor que o de 1985, que a preços de hoje corresponderia a R$ 567,35, de acordo com o Dieese.

Essa entidade identifica ainda que, para atender aos requisitos da lei do salário mínimo, este deveria estar em R$ 2.194,76 em janeiro deste ano. Na Argentina, o salário mínimo hoje é de R$ 765,81.

Também cresce a participação da renda dos salários no total da renda nacional. Mas se em 2010 ela foi de 43,6% e melhorou em relação a 2005, quando era de 40,1%, não podemos esquecer que em 1980 ela era de 50% e, em 1959, de 55,5%.

Mas se o Brasil hoje é a sétima economia do mundo, caminhando para ocupar posições ainda melhores no futuro próximo, a pobreza de grande parte de sua população só se explica pela desigualdade na apropriação da riqueza e da renda, por políticas públicas de concentração da renda e da riqueza.

Os 10% mais ricos detêm 75% da renda e da riqueza nacionais. E dentro desse segmento estão 5 mil famílias extensas que possuem 45% da renda e da riqueza nacionais.

A desigualdade também se reduz, lentamente, como o coeficiente de Gini nos mostra, mas não altera a posição do Brasil como um campeão da desigualdade. Em 2002, ele era de 0,587; em 2010, é de 0,526, ocupando a 84ª posição em um conjunto de 187 países.

Talvez a política pública mais importante para a produção da desigualdade seja a definida pelo Comitê de Política Monetária, o Copom. É ele que define a taxa de juros a ser paga para remunerar os tomadores da dívida pública. Entre os principais tomadores estão os bancos privados e os fundos de pensão.

Desde o final da década de 1990 o Brasil vem transferindo anualmente de 5% a 8% do PIB para os ricos, por meio principalmente dos juros, amortizações e refinanciamentos da dívida pública interna.

Quem compra títulos do governo brasileiro tem o maior rendimento do mundo! Quarenta e cinco por cento do orçamento geral da União, algo como R$ 635 bilhões em 2010, remuneram esse investimento. Isso sem falar nos R$ 116,1 bilhões de isenções tributárias/redução de impostos para os ricos e suas empresas. Para ter uma comparação, R$ 7,5 bilhões foram destinados em 2011 para o saneamento básico, num país onde 45% dos municípios não coletam esgoto.

(*) Silvio Caccia  Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.

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