Festa do cinema é montada para a TV



                                                                          
Alberto Dines em 26/02/2013 na edição 735
      
Por que Emannuelle Riva não ficou com o galardão de melhor atriz – por que é francesa e completou 86 anos? Como explicar a vitória de Argo, um filme de ação apenas razoável, sobre Lincoln, um monumento ao Quixote de cartola norte-americano?

A 85ª edição do Oscar poderá gerar um grande rebuliço na mídia ou dar em nada. Evidenciou que a maior celebração do cinema mundial é pensada e realizada para atender a um negócio paralelo – a televisão. O espetáculo não é para ser assistido na telona e sim nas telinhas de 225 países que, nos anos seguintes, reproduzirão ad infinitum, em diferentes formatos, os filmes premiados.

Antes mesmo das indicações da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, o faturamento das bilheterias já cobriu os custos de produção. A nomeação em 10 de janeiro dá um brutal empurrão no faturamento que se alonga até o final de fevereiro. Os 5.856 votantes da Academia estão de olho no subproduto que na verdade é a galinha de ovos de ouro da indústria.

O desenvolvimento do show do Oscar, as intervenções dos apresentadores no Dolby Theater, tudo é rigorosamente roteirizado, milimetrado e distribuído previamente aos tradutores espalhados pelo mundo de modo a evitar perigosas desinformações. Aos âncoras da rede mundial de emissoras afiliadas não cabe fazer grandes questionamentos, os organizadores não lhes dão tempo para digressões incômodas. A eles cabe pouco, mesmo assim a dupla platinada conseguiu cometer seus deslizes. A informalidade – viva ela! – corrige tudo.

Ao gosto do freguês

A contradição básica entre a qualidade dos filmes concorrentes e a sua destinação final para a TV explica grande parte das surpresas e frustrações com os resultados. A Academia e os sindicatos profissionais a ela ligados detestam supercampeões, não querem outros Titanic com 14 indicações e 11 Oscars. A despolarização rende mais para a indústria.

A boboca Jennifer Lawrence, Oscar de melhor atriz, é uma aposta no futuro. Seu nome em qualquer elenco, de qualquer filme, movimentará as bilheterias nas próximas décadas – isso explica porque os sábios descartaram Emannuelle Riva.

O “empreendedor” Quentin Tarantino (vencedor pelo roteiro original de Django Livre), faturador da violência, assumiu o rendoso papel de antiestablishment. Não ameaça o sistema – perigoso é Tony Kuschner, dramaturgo premiado, roteirista idem, intelectual refinado, humanista que não joga para a galera. Cometeu dois pequenos deslizes históricos, mas não perdeu por isso: o seu Lincoln incorporou-se à monumental coleção de monumentos dedicados a Abraham Lincoln, não precisa subir mais.

Quanto mais filmes premiados, mais filmes serão exibidos na TV; quanto mais glamourizados e inofensivos, mais se agrada o público televisivo que procura apenas o entretenimento. Mas quem vai ao cinema hoje busca atributos que a mídia tradicional, incluindo a TV, não consegue oferecer.

Cultura, perenidade

O episódio narrado pelo admirável docudrama chileno No (sobre o plebiscito que derrubou Pinochet – ver “As lições do filme ‘No’”) jamais foi contado com tanto impacto. As revelações e histórias dos dois documentários israelenses, Gatekeepers e 5 Broken Cameras (este dirigido por um cineasta palestino), só poderiam ser narrados através do cinema, mas paradoxalmente não poderiam ser premiados numa festança feérica destinada a alimentar a TV, indústria da sala de estar, das ilusões, siestas, cochilos.

A Sétima Arte representa para a TV o que o jornalismo impresso representa para a mídia digital – é a sua relação com a realidade, sua dimensão cultural, sua perenidade. A eletrônica é imbatível nos efeitos especiais.(Com o Observatório da Imprensa)

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