Cyro Siqueira, ex-editor-geral do "Estado de Minas", morre aos 84 anos

                                                                     
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otemNa manhã de sábado (29/03), morreu Cyro Siqueira, jornalista, integrante do conselho editorial do Estado de Minas e ex-editor-geral do jornal. Aos 84 anos, o também crítico e historiador de cinema lutava contra um câncer no pulmão e na garganta. 

Apaixonado pela escrita e pela sétima arte, em 1950 Cyro Siqueira trocou os estudos da área médica para se dedicar exclusivamente ao trabalho como jornalista e crítico de cinema. Com o coração na ponta dos dedos, escrevia avesso às técnicas de sistema, movido por emoção e intuição. 

Não perdia a oportunidade de falar do amor à mulher, a jornalista Anna Marina Siqueira. Basta uma tarde debruçado sobre reportagens e críticas assinadas por ele para saber tratar-se ali de olhar e estilo diferenciado. Qualidades que o levaram, além de comandar a redação do EM por 20 anos, a participar ativamente da criação do Centro de Estudos Cinematográficos (CEC) de Minas Gerais.

Em abril de 1954, o artigo “A revisão do método crítico”, publicado no primeiro número da Revista de Cinema, foi determinante na história da crítica brasileira e teve grande influência na produção cinematográfica no Brasil. Na ocasião, entre várias provocações, Cyro escreveu: “E a arte cinematográfica? Esta nada tem a ver com o específico. A arte do filme não existe na imagem, não existe na montagem, na câmera; a arte do filme existe antes de tudo isso. Ela está no roteiro, no enredo, que se ocupa de uma história artística, isto é, real”.

Cyro se manteve fiel às suas duas grandes paixões profissionais. Na medida do possível, manteve próximos jornalismo e cinema. Em viagem para série de reportagens sobre a Europa, em 1956, registrou passagem por Moscou: “A seguir, num requintado salão de projeções, com as estátuas de Stalin e Lenin a emoldurar a tela, foram exibidos dois filmes. O primeiro, um documentário, provara, mais uma vez, a sabedoria com que os soviéticos vêm empregando as cores no cinema. O segundo era um desenho animado benfeito do ponto de vista técnico e com a lição moral que costuma dar a nota de presença nas coisas russas”.

Na terça-feira, 9 de agosto de 1966, o EM passou a circular com um caderno inteiro dedicado à cultura e variedades. À frente do 3ª Seção, que trouxe Carlos Drummond de Andrade à primeira página, Cyro Siqueira. Titular da coluna de cinema, o crítico não poupou O dólar furado, do italiano Giorgio Ferroni, sucesso retumbante nas salas de todo o país. “Então é assim que esses italianos tratam um dos mais dignos gêneros cinematográficos, o faroeste? Na base do tiro na barriga e pontapé na cara?”.

Pesar O governador Antonio Anastasia divulgou nota de pesar pela morte do jornalista. "É com muito pesar e consternação que lamento, em nome de todos os mineiros, a morte do jornalista Cyro Siqueira, um dos grandes e mais influentes nomes da imprensa de nosso estado, tendo-se distinguido principalmente na área cultural", diz trecho da nota.

"Sua atuação como repórter, crítico, historiador e também à frente do BDMG Cultural, bem como seu empenho em apoiar e idealizar ferramentas de estímulo à cultura, como o Centro de Estudos Cinematográficos e a Revista de Cinema, revelam a inspiradora história de um homem envolvido com a democratização e a preservação dos bens culturais de Minas e do país. Reverenciamos a memória deste grande mineiro pelas marcas de seu trabalho, que certamente permanecerão", conclui o texto.

Por meio de nota, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) também lamentou a morte do jornalista. "Minas Gerais perde um de seus grandes intelectuais. Cyro Siqueira será sempre lembrado por sua cultura e inteligência, reconhecidas por todos que acompanhavam seus artigos e críticas. Seu amor pelo cinema só rivalizava com o que sentia pelo jornalismo, ao qual dedicou toda sua vida. Seu nome está, para sempre, inscrito na cultura mineira", diz trecho do texto.

Na coleção de encadernações de meio século nos arquivos do EM, um exemplar enorme e amarelo rouba a cena. Nele, página inteira de 15 de setembro de 1971. Capa de dia de clássico nacional entre Atlético Mineiro e Botafogo. São 100 linhas, pelo menos, de registro do empate em 1 a 1. Da primeira à última palavra em cinco colunas largas, o show de bola é o texto leve de frases curtas, humor e emoção. Nada esquematizado ou cheio de amarras. Cyro escrevia como quem sabia fazer filme do instante. Fez das páginas sua moviola. 

Cyro e os filmes

Trechos de textos do jornalista sobre alguns clássicos da sétima arte

O poderoso chefão

“A armação dramática do filme é tão bem construída que a grande crise interna que termina dividindo o mundo da máfia de Nova York se baseia em um dado importante que, de certa forma, define, de maneira positiva, o bom comportamento da família liderada pelo poderoso chefão Marlon Brando. Chamado a participar de uma grande composição para a introdução dos narcóticos nas atividades da máfia, ele se recusa peremptoriamente.”

O grande ditador 

“O grande ditador é, talvez, a maior sátira política feita pelo cinema. Não porque satirize Adolph Hitler e a sua loucura, mas exatamente porque, ao satirizar Hitler, está acima do ditador alemão, existe antes dele. Em uma das suas melhores páginas, o crítico francês André Bazin mostra como Hynkel (o personagem protagonista) representa, de certa maneira, a catarse de Hitler – mas mostra também como Hynkel existe sem Hitler, porque Hitler não existiria, com seu bigodinho triangular sem Carlitos, que, por sua vez, precede-o historicamente de pelo menos 20 anos.” 

Cantando na chuva 

“Mais de cinquenta anos depois de realizado, o filme Cantando na chuva (Singin’ in the rain), dirigido por Stanley Donen e Gene Kelly, continua a ser um dos melhores musicais realizados por Hollywood. Do ponto de vista plástico, ainda acho que é Sinfonia de Paris, de Vincente Minnelli, que atinge um dos raros instantes nos quais o cinema norte-americano conseguiu criar uma Paris que mais se aproxima da realidade. O segredo da superioridade, digamos, histórica de Cantando na chuva sobre Sinfonia é que ele foi o primeiro filme que abriu uma discussão sobre o cinema falado e o destino da arte cinematográfica.” (Com o Portal Imprensa/EM)

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