Quando o golpe é diário ninguém é idiota

                                                                           
                   
Marcelo Castañeda (*) 
Muito ainda se fala sobre o golpe. Discute-se se foi golpe ou se não foi golpe, apenas mero jogo político. Para mim, vou repetir: foi golpe, do PMDB sobre o PT. Não vou me alongar pois trata-se de uma discussão cada vez mais estéril mediante a derrocada do principal partido político que se diz golpeado, o que ficou evidente na disputa em forma de simulacro para preencher de forma tampão a presidência da Câmara, na qual se jogou nos braços do PMDB “golpista”, mas também no baixo engajamento de Lula em prol de Dilma até aqui.

Como disse Tarso Genro, na tarde de quarta (13/07), no Twitter: Se a bancada federal do PT apoiar a candidatura do PMDB à presidência da Câmara, a diferenciação entre oposição e governo se dissolve”. A constatação do petista traz ainda uma pretensão perniciosa: de que sem o PT não se tem oposição institucional ao governo Temer, o que é reforçado por muitas posturas do PSOL, que considero o único partido de esquerda com representação no Congresso, ao estar ao lado do PT em grande parte dos momentos, em especial os mais delicados desse partido, como no #NãoVaiTerGolpe e na resistência ao golpe – ouso dizer de forma mais engajada até do que o PT.

São os jogos de poder que movem o PT, com destaque para a mirada estratégica de Lula para voltar à presidência da República em 2018, sendo que para isso vale até mesmo sepultar Dilma. Vale a pena se tornar oposição a Temer, mesmo que seja somente no discurso vazio do grande líder dos pobres que resolverá todos os nossos problemas enquanto se reúne com o mesmo Temer para tramar melhor os lances possíveis.

Dito isso, quero destacar que não podemos confundir a direção do PT com suas bases sociais sob pena de estarmos nos afastando de possíveis colaboradores que podem agir em prol das transformações sociais que almejamos, ainda que essas pareçam cada vez mais distantes. Há poucos dias, um conhecido entrou em contato dizendo se sentir idiota por estar plenamente contra o golpe em uma ocupação e ver as posturas assumidas pelos representantes petistas na grande política. Ninguém é idiota. Já dizia Michel De Certeau o quanto é perigoso tomarmos os outros como idiotas.

Para além da megalomania petista pelo poder, o golpe diário é sentido por todos, em especial no beco sem saída de uma crise que se intensifica e não dá sinais de recuperação, na agudização do conservadorismo que pode ser vista na proliferação de crimes de ódio, no descolamento do sistema político que opera numa lógica própria, na ausência de uma organização plural capaz de fazer frente aos retrocessos que se apresentam em vários campos. E quero chamar atenção que para essa organização poder ser vista como “esquerda” me parece necessário, cada vez mais, partir das bases sociais que se interpenetram e são alvos de diferentes tipos de opressão.

O desafio para poder continuar operando como “esquerda” enquanto um potencial de transformação passa fundamentalmente por entender que o PT está superado como possibilidade transformadora na via institucional, mas que as demais organizações precisam cada vez mais se arriscar fora dos círculos do costume, dos diálogos fraternos entre iguais que se reconhecem, a fim de se aventurar em territórios existenciais que não manejam e não controlam, mas podem trazer, através das tensões imanentes à sociedade, novos caminhos a se trilhar. É preciso buscar o que hoje a esquerda não apresenta: capilaridade social. Sem isso, a tendência é se tornar um gueto.

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(*) Marcelo Castañeda é sociólogo e pesquisador.

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(Com o Correio da Cidadania)

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