Essa tal felicidade

                               

    "Nesse mês em que se completam 5 anos das Jornadas de Junho, não custa lembrar que a juventude que foi às ruas cobrar saúde e educação recebeu do Estado balas de borracha, gás lacrimogênio e processos judiciais obscuros."
                                
Marina Amaral (*)

Entre 2006 e 2016, 324.967 jovens de 15 a 29 anos foram assassinados no Brasil, segundo o Atlas da Violência 2018. O jovem e o negro – vítima de 71% dos assassinatos no período – continuam a ser os alvos preferenciais da criminalidade, incluindo a perpetrada pelos agentes do Estado: 76,2% das vítimas de ações policiais violentas são negras de acordo com análise do Anuário Brasileiro de Segurança Pública dos Boletins de Ocorrência de 2015 e 2016.

Os números gritam o fracasso das políticas de segurança pública, ineficazes, letais e injustas, enquanto candidatos à presidência da República apontam mais violência como solução, aproveitando-se dos sentimentos de uma população acuada pelo pessimismo. Nem mesmo a “paixão nacional” empolga, com mais da metade da população declarando seu desinteresse pela Copa. Em 2014, quando se gritava “Não vai ter Copa”, esse sentimento atingia 36% da população.

O silêncio nas ruas parece ser a contrapartida do desejo por medidas drásticas, que se acentua à medida que a frustração com o país aumenta. Explode, ocasionalmente, de forma desconexa, como na recente greve dos caminhoneiros em que se gritou por intervenção militar e pelo fim dos impostos – ignorando o potencial de violência política da primeira; e de social, na segunda reivindicação. Sem falar nos equívocos cometidos no diagnóstico dos problemas.
                                                             
Preconceitos e privilégios são faces da mesma moeda e atuam juntos para minar as instituições democráticas. Zangada demais para travar um debate que aponte soluções reais, a sociedade se abre para os embusteiros, que prometem a felicidade, enquanto um governo cada vez mais impopular corta programas sociais e cede espaço político para os militares. 

A recente nomeação de um general para o Ministério da Defesa, inédita desde a redemocratização, é mais uma evidência da influência da caserna no governo Temer, bem como a intervenção federal no Rio, e o prestígio de generais como o comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, e Sérgio Etchegoyen, do Gabinete Institucional da Presidência, como anotam os repórteres Rubens Valente e Gustavo Uribe, na Folha.

Nesse mês em que se completam 5 anos das Jornadas de Junho, não custa lembrar que a juventude que foi às ruas cobrar saúde e educação recebeu do Estado balas de borracha, gás lacrimogênio e processos judiciais obscuros. Se a resposta fosse outra, talvez não estivéssemos chegado ao ponto de esquecer que só mais democracia e menos desigualdade podem nos levar a essa tal felicidade, sempre ilusória quando não construída por nós.

(*) Marina Amaral, codiretora da Agência Pública

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(Com  a agência Pública)

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