Contas bancárias, galinhas, carroças e bicicletas

                                                                          


Marina Dias (*) 

No último domingo, o artigo da ombudsman da Folha de S. Paulo, Flávia Lima, abordou o título da reportagem do jornal sobre os candidatos à prefeitura de capitais que não declararam contas bancárias à Justiça Eleitoral: “Confrontado, Boulos corrige patrimônio após omitir conta bancária em declaração de bens”. O candidato do PSOL à prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos, havia deixado de declarar uma conta bancária com R$ 579. As discussões sobre a reportagem ficaram em torno do título caça-clique. Apesar dele, a matéria traz informações importantes sobre as declarações de bens dos candidatos.


A cada eleição, quando as candidaturas começam a ser divulgadas, me dedico a olhar a plataforma de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais do TSE. Há algumas semanas, fui analisar os candidatos a prefeito de Londrina – no norte do Paraná, minha cidade de origem. Algumas coisas chamaram a atenção, como dois candidatos que têm seus filhos como vice e as declarações de bens dos postulantes. Há declarações muito detalhadas, com endereços de imóveis, e outras cujos imóveis são identificados apenas com o nome do município onde estão localizados, o que pode criar confusão na cabeça do eleitor. Há quem declare contas bancárias zeradas, galinhas e carroça com burro, o que gera dúvidas sobre o preenchimento e as exigências e orientações da Justiça Eleitoral.


Chama a atenção o caso do deputado Boca Aberta, candidato à prefeitura de Londrina – no momento, a candidatura está indeferida com recurso por conta da Lei Ficha Limpa. Desde 2012, a cada dois anos Boca Aberta é candidato. Neste ano, declarou uma bicicleta artesanal cargueira ano 1999 com amplificador de som profissional no valor de R$ 15 mil. Trata-se da bicicleta com alto falante apelidada de Grace Kelly que o candidato usava para andar pela cidade denunciando problemas locais, prática que o tornou conhecido. Em 2014, declarou um ciclomotor e uma caixa de som. Em 2016, uma bicicleta artesanal e uma caixa de som. Em 2012 e 2018 consta no DivulgaCand que nenhum bem foi cadastrado. Boca Aberta foi eleito vereador em 2016 com recorde histórico de votos, teve o mandato cassado em 2017 e foi eleito deputado federal em 2018. Doou R$ 15 mil para a própria campanha este ano.


A lei eleitoral diz apenas que no pedido de registro de candidatura deve constar uma declaração de bens assinada pelo candidato. A reportagem da Folha traz mais informações sobre o assunto: os candidatos usam critérios temporais distintos para suas declarações. Alguns vão pelos dados da última declaração de Imposto de Renda, outros pela data do registro da candidatura. A lei eleitoral não faz referência aos dados enviados à Receita Federal quando pede declaração de bens. Além disso, decisões anteriores da Justiça Eleitoral indicam que os tribunais consideram que falhas nas declarações de bens não têm impacto na disputa.


Quem se candidata a um cargo público sabe que estará sujeito ao escrutínio dos cidadãos e da imprensa. O que deve guiar a escolha de um candidato são seus projetos, propostas e condutas. O patrimônio em si não deve ter tanta relevância na corrida eleitoral – a não ser que seja usado na campanha, como explica o professor Abraão Lopes em entrevista ao G1 Rio Grande do Norte – mas a transparência ao transmitir informações e a disponibilidade de explicá-las e corrigi-las se for necessário dizem bastante sobre quem pode nos governar. 


(*) Marina Dias é coordenadora de comunicação da Agência Pública

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