Os democratas são o demônio


                                                                   

Natalia Viana (*)

Não tem sido nada bonita a campanha eleitoral americana, que funciona como uma prévia para o que vai ser do resto do mundo em tempos de populismo de direita. Depois da deprimente performance de Donald Trump no primeiro (e único, pelo visto) debate contra seu oponente Jon Biden em 29 de setembro, no qual comportou-se como o verdadeiro “bully” de colégio, quem parou para assistir ao debate entre candidatos a vice-presidente viu a senadora Kamala Harris ser interrompida 10 vezes pelo atual vice, Mike Pence. Isso sem falar do fato de que Trump, contaminado pelo coronavírus, fez questão de ir cedo para casa e ainda passear de carro no meio do tratamento. 


Longe dos holofotes e das páginas de jornais, porém, o chefe do executivo americano tem se valido de uma estratégia ainda mais temerária. É uma história feia à qual nós temos que prestar atenção. 


No final de setembro o pastor americano Ralph Drollinger, fundador da igreja Capitol Ministries, anunciou um novo grupo de estudos bíblicos na Casa Branca, bem a tempo da corrida eleitoral. Como revelamos no especial Transnacionais da Fé, Drollinger inventou uma igreja que pretender converter políticos de direita em suas ovelhas e, em troca, interpreta a Bíblia de maneira a referendar as políticas que quiserem implantar. Além do grupo de estudos na Casa Branca, ele comanda grupos de pregações no Senado e na Câmara. 


No texto oficial de anúncio, Drollinger descreve que “as forças satânicas estão tentando expulsar os cristãos de Washington e nos intimidar, mas estamos lutando e dizendo: ‘Não! Estamos aqui para ficar!’”.


Mas quem são, afinal, essas forças satânicas? O próprio pastor responde: os democratas. Basta analisar objetivamente as plataformas de governo, diz. “Um Partido — o Republicano — inclui Deus. O outro — Democrata — O exclui”. 

A seguir ele lista diversas políticas defendidas por alguns setores dos democratas e as contrasta com passagens bíblicas, além de uma porção de Fake News como “Democratas proeminentes defendem o direito da mulher ao aborto até pouco antes do nascimento (Mateus 7:23, Timóteo 1: 9, 1 João 3: 4)”. A afirmação inclusive já foi desmentida em uma checagem do Washington Post. 


“Se o candidato democrata for eleito, no que diz respeito aos estudos bíblicos, a Casa Branca ficará às escuras” encerra o pronunciamento de Drollinger.


O tom é ameaçador, e traz um prenúncio de enorme mau agouro para nossas eleições municipais – ainda mais levando em conta que, como revelamos essa semana, as candidaturas de sacerdotes religiosos bateram recorde esse ano, em especial no partido Republicanos, ligado à Igreja Universal. 


É cada vez mais óbvio que há enorme alinhamento entre a ultradireita americana e o bolsonarismo. Isso significa que aqui também o discurso dos evangélicos radicalizados vai aliar campanhas de Fake News ao medo: você deve temer os partidos de oposição porque eles são o demônio. Já tivemos um gostinho disso na onda de desinformação que relacionava esquerda à pedofilia. Coisa pior está por vir. 


Em tempo: cientes da enorme ameaça da que a demagogia evangélica apresenta para a nossa democracia, lançamos ontem um chamado a todos que queiram denunciar o uso de templos e igrejas para fazer propaganda eleitoral, o que é proibido por lei. Se você souber de um caso, basta enviar para a gente por esse formulário.


(*) Natalia Viana é  cofundadora da Agência Pública.


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