Deputado Rogério Correia, em entrevista ao Brasil de Fato, critica " a visão tecnicista e ainda neoliberal de administrar" da gestão tucana e afirma que o PT "perdeu o foco e colecionou algumas armadilhas políticas"




O deputado estadual Rogério Correia - Foto: Guilherme Dardanhan/ALMG
Passados dez anos de gestão tucana, Minas Gerais se encontra refém da visão tecnicista e ainda neoliberal de administrar, que não leva em conta as questões sociais. Enquanto isso, o Partido dos Trabalhadores (PT) do Estado, que deveria se opor mais concisamente à situação, perdeu o foco e colecionou algumas armadilhas políticas.
Com duras críticas não só ao PSDB, mas também ao partido em que milita desde a década de 1980, o PT, o deputado estadual Rogério Correia aponta que a ideia forjada nacionalmente em torno do “Lulécio” quase impediu que se fizesse uma oposição mais clara ao governo de Aécio, que ele considera “tipicamente neoliberal”.
Líder do bloco Minas Sem Censura, que reúne parlamentares de oposição e também se articula com movimentos sociais, Correia explica em que se baseia o pedido de cassação de seu mandato, pelo PSDB e outros partidos aliados. Apesar de ter sido arquivado na Assembleia Legislativa, demonstra a perseguição aos opositores à política estadual.

Brasil de Fato – Qual sua avaliação da gestão do PSDB em Minas Gerais?
Rogério Correia – O governo tucano em Minas Gerais tem um planejamento nitidamente neoliberal. Ele centrou seu governo em dois pilares: o que eles chamaram de “choque de gestão” e o déficit zero. O choque de gestão foi um arrocho em cima do serviço público; não apenas em relação ao servidor, mas na política pública em geral. O investimento em educação gira em torno de 20% do orçamento, nunca chegando aos 25%, porque eles colocam o pagamento aos aposentados no cálculo do investimento educacional, o que não é permitido por lei. Na saúde, o investimento gira em torno de 7, 8%, porque eles usam o truque de colocar os recursos da Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) como se fossem investimentos da saúde, como se fosse recurso do tesouro e não é. Só do governo Aécio, há uma dívida estimada em R$ 4, 3 bilhões no investimento em saúde. E há um arrocho em cima do servidor público que levou a greves em todos os setores essenciais: segurança pública, saúde, educação. Destaque nisso também o incentivo zero à reforma agrária e à agricultura familiar. É impressionante, não há uma política estadual voltada para esse setor. No caso dos programas sociais, o que há são recursos do governo federal que chegam a Minas, mas não há um planejamento de custeio do governo do estado para políticas de compensação, sequer isso.
O segundo pilar é o déficit zero, que foi uma farsa. O governo agora reconhece uma dívida de R$ 70 bilhões só com o governo federal e aprovou na Assembleia Legislativa – contra nosso voto – mais R$ 7 bilhões de dívida. Então o Estado passa a ter R$ 77 bilhões de dívida, paga a juros altos. Não há uma política de planejamento de divisão de renda. O estado não se planeja. Minas Gerais vive de exportação de commodities, de minério. Quando está bem a venda de minério para a China, para o Japão, o PIB cresce. Mas se cai o preço da exportação, o PIB cai.

Como o governo sustenta esse projeto?
O governo, para ter popularidade com um projeto desses, só através de censura; não apenas dos órgãos de imprensa, mas em todo o controle do estado. Em Minas Gerais, está tudo dominado. Nós, do Bloco Minas Sem Censura, apelidamos o ex-governador Aécio Neves de “Aecinho malvadeza”. Os ares menos aprazíveis da Bahia de Antônio Carlos Magalhães ainda sopram em Minas Gerais. Lá, ficaram livres do ACM e aqui nós não ficamos livres do “Aecinho”. Ele controla a cúpula do Ministério Público, sempre indicando quem não ganha as eleições. Indica os conselheiros do Tribunal de Contas, tem o controle da maioria da Assembleia, tem o controle absoluto da imprensa - através de sua irmã, Andréa Neves, que faz o controle da liberação de recursos de verba publicitária. Enfim, é um governo que tem o controle para evitar que denúncias apareçam e que o governo seja investigado. Esse controle foi a marca do governo Aécio Neves em seus oito anos.

Esse quadro continua com o atual governador Antonio Anastasia?
Continua. Com uma única diferença: nós conseguimos criar o Bloco Minas Sem Censura. Institucionalmente, rompemos o isolamento de alguns deputados do PT, do PMDB, do PcdoB, através da formação de um bloco, com 23 deputados. Isso passou para a sociedade finalmente a ideia de que não havia um projeto único para Minas, que havia uma oposição consolidada. A plataforma oposicionista é clara, de questionamento ao modelo do governo do estado. Ao mesmo tempo, fizemos um vínculo grande com os movimentos sociais. Houve greves fundamentais no último período, que também ajudaram a mudar o cenário de unanimidade do governo Aécio.
O governo enfrentou isso principalmente com cooptação e repressão. Buscou desmantelar o bloco; que não existe mais formalmente, existe agora um movimento Minas Sem Censura, com a incorporação dos movimentos sociais. É importante ver também que colaborou com essa ruptura da suposta unanimidade do governo PSDB o senador Aécio Neves se colocar como pré-candidato à presidência à República. Porque tínhamos uma dificuldade, devido a expectativas de setores da esquerda e do próprio PT de o senador Aécio não ser o adversário principal, que levava a uma política equivocada de não realizar uma oposição muito focada. O governador Aécio ficou então um pouco folgado. Foi aí que surgiram as ideias de “lulécio”, “dilmasia”, “pimentécio”. Isso muito ajudou a política aecista. É preciso fazer essa autocrítica. O fato de ele agora se colocar como candidato à presidência fez ver a setores do PT que cometiam esse equívoco a necessidade de ajudar na oposição.

O que significou a greve dos professores da rede pública do estado, que durou 112 dias em 2011?
Os professores e o Sind-UTE tiveram um papel muito importante para desmascarar o conteúdo neoliberal do governo do estado. Ficou claro que Minas Gerais pagava o pior piso salarial do país. É ainda, porque fizeram um truque de transformar o piso em subsídio, tirando vantagens dos professores. Foi uma greve de caráter econômico, mas que se fortaleceu na denúncia política da ausência do Estado no setor educacional. A greve capacitou unir muitos setores, sindicatos, movimentos. Nós do Bloco Minas Sem Censura paralisamos o trabalho na Assembleia Legislativa por quase três meses. Enquanto a greve se mantinha e o governo não negociava, nós não deixávamos votar as matérias na assembleia. Isso deu uma confiança na oposição institucional com a oposição nas ruas. Saímos fortalecidos dos dois lados.

Em que se baseia o pedido de cassação proposto pelo PSDB e partidos aliados do seu mandato?
É fruto de tudo isso. Fiquei com a responsabilidade de ser o líder do movimento Minas Sem Censura na Assembleia Legislativa. Não fui o único perseguido. A professora Beatriz Cerqueira, do Sind-UTE, foi seguida por pelo menos 90 dias na greve por policiais a paisana. Depois de vários outros casos, agora atacaram meu mandato através de uma reportagem da revista Veja sobre a lista de Furnas. A lista de Furnas é uma lista verídica, construída pelo ex-presidente da empresa, Dimas Toledo, com um laudo técnico da Polícia Federal que atesta sua veracidade. Denunciei na época, 2006, esse esquema de caixa 2 da campanha do PSDB, com arregimentação de recursos de caixa 2 através das empresas que prestavam serviço para financiar a campanha de Aécio, de Serra, de Alckmin, de diversos deputados de Minas e do Brasil. Agora o Ministério Público Federal concluiu trabalho em relação a isso e denunciou que realmente houve um esquema entre Furnas e as campanhas tucanas. Com base numa reportagem da Veja, encomendada pelos tucanos, que diz que eu fraudei a lista, eles entraram com pedido de cassação do meu mandato. Sem apresentar nenhum documento, nenhuma prova; não existe nenhum processo contra mim. Foi o que eles acharam que poderiam fazer para perseguir não apenas meu mandato, mas o significado que está tendo como liderança desse processo de oposição. Apesar de o pedido ter sido arquivado pela Comissão de Ética da Assembleia, entendemos que ele é uma tentativa de calar a oposição, mas é evidente que não vamos entrar nesse jogo. Vamos continuar fazendo as denúncias, e estamos tomando as precauções políticas e jurídicas.

Há alguma perspectiva do PT lançar candidatura própria para a prefeitura de Belo Horizonte?
A esquerda do PT – os grupos que chamamos de ‘coerência petista’ – e o grupo político em torno do vice-prefeito trabalham com a ideia de candidatura própria. Há um incômodo mesmo no outro bloco, que trabalha com o apoio ao Marcio Lacerda – que é do PSB, mas tem todos os vínculos com o PSDB – porque o atual prefeito não abre mão de fazer aliança formal com o PSBD.
O problema em Belo Horizonte é que com aquela política do “pimentécio” de que falei antes, se construiu uma armadilha enorme para o PT. O partido abriu mão da prefeitura, em aliança na época informal com o PSDB e a cidade passou a ter um comando tucano muito forte. Hoje o PT luta para sair disso. Há um setor que acostumou-se às benesses de ser governo de tal forma que não tem coragem de fazer o rompimento necessário. Acham mais importante algumas secretarias, um acordo político para tentar um retorno em 2016, dando mais importância a isso que ao embate político na cidade. O prefeito rompeu com o que de melhor foi construído pelo PT: o orçamento participativo, a relação com os movimentos sociais, políticas para dividir renda. O caráter social foi substituído pela visão tecnicista, de ser síndico de uma cidade através da elaboração de grandes obras, sem levar em consideração as questões sociais. E há um setor do PT que não tem coragem de romper com isso, por pragmatismo político e equívocos ideológicos. Mas nosso grupo se fortaleceu muito. Estamos otimistas em ter uma vitória de candidatura própria. A princípio o candidato seria o atual vice-prefeito, Roberto Carvalho, que faz autocrítica contundente em relação ao procedimento da eleição passada, em que ele foi um dos coordenadores do processo de aliança. Mas o fundamental é aprovar a candidatura própria, no encontro do partido no final do mês. Depois veremos quais seriam os nomes. Tem uma pressão da direção nacional em favor da coligação, mas eles estão acuados também. É difícil explicar para a militância e para o povo como queremos construir uma alternativa para Minas e subir no mesmo palanque do PSDB na capital. Como explicar futuramente ao povo que temos um projeto para Minas Gerais que não é o tucano? Isso é inexplicável. Por isso acredito na vitória.

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