Carta Capital publica: "Movimentos do campo se unem por novo projeto de agricultura" . Encontro lembra o I Congresso dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil realizado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais em 1961, na Rua Tamoios, esquina com a Rua Rio de Janeiro


                   
Pequenos agricultores, trabalhadores rurais com ou sem terra, indígenas, quilombolas e outros segmentos do campo reeditam encontro unitário após 51 anos. O objetivo é construir um projeto de reorganização da agricultura brasileira. Luta pela reforma agrária é o principal fator de unidade neste momento, diz William Clementino, dirigente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). "Nenhuma política de combate à pobreza terá êxito sem a reforma agrária", defendeu .

Vinicius Mansur

Brasília - Após 51 anos do I Congresso Camponês, realizado em Belo Horizonte (MG), em 1961, os movimentos sociais e sindicais do meio rural brasileiro voltaram a se unir em evento semelhante: o Encontro Unitário dos Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas, iniciado nesta segunda-feira (20), em Brasília. 

A aliança entre as 13 organizações que gestaram o encontro já vinha sendo construída desde o início deste ano, conforme noticiou Carta Maior, e de acordo com o dirigente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), William Clementino, é a luta pela reforma agrária o principal fator de unidade neste momento.

 ”A reforma agrária na lei ou na marra, com flores ou com sangue, ela vai ter que acontecer, porque ela é um princípio que supera a pobreza e a miséria”, disse, relembrando a célebre frase de Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, durante o congresso de 1961. Clementino lembrou que 7 milhões das 11 milhões de famílias que recebem o Bolsa Família estão no campo e, portanto, nenhuma política de combate à pobreza terá êxito sem a reforma agrária.

O representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stedile, afirmou que nestes dois anos de governo de Dilma Rousseff (PT) não houve um decreto sequer de desapropriação de terras para a reforma agrária. Segundo Stedile, o encontro simboliza uma aliança que já vem sendo construída com o objetivo de criar forças para mudar o atual “grande objetivo” da agricultura brasileira: “Hoje ela é refém de um único objetivo: dar lucro pras multinacionais, por isso está entupindo as terras de soja, etanol e boi para exportar. O que nós queremos: que a agricultura brasileira seja organizada para produzir alimentos sadios, sem agrotóxico, para a população brasileira”.

O líder do MST ainda destacou que desde a crise econômica internacional de 2008, o capital estrangeiro aumentou sua presença no campo brasileiro, comprando terras, usinas, licenças de mineração e hidrelétricas, agredindo áreas de pesca artesanal, multiplicando o uso de agrotóxicos e forçando mudanças na legislação indígena. “50% do etanol pertence a três empresas: Bunge, Cargil e a Shell. Vai sobrar à sociedade brasileira um enorme passivo ambiental e outro passivo, porque não é uma agricultura que incorpora os trabalhadores”, criticou.

Elisangela Araújo, da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf),ressaltou que houve alguns avanços importantes nos últimos anos, mas ainda muito aquém da importância do setor. “O governo precisa investir em um novo modelo, não só o plano Safra, mas medidas estruturantes para os próximos 10 ou 20 anos (...) Temos que pensar na juventude, na sucessão das propriedades. Não dá pra ter uma agricultura familiar com mais de 70%, mas sem assistência técnica, pesquisa e tecnologia”, exemplificou. 

Durante a coletiva de imprensa concedida pelos dirigentes, foi destacado que a política financiamento da agricultura via planos Safra, além de privilegiar o agronegócio, que recebeu cerca de R$ 120 bilhões este ano, contra R$ 15 bilhões para agricultura familiar, vem se mostrando ineficaz para pequenos agricultores, uma vez que, das 4 milhões famílias brasileiras enquadradas neste setor, apenas 1 milhão tem recorrido aos créditos.

Os representantes da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Otoniel Guarani Kaiowá, e da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), Denildo Rodrigues, criticaram a pressão feita pelo Estado em suas terras. “O próprio estado que tem o papel de defender é quem age como violador”, disse Rodrigues, citando como exemplo as invasões do Quilombo dos Macacos, na Bahia, pela Marinha, e do Quilombo de Alcântara, no Maranhão, pela Aeronáutica. 

Já Otoniel criticou a violação sistemática do direito de consulta dos povos indígenas e revelou que o governo, durante a Rio+20, disse que não abrirá mão dos projetos de infraestrutura ferroviária e energética que atravessam suas terras.

Também sobraram críticas à imprensa. Questionados sobre a repressão aos movimentos do campo, João Pedro Stedile apontou que a violência física ainda acontece em muitas regiões do Brasil, apesar dos números terem diminuído com a democratização da sociedade brasileira, mas chamou atenção dos jornalistas para outro tipo de repressão. “Agora nós enfrentamos os patrões de vocês, que é o processo de criminalização que há na televisão, na imprensa. Vocês sabem melhor do que nós - só que não podem dizer senão perdem o emprego - que a imprensa brasileira é o verdadeiro partido ideológico da burguesia e eles nos últimos anos tem adotado uma linha de criminalizar a luta social”, disparou.

O encontro

Além de participarem dos espaços internos para formulação de um programa para agricultura brasileira, os militantes presentes ao encontro sairão às ruas na quarta-feira em uma marcha pela Esplanada dos Ministérios. Entretanto, nenhuma negociação com o governo será buscada ou aceita. De acordo com os organizadores, o encontro destina-se à construção de unidade entre os movimentos e à busca de diálogo com a sociedade. “ Nós já conversamos com o Estado brasileiro. Dissemos quando fizemos todas as nossas jornadas de luta, de todos os movimentos, no primeiro semestre. Que o governo nos respondesse. Não vai ser hoje ou em agendas pontuais, com proposições pontuais, que o governo vai responder”, disse Clementino, da Contag.

O Encontro Unitário reúne sete mil pessoas em Brasília até quarta-feira (22). Além de Contag, MST, Fetraf, Apib e Conaq, também promovem o encontro a Cáritas Brasileira, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), 0 Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento Camponês Popular (MCP), o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e o Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf). (Com Carta Maior)

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