CASO JULIAN ASSANGE


                                      
Baixa imunidade?

Binoy Kampmark  (*) em 28/08/2012 na edição 709

Reproduzido do suplemento “Aliás” do Estado de S.Paulo, 26/8/2012
          
Em um artigo publicado em 1988 na Law Society Gazette, Carl Islam explica, com certo rigor, os fundamentos da imunidade concedida às sedes consulares e diplomáticas na Grã-Bretanha. O tema parece árido, até nos darmos conta das graves implicações que ele tem para as pessoas, como no caso de Julian Assange, que pediu asilo na Embaixada do Equador.

Islam começa com o princípio da inviolabilidade: “A inviolabilidade garante a santidade das instalações diplomáticas e consulares”. Em seguida, faz uma advertência. “Embora não coloque as instalações diplomáticas e consulares acima da lei, todo indivíduo que permaneça nelas pode se considerar protegido contra a lei.” Daí a necessidade de algumas mudanças para corrigir abusos.

A situação que inspirou essa mudança de orientação e a necessidade de definir melhor as imunidades diplomáticas em questão surgiu em 1984. Naquele ano, o establishment britânico foi abalado pelas atividades do Escritório do Povo Líbio (LPB, na sigla em inglês), que culminaram no assassinato da policial Yvonne Fletcher com tiros disparados do interior do escritório. 

Ao longo dos anos, o LPB, aproveitando-se da situação de impunidade, teria armazenado um estoque de armas que se destinariam à repressão aos dissidentes do regime de Muamar Kadafi. Embora esses fossem considerados graves abusos dos privilégios diplomáticos concedidos pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, os britânicos ficaram de mãos atadas e nada puderam fazer.

Mas um documento governamental de 1985 deixou claro que as autoridades britânicas estavam decididas a implementar uma política “mais rigorosa” com relação à aplicação da Convenção de Viena e a “tomar medidas administrativas para acabar com os abusos das instalações diplomáticas e limitar o domínio territorial das missões de acordo com o direito e os procedimentos internacionais”. 

Daí a aprovação da Lei sobre Instalações Diplomáticas e Consulares (DCPA, na sigla em inglês), de 1987, que retiraria o status diplomático das missões que não estivessem sendo utilizadas de modo adequado. Pelo DCPA, a Convenção de Viena, embora considerada parte da legislação britânica, está sujeita a limitações conforme a missão aceita no país.

O chanceler do Equador, Ricardo Patiño, tem sido enérgico na defesa da posição de seu país no caso Assange e igualmente enérgico na condenação aos esforços das autoridades britânicas para retirar o australiano das instalações. “Não somos uma colônia da Grã-Bretanha”, afirmou. O WikiLeaks divulgou uma declaração afirmando que o direito de asilo de Assange está comprometido por esse assédio moral.

Suspeito, apenas

A resposta britânica é ao mesmo tempo inteligente e sofística – não tanto visando a desacreditar a missão equatoriana, mas a desacreditar a finalidade para a qual as instalações estão sendo utilizadas. Em junho, a chancelaria britânica aceitou a embaixada como território diplomático. Enquanto Assange permanecesse nas suas instalações, estaria “fora do alcance da polícia”. Mas a evocação do DCPA indicou uma mudança de estratégia – que não surpreendeu minimamente os equatorianos.

Essa lei dá ao governo britânico o poder de decidir onde missões diplomáticas e consulares podem se instalar, com controle governista de localização e terrenos. Antes da aprovação da lei, as missões diplomáticas podiam estabelecer-se em qualquer parte da cidade, ou podiam até cair aos pedaços, sem estar sujeitas a ingerências das autoridades municipais.

Quais são as opções para Assange? O fato de ele estar morando na sede consular equatoriana como se fosse em sua pátria não lhe garante, por si só, imunidade a interferências. Mesmo que ele consiga um passaporte diplomático equatoriano e se torne cidadão do Equador, não ficará fora do alcance da lei britânica. A ironia é que ele dificilmente poderia buscar asilo num país do qual tivesse nacionalidade. A segunda complicação é que a imunidade contra a prisão só se aplica aos diplomatas acreditados na chancelaria britânica.

A imunidade de missões diplomáticas já havia sido revogada de modo violento pelo Irã no fim dos anos 1970. A embaixada americana em Teerã foi ocupada em 1979/1980 numa onda de fervor fundamentalista, com o beneplácito do líder supremo do Irã, o aiatolá Khomeini. A Convenção de Viena tornou-se no caso um mero pedaço de papel.

Mas o pressuposto sobre o qual se fundamentam as missões diplomáticas, no entanto, continua sendo o de que entrar sem autorização em suas instalações constitui um ato de agressão. A inviolabilidade é indispensável às boas relações. Os comentários do chanceler Patiño são claros. “Se a medida anunciada no comunicado oficial britânico for aplicada, será interpretada pelo Equador como um ato inaceitável, inamistoso e hostil e como um atentado a nossa soberania, obrigando-nos a reagir.”

Entretanto, à medida que a situação evolui, fica claro que as opções de Assange são muito reduzidas. A questão é até que ponto as autoridades britânicas estarão dispostas a argumentar que a missão do Equador usou indevidamente suas instalações. 

Embora seja verdade que Assange tenha violado as condições de sua liberdade provisória, ele por enquanto é apenas suspeito de acusações que nem sequer foram apresentadas formalmente. Não se pode considerar que a gravidade de seus crimes tenha o mesmo peso de atos terroristas, e pode-se questionar que a lei britânica esteja sendo apropriadamente evocada. Mas talvez a polícia britânica não concorde com isso.


(*) Binoy Kampmark leciona na Rmit University em Melbourne; escreveu este artigo para o Newsletter Counterpunch]

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