IMPRENSA MINEIRA

                                       
   
      A crise na soleira do ‘Estado de Minas’

       Sebastião Breguez em 24/03/2015 na edição 843

      
O tradicional jornal mineiro Estado de Minas, carro-chefe dos Diários Associados, antigo império da imprensa de Assis Chateaubriand, está à beira da falência. Os rumores de sua crise financeira são antigos. Já se falava, há alguns anos, que o jornal estava à venda, procurando um grupo empresarial para tocar a empresa. Mas nenhum comprador apareceu até agora. Hoje, no cume de sua agonia, colocou sua sede à venda e já começou processo de demissões de jornalistas e funcionários administrativos. O jornal completou 87 anos de circulação no último dia 7 de março em meio à maior crise que já enfrentou em sua história. O diário começou a circular em 7 de março de 1928.

Nas últimas eleições, o jornal deixou de lado a sua neutralidade – característica do seu perfil tradicional e conservador, que é a base da ética mineira – para apoiar abertamente Aécio Neves à Presidência da República. Publicou reportagens com grandes manchetes na primeira página sobre o envolvimento do PT na corrupção, em geral, e em especial na Petrobras. Naturalmente, com o resultado das eleições, sua opção comercial não contribuiu para sua sobrevivência empresarial. Pois o PT, que foi atacado, venceu para o governo de Minas e para a Presidência da República. Assim, o jornal ficou fora do loteamento da verba publicitária governamental em nível estadual e federal.

Mas isso não é só a causa principal de sua falência empresarial. As empresas mineiras enfrentam problemas com a crise nacional e internacional, e diminuíram as inserções de anúncios na mídia em geral. A Fiat, a VS Tubos, a Gerdau-Açominas, a Usiminas e outras estão em crise e dando férias coletivas a seus funcionários. Também estão demitindo. O que contribui para a diminuição do volume da publicidade para a imprensa em geral. Mas a crise do Estado de Minas não é de hoje, e sim resultado de décadas de erros e tentativas comerciais e editoriais mal pensadas.

Promiscuidade suspeita

Lembro-me que, há dez anos, levei meus alunos de jornalismo para uma visita ao Estado de Minas. O editor-geral, João Bosco Martins, foi o anfitrião. Em sua palestra no auditório do jornal, disse que estava difícil vender jornal impresso e que a publicidade estava em baixa. Já alertava os alunos e futuros profissionais do jornalismo sobre a crise da imprensa escrita e a retração do mercado de trabalho do setor. Também já trabalhei no jornal, no Segundo Caderno (Cultura), nos anos 1970, numa época que reinava sozinho e era o todo-poderoso diário das Gerais.

Mais antigo, tradicional e conservador jornal de Minas Gerais, o Estado de Minas é mais um exemplo da decadência da mídia impressa. Está procurando comprador para o edifício onde está instalada sua redação. Trata-se de um prédio na Avenida Getúlio Vargas, na Savassi, um dos pontos mais valorizados de Belo Horizonte. De acordo com fontes do mercado imobiliário local, o jornal dos Diários Associados estaria pedindo R$ 50 milhões, mas teria ofertas de, no máximo, R$ 30 milhões. (A sede original do jornal, na Rua Goiás, no centro da capital mineira, ainda pertence ao grupo.)

A venda da sede do Estado de Minas é mais um capítulo da crise da mídia impressa. O jornal enfrenta uma crise de credibilidade, custos crescentes, queda de circulação e diminuição da receita publicitária. A direção do grupo deve transferir a redação para a sede da TV Alterosa, retransmissora do SBT em Minas Gerais. Outros jornais mineiros, como o Hoje em Dia e O Tempo, também passaram por reestruturações empresariais, corte de pessoal e alteração do formato e estilo de redação na luta pela sobrevivência.

A crise financeira do Estado de Minas, entretanto, começou em 1987. O então governador Newton Cardoso, no início de seu mandato, resolveu mudar as regras de jogo da publicidade oficial de Minas Gerais. Não pagou adiantado, como fizeram seus antecessores, o valor anual da verba publicitária destinada aos Diários Associados (jornal Estado de Minas, Rádio Guarani e TV Alterosa). A tradição era o governo pagar adiantado o valor da publicidade anual em março-abril. Coube à Secretaria da Fazenda de Minas informar ao então presidente dos Diários Associados, Camilo Teixeira da Costa. Uma semana depois, começou a retaliação. O jornal fez a primeira reportagem de denúncia contra Newton Cardoso, mostrando uso de caminhões do Departamento de Estradas de Rodagem para levar material a sua fazenda no Sul da Bahia.

A guerra Estado de Minas vs. Newton Cardoso começou e acabou virando caso de polícia e de baixaria. O jornal fez reportagens mostrando que Newton era truculento e estuprador. Newton retrucou com matérias pagas em outros jornais escancarando o processo de separação conjugal de Camilo Teixeira da Costa, por este ter sido encontrado por sua esposa em plena intimidade com funcionário em sua residência em Santa Luzia, na Grande BH.

Em paralelo, Newton Cardoso montou um império de comunicação em Minas Gerais para combater o Estado de Minas. Comprou as máquinas da antiga Última Hora, do Rio, e criou o diário Hoje em Dia. Montou ainda outra publicação: comprou a marca Diário de Minas e ressuscitou o velho jornal mineiro. O valor da verba publicitária, que era dada ao grupo Diários Associados, foi realocada para esses jornais e também para outros veículos, como Diário do Comércio, SBT e TV Globo. Mas não parou aí: equipou o jornal Minas Gerais, da Imprensa Oficial de MG, contratou os melhores jornalistas, com bons salários, e também atrações de vários veículos, como Jornal do Brasil.

Tive oportunidade de testemunhar isso porque trabalhei, na época, no jornal Minas Gerais, como editor, e no Diário de Minas, também como editor. O ano de 1987 foi uma revolução na mídia em Minas Gerais. Houve uma transformação brusca no formato jornal mineiro, em todos os sentidos. A mídia impressa ganhou cara nova com introdução de fotos coloridas, reportagens investigativas, e foi mudando o estilo de redação jornalística e a apresentação gráfica. O jornal Hoje em Dia revolucionou a estética jornalística mineira com fotos coloridas, menos texto e mais imagens.

O conservador e tradicional Estado de Minas, sem a gorda verba publicitária do governo, também teve que mudar. Passou a fazer reportagens investigativas sobre a corrupção no governo Newton Cardoso. Também mudou a apresentação gráfica e introduziu fotos coloridas. Começou a fazer mais jornalismo e não propaganda institucional do governo. Até 1987, era tradição em Minas de que o editor de Política do Estado de Minas fosse nomeado chefe da Assessoria de Imprensa do governo. O editor de Cultura era nomeado assessor de imprensa da Secretaria Estadual de Cultura. Enfim, os editores do jornal assumiam a comunicação governamental. Os releases que produziam para divulgação das ações governamentais eram publicados na íntegra no Estado de Minas.

Crise internacional

Se a briga entre o Estado de Minas e Newton Cardoso resultou na perda de arrecadação do jornal, outro conflito veio piorar ainda mais a situação do tradicional diário mineiro. Foi uma série de reportagens-denúncia contra o deputado Vittorio Medioli, dono da Sada, transportadora oficial da Fiat Automóveis e de outras empresas. Medioli resolveu criar um novo jornal – O Tempo. Prometeu, na época, acabar como império do Estado de Minas. Comprou máquinas modernas e instalou em Betim, na Grande BH, o seu jornal com modelo dinâmico e arrojado projeto editorial. Entrou na briga pelo mercado de leitores e de publicidade na tradicional Minas Gerais.

Nos dias atuais, como se viu nas últimas eleições, o Estado de Minas deixou sua neutralidade para apoiar abertamente o candidato Aécio Neves. Mas o PSDB, partido de Aécio, perdeu o governo de Minas e a Presidência da República. As reportagens que o jornal publicou no período das eleições eram contra a candidatura de Dilma Rousseff e procuravam associar a corrupção política ao PT. Foi uma estratégia errada, porque quem ganhou as eleições foi o PT. O Estado de Minas, mais uma vez, perdeu a participação dos anúncios do governo que sempre representaram uma forte fonte de renda do jornal.

A verba publicitária mineira se diluiu com a concorrência de jornais diários em Minas Gerais. A crise dos anos 1990, com a globalização, o surgimento da internet e das ferramentas da tecnologia digital, minaram mais ainda o cenário da imprensa mineira. A queda de leitura da informação impressa e a concorrência da informação digital colocaram mais pimenta no caldo.

Os jornais impressos estão passando por uma crise desde que explodiu a globalização nos anos 1990. Mas também em função das novas tecnologias da informação. Estamos no final da Civilização Gutenberg, que é a civilização da cultura impressa no papel. Ingressamos na Civilização Digital, no mundo cibernético em todos os sentidos. Há até um estudo da Future Exploration Network (EUA) que prevê o fim do jornal impresso no Brasil em 2027. Claro, o jornal impresso nunca deixará de existir. Ele está se adaptando em termos de formato, apresentação visual e técnica de redação.

A grande imprensa nacional também está em crise. A revista Veja e O Estado de S.Paulo estão em crise. O Estadão após “pesquisas qualitativas e entrevistas em profundidade com diversos setores da sociedade”, resolveu enxugar a publicação e acabar com vários cadernos. Com isso, o diário da família Mesquita demitiu dezenas de jornalistas. Assim, a crise não é só financeira, mas também de credibilidade, porque o número de assinantes e de venda em banca estão caindo vertiginosamente. Nos Estados Unidos, o Washington Post também colocou à venda a sua sede para superar a crise. Sem falar nas movimentações do Le Monde, na França, do El País, na Espanha, Corriere della Sera, na Itália e outros. A crise não é só brasileira ou mineira: é internacional e tem seus agravantes regionais e locais.

Dispositivos móveis

Alguns jornais eliminaram as edições impressas, como o Jornal do Brasil, no Rio, o Diário da Tarde, em Belo Horizonte, e outros. Os demais jornais, além da edição impressa, mantêm uma edição digital em seus portais. Ali, as principais notícias são estampadas com destaque, com texto curto, ilustração e imagem chamativa. Com a explosão da informação online, jornais, rádios e TVs mantêm edições digitais. Há também grande crescimento de portais de informação, como UOL ou UAI, que apresentam as principais notícias do Brasil e do mundo, atualizadas várias vezes ao dia. Esta revolução da informação eletrônica enfraquece o modelo antigo e tradicional da notícia em papel, acentuando a crise da civilização impressa. O mercado da informação eletrônica está em alta, com grande competitividade e concorrência. Vence quem consegue ter mais acessos e, com isso, maior volume de publicidade.

Em Minas Gerais, os jornais Hoje em Dia eO Tempo mudaram de formato, do tamanho standard (cópia do modelo gráfico de jornais norte-americanos) para tabloide (característico dos jornais europeus e da América Latina). Também em Minas Gerais surgiram dois novos jornais tabloides de preço baixo (R$ 0,25) com notícias de apelo popular – Super e Aqui. Eles são sucesso de vendas em Belo Horizonte. Sua receita de jornalismo: formato tabloide, texto curto, notícias sensacionalistas de crime e paixão e foto de belas e sensuais mulheres seminuas na primeira página. Ambos também mantêm uma edição digital em seus sites.

De resto, esta é mais uma crise no mundo da mídia impressa no Brasil e no mundo. No Brasil, as razões que sustentam a perda do leitor da mídia impressa são o desenvolvimento tecnológico econômico, o crescimento urbano e a desigualdade socioeconômica. Há também outros fatores como a absorção da tecnologia, o desenvolvimento da banda larga, a penetração de smartphones e tablets, a receita de publicidade no jornal, o suporte para a mídia, censura e comportamento do consumidor.

O aparelho de celular incorporou as mídias tradicionais como jornal, rádio, TV e cinema, revolucionando a sociedade informacional. Na verdade, toda era de mudanças de paradigmas leva a previsões realistas e imaginárias. O jornal impresso deve se adaptar às novas mudanças tecnológicas e culturais para enfrentar a nova realidade do leitor do século 21. E sobreviver. 

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Sebastião Breguez é jornalista e professor universitário em Belo Horizonte

(Com o Observatório da Imprensa)

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