"Corrupção é um crime bárbaro"

                                            

              É o que garante o presidente nacional da OAB

Brasília – Confira a entrevista do presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, publicada segunda-feira (22), ao jornal Zero Hora, de Porto Alegre.

Claudio Lamachia tem 54 anos, É  tetraneto, bisneto, neto, sobrinho e irmão de advogados – além de ser casado com uma advogada. É o primeiro profissional com carreira feita no Rio Grande do Sul a comandar a entidade. O outro gaúcho que ocupou o cargo, Raymundo Faoro, atuou sempre no Rio de Janeiro.

Lamachia presidiu duas vezes a OAB do Rio Grande do Sul (entre 2007 e 2012) e, em 2012, em pesquisa nacional, foi o presidente melhor avaliado entre todas as 27 seccionais do país, com 93% de aprovação da classe.

Entrevista:

Após ser eleito, o senhor falou que o “voto não tem preço, tem consequências, e a consequência de uma escolha equivocada é o que estamos vendo hoje no nosso país”. O senhor é a favor do impeachment de Dilma e da cassação do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ)?

Se existe algo que nos cobra um preço caro, certamente, é um voto equivocado. O presidente da OAB deve repercutir a opinião expressada pelo Conselho Federal, composto por 81 conselheiros que representam os Estados, um colegiado plural que representa hoje quase um milhão de advogados. Enquanto presidente da OAB, pretendo submeter ao colegiado todos os temas de interesse da advocacia e da cidadania. No caso do presidente da Câmara, nossa decisão pelo seu afastamento da presidência foi tomada já na primeira sessão do conselho sob nossa presidência. Contra ele há provas de mais de 10 contas bancárias no Exterior e depoimentos da Lava-Jato que indicam cobrança de propina.

E a posição em relação à presidente Dilma Rousseff?

A OAB também irá se posicionar de forma clara quanto a eventual pedido de impeachment, com responsabilidade e sempre de acordo com a Constituição. A Ordem se comprometeu a levar essa análise adiante e fará isso. Apoiar ou não apoiar um pedido de impeachment, ou até mesmo vir a propor que o impedimento seja feito, é uma decisão colegiada, que deverá ser tomada pelos representantes dos 945 mil advogados, com base em fatos concretos.

Há um racha entre advogados em relação à atuação do juiz Sergio Moro. Há quem critique a sua conduta nos julgamentos da Operação Lava- Jato? Qual a sua opinião?

A Ordem é favorável à investigação, com base em meios constitucionalmente adequados, e, após o devido processo legal, a punição daqueles que cometem crimes. Agora, tecer juízo de valor acerca de manifestações judiciais de mérito não é função da OAB. A entidade continuará vigilante quanto ao cumprimento das normas que garantem a livre atuação dos advogados. O respeito às prerrogativas profissionais da advocacia representa o próprio compromisso da Constituição, que assegura ao cidadão, sem distinção, a ampla defesa e o contraditório. A valorização e a liberdade do exercício profissional do advogado é condição essencial de sobrevivência de uma democracia.

O advogado deve se preocupar com a origem do dinheiro que paga seus honorários? A OAB se constrange quando surgem suspeitas de profissionais pagos com dinheiro ilícito?

O réu que contrata um advogado é o mesmo que consulta um médico, um arquiteto, faz refeições em restaurantes, viaja nos finais de semana, compra jornais e revistas, entre tantas outras atividades comuns do dia a dia. O dinheiro gasto nessa cadeia de consumo tem, provavelmente, a mesma origem daquele que se destina ao pagamento dos honorários, no entanto, isso nunca é questionado. Minha impressão é de que a indignação da sociedade com o crime cometido causa também uma injusta confusão com o papel do profissional que garante o direito à defesa. A corrupção é um crime bárbaro, que retira verbas da saúde, da educação e da segurança pública, mas criminalizar a atuação do advogado que deve garantir o constitucional direito de defesa do cidadão é um equívoco. O advogado não pode ser confundido com o cliente.

Até ex-ministros do Supremo criticam a atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dizendo que virou o sindicato dos juízes. Qual a sua avaliação?

O Conselho Nacional de Justiça é um dos maiores ganhos da atualidade em nossa República, pois presta relevantes serviços para o aprimoramento do Judiciário. Ser um sindicato é exatamente o que ele não deve ser, e a OAB está vigilante para que isso não ocorra. Queremos um CNJ atuante e valorizado.

As leis no país são brandas. Alguns falam em “prende e solta” de criminosos por parte de juízes. Outros criticam o franco acesso de advogados às prisões. Como enxerga esses temas?

Nossas leis não são brandas. O que precisamos é de um maior investimento no sistema prisional, que deveria servir para ressocializar os apenados, mas, ao contrário, acabam por formar criminosos, pois são verdadeiras faculdades do crime. Se não tivermos uma visão diferenciada sobre o sistema prisional brasileiro, não vamos evoluir no combate à criminalidade. Quanto ao contato dos advogados com seus clientes em presídios, ele somente se dá por meio dos parlatórios, sem contato pessoal.

O que o senhor achou da definição do conceito de família, que agora inclui homossexuais?

Acho que é um justo e importante avanço social. O respeito ao próximo deve ser a regra de qualquer sociedade.

É contra ou a favor da descriminalização da maconha?

Considero que as drogas, de maneira geral, são, antes de tudo, uma questão de saúde, não de polícia. A meu ver, precisamos ampliar em muito o debate sobre esse tema, sempre com um enfoque científico. Hoje, me posiciono contrário à descriminalização, mas também reconheço que um fato que precisa ser encarado é que a atual política contra as drogas não tem dado resultados efetivos. Basta visitar um presídio para constatar que os apenados são, em sua maioria, jovens condenados por tráfico. Enquanto vender drogas for uma opção de renda, não conseguiremos mudar a realidade.

O que precisa mudar no acesso da população carente ao Judiciário? A Justiça é lenta ou trabalha no ritmo que pode?

O quadro brasileiro está longe do ideal. O acesso dos mais pobres à Justiça deveria ter um apoio maior do Estado, por meio das Defensorias Públicas, ou com o suporte dos advogados dativos, que são aqueles remunerados pelo Estado para atender aos mais necessitados. O que vemos é um quadro de defensores insuficiente e dativos trabalhando sem receber ou recebendo valores irrisórios. 

O Judiciário não está adequado para atender à demanda atual. Faltam recursos, especialmente na primeira instância. O que se percebe nacionalmente é que falta verba para ampliar e dar celeridade, mas também falta gestão para utilizar de maneira eficiente os recursos. Tenho afirmado que a capacidade instalada do Judiciário já não dá mais conta da demanda, precisamos da contratação de mais juízes e servidores.

O exame da OAB é criticado pelos que saem da faculdade de Direito. Por quê?

O exame de Ordem é uma conquista da sociedade. Quando o cidadão busca a Justiça, ele precisa ser assistido por profissional qualificado, para que a balança não fique desequilibrada. Juízes, promotores e defensores públicos passaram por concursos públicos disputados e são qualificados para atuação no Judiciário. Por que com o advogado deveria ser diferente? Não concordo com a afirmação de que o exame seja extremamente difícil: é uma prova que avalia se o bacharel em Direito tem o conhecimento mínimo necessário para atuar em defesa da honra, do patrimônio e da liberdade dos cidadãos. Um advogado despreparado pode causar danos irreparáveis aos clientes. Pesquisa Datafolha em 2015 mostrou que 89% dos brasileiros são a favor do exame da Ordem e 94% acham que um modelo semelhante deveria ser adotado para profissionais da Engenharia e da Medicina.

Há excesso de faculdades de Direito no país?

O Brasil ganhou mais de mil faculdades de Direito em 20 anos. Eram 200 no início dos anos 1990, e hoje são quase 1,3 mil. O problema não está no volume de faculdades, mas na baixíssima qualidade de ensino que muitas oferecem. Praticam um verdadeiro estelionato, ofertando o sonho de uma profissão e entregando um engodo. 

A OAB opinou contra 90% dos cursos propostos ao MEC, mas a opinião da entidade nunca foi levada em conta. Como tudo que envolve política, parece que a autorização para muitos cursos foi transformada em moeda de troca para apoios políticos. Hoje, quem paga esse preço é o aluno, que cursa uma faculdade com baixo nível de qualidade.


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