As eleições francesas

                                  
                          
                            Secessões

Jacques Sapir

Termina esta campanha eleitoral. Ela foi reveladora, no comportamento de uma certa imprensa, do que a sociedade francesa tem de mais odioso. O resultado da eleição presidencial já não oferece dúvidas. O sr. Emmanuel Macron será, segundo todas as probabilidade, eleito no fim da tarde de 7 de Maio. Mas esta campanha vai deixar traços profundos. O país está profundamente dividido e não chegará a unir-se sob este novo presidente. Sectores inteiros da população entraram, ou estão em vias de entrar, em secessão. Christophe Guilluy analisou bem o desastre destes bens pensantes que se dizem anti-fascistas, o que serve apenas de cobertura aos interesses dos poderosos [1] . 

O horror Macron 

Os dois candidatos arcam com uma responsabilidade evidente neste estado de coisas. O sr. Emmanuel Macron, em primeiro lugar, que pela sua arrogância combinada com a sua insignificância verifica-se ser um produto do que se chama o "sistema", vendido aos eleitores como se vende um pacote de lixívia (segundo Michel Onfray), ou um folhado muito gorduroso e muito açucarado, aos consumidores num supermercado. 

Ele elevou a grande altura a barra da indecência em matéria de recuperação da memória e feriu duradouramente a memória história que convém preservar. Seu erro sobre o desemprego em massa quando do debate de 3 de Maio na televisão é na realidade exemplar.

Ao pretender que a França é a única a ser afectada pelo "desemprego em massa", esquecendo a situação da Grécia, Espanha, Itália, Portugal, ele na realidade revela seu pensamento. Estes países não são mais considerados como atingidos pelo desemprego, porque eles puseram em acção, quer voluntariamente ou constrangidos ou forçados, políticas de "reforma do mercado do trabalho". Que estas políticas na realidade agravam a situação a que se destinavam remedir constitui o erro de fundo que recobre este erro de forma. 

Sobre a questão de fundo, portanto, tudo já foi dito do que representa o projecto de Emmanuel Macron, sua submissão profunda ao neoliberalismo e ao culto da União Europeia, seus aspectos retrógrados sob máscaras falsamente modernas. Este homem é exactamente o produto, como o recorda Aude Lancelin, de um putsh silencioso do CAC-40 [NR] , ainda que Lancelin não descreva senão muito imperfeitamente os mecanismos e as molas deste putsch [2] .

Em torno dele agrupam-se todos os políticos que fracassaram desde estes últimos 20 ou 30 anos. Ele foi incapaz de ouvir o que lhe diziam os franceses com quem se encontrou. Murado nas suas certezas, sempre altivo, este presidente por falta de outra opção que se anuncia será um factor de divisão profunda e uma causa de secessões entre os franceses. Como diz e escreve François Ruffin, ele será odiado mal seja eleito e não beneficiará de nenhum estado de graça [3] . 

A irresponsabilidade de Marine le Pen 

Mas a sra. Marine le Pen arca também com uma grande parte da responsabilidade nesta situação. Ela revelou-se incapaz de arcar com o seu programa e isto quaisquer que sejam as críticas que se pudesse fazer ao mesmo. Este programa tinha uma coerência e, por suas reviravoltas de último minuto, ela contribuiu para embaralhá-lo. Ela diz ter escutado economistas sobre numerosas questões, do Euro à mundialização, mas evidentemente ela não os ouviu nem os compreendeu. 

Suas diferentes mudanças de posição em fim de campanha, do Euro até à idade de reforma, foram desastrosas. Isso mostra, na melhor das hipótese, um amadorismo muito grande no tratamento destes assuntos que contudo são questões essenciais para a França e os franceses. Na pior, isso revela uma atitude instrumental quanto a estes assuntos e, mais globalmente, quanto à questão económica e social. 

Seu estilo combativo transformou-se numa agressividade sem limite. Tudo isso não a torna, ao contrário do que pretendem imbecis bem pensantes, uma "fascista" e não justifica de modo algum o apelo ao "bloqueio" contra ela. Eu disse, numa nota anterior [4] , o que se podia pensar de tudo isto. Contudo, ela se tornou a melhor inimiga das ideias que pretendia avançar. Se não reflectir sobre isso e se não tirar as devidas lições, ela está perdida. Ora, o desespero que isso pode induzir é susceptível de fazer o jogo de políticas que serão abertamente condenáveis e além disso mais radicais e perigosas. 

Secessões políticas 

Tudo isso estabelece uma segmentação política e cultural profunda dos franceses. Vê-se bem que os partidários de Emmanuel Macron e os de Marine le Pen não habitam o mesmo país. Habitam países diferentes em primeiro lugar geograficamente, com a distinção entre França "periférica" e França metropolitana. Mas habitam também países diferentes em matéria de referências culturais e sociais. Esta secessão é de uma gravidade extraordinária. Quando não há mais palavras em comum, a porta está aberta para a guerra civil. 

Esta secessão não é a única. Os eleitores de Jena-Luc Mélenchon, pelo menos uma grande parte dentre eles que se pronunciou contra o voto Macron, orientam-se para uma outra forma de secessão. A maneira como este eleitorado foi desprezado, difamado, ameaçado para juntar-se à coligação macronista permanecerá como um dos grandes escândalos e uma das grandes vergonhas desta eleição. Sobretudo, esta campanha histérica e odiosas, esta campanha que eu havia denunciado nesta mesma página [5] , vai empurrar aqueles que se definem como "insubmissos" para a secessão em relação ao sistema político. 

Não são as manobras risíveis de 11ª hora de um PCF agonizante, manobras denunciadas pelo próprio Mélenchon, que poderão impedi-lo [6] . É provável que estas manobras, e outras, se multipliquem durante a campanha para as eleições legislativas de Junho. Compreende-se o objectivo: privar os "insubmissos" do número de deputados a que a sua dimensão numérica lhes daria direito. Se este cenário se verificasse, então a secessão do "insubmissos" tornar-se-ia uma realidade e tal processo, vindo acrescentar-se às secessões anteriores, traria em si tanto ameaças de ascensão da violência como também na violência. As frases finais de François Ruffin na sua tribuna no jornal Le Monde são claras acerca deste ponto:

É sobre esta base medíocre, sobre esta legitimidade frágil que o sr. pretende conduzir suas regressões em marcha forçada? Que aconteça ou que se parta? Sois odiado, sr. Macron, e não estou inquieto por causa do meu país, menos por este domingo ao entardecer e sim por mais tarde, para daqui a cinco anos ou antes: que isto balouce verdadeiramente, que a "fractura social" não se torne dilaceramento. Carregais em vós a guerra social assim como a nuvem carrega o furacão. Para bom entendedor. 
François Ruffin (Candidato "Picardie debout!", em Somme, apoiante de Jean-Luc Mélenchon, realizador de Merci patron! )

O desespero de ver "roubar" a eleição, pelo sistema que impõe de facto um presidente que muitos não querem, é prenhe de rupturas futuras. A arrogância muito provável que se deve esperar se Emmanuel Macron foi eleito vai desmultiplicar este desespero. É sempre perigoso encurralar duas fracções de franceses no desespero, coisa que ignoram soberbamente Emmanuel Macron e seus apoiantes, inclusive o calamitoso François Holland. Estas pessoas arcam potencialmente com a responsabilidade de abrir as portas à guerra civil. 

A secessão silenciosa 

Mas há uma quarta secessão, esta silenciosa, que se verifica ao mesmo tempo. Cada vez mais jovens franceses saídos da imigração e da confissão muçulmana rejeitam os princípios de igualdade que fundamentam a República. Estamos aqui face a um processo de secessão, tanto mais grave pois é tolerado, por clientelismo eleitoral ou por vontade de fazer reinar a calma, por políticos de todos os quadrantes [7] . Esta secessão manifesta-se na exclusão das crianças e na constituição de redes alternativas e não controladas de ensino. 

Ora, isto é de uma gravidade extrema, que ultrapassa o perigo directo do terrorismo e do salafismo. A lenta e silenciosa corrosão da laicidade pelas organizações "camufladas" ou próximas dos Irmãos Muçulmanos coloca um problema temível na esfera política francesa. Foi publicado há algumas semanas o texto de Jérôme Maucourante a este respeito [8] . O problema é de uma gravidade maior que a histeria dita "anti-fascista" que se apoderou de uma parte dos espíritos e da quase totalidade da imprensa, por ocasião desta eleição presidencial. Eis-nos confrontados portanto com uma outra forma de secessão e esta, é de temer, ainda mais irreconciliável que as outras três. 

Se se quiser falar de povo, e sem o povo não pode haver soberania, então impõe-se a importante distinção que deve ser feita entre o povo "étnico" e o povo "político". Dediquei páginas inteiras no livro que publiquei em 2016, Souveraineté, Démocratie, Laïcité [9] , um livro cuja actualidade se encarrega, infelizmente, de nos recordar a importância do que foi dito. 

Não se pode pensar a Democracia sem pensar ao mesmo tempo na Soberania e que esta última implica e impõe a Laicidade. Não dizemos outra coisa, com Bernard Bourdin, no livro recente que acabamos de publicar [10] . Não pode haver indivíduos livres senão numa sociedade livre. 

A soberania define também esta liberdade de decidir que caracteriza as comunidades políticas que são os povos através do quadro da Nação e do Estado. Ainda é preciso saber o que faz a sociedade. Ainda é preciso compreender o que constitui um "povo" e é preciso compreender que quando falamos de um "povo" não falamos de uma comunidade, quer seja étnica ou religiosa, mas desta comunidade política de indivíduos reunidos que toma o seu futuro nas mãos. Este é o povo ao qual falam os políticos que fazem realmente o seu trabalho – não aqueles, como Emmanuel Macron, são promovidos como um pacote de lixívia. 

Ela eleição parece jogada. Esta eleição foi sobretudo roubada aos eleitores, pela combinação da vontade consciente e organizada de uns, pela irresponsabilidade de outros. Mas ela não resolverá nada, não decidirá nada. Ao contrário, seu resultado provável, precipitando fracturas anteriores, arrisca – e espera-se aqui de todo coração estarmos enganados – fazer pender a França num futuro muito sombrio. 
05/Maio/2017
[1]  Guilluy C., " ;La posture anti-fasciste de supériorité morale de la France d'en haut permet en réalité de disqualifier tout diagnostic social" ; www.atlantico.fr/... 
[2] De Castelnau R., www.vududroit.com/2017/05/presidentielle-sortir-machoires-piege/ 
[3]  www.lemonde.fr/i... 
[4] Voir " ;Mélenchon, la meute et la dignité" ;, note publiée le 28 avril, russeurope.hypotheses.org/5948 
[5] Idem. 
[6]  www.lefigaro.fr/... 
[7] Ver Pina C.,  Silence Coupable, Paris, Kéro, 2016. Ver também a resenha desta obra em: Les salafistes et la République (recension de " ; Silence Coupable " ;), russeurope.hypotheses.org/4909 
[8]   russeurope.hypotheses.org/5892 
[9] Sapir J.,  Souveraineté, Démocratie, Laïcité , Paris, Editions Michalon, 2016. 
[10]  Bourdin B. et Sapir J.,  Souveraineté, Nation, Religion , Paris, Editions du Cerf, 2017. 

[NR] CAC-40: índice da bolsa de valores de Paris 

O original encontra-se em russeurope.hypotheses.org/5980 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

(Não custa lembrar que nem sempre artigos publicados neste espaço representam, necessariamente, o pensamento e as posições deste autor, José Carlos Alexandre)

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