O baseado e o campus da USP
Para a saúde, é melhor fumar maconha!
Mário Maestri
Foi o que eu ouvi, assustado, de olhos esbugalhados, da boca do meu ex-sogro, o inesquecível doutor Garibaldi Machado, em sua residência, em Santo Ângelo, creio que em inícios de 1970. Naquele então, eu estudava História na UFRGS, envolvido na política acadêmica e extra-acadêmica, cada vez mais reprimida pelo governo militar.
Após a refeição, comentávamos notícia dada pela grande imprensa sobre a pretensa descoberta em residência universitária, não sei se do Rio de Janeiro ou São Paulo, de "farto material subversivo", "revistas pornográficas" e "trouxinhas de maconha". A mensagem jornalística era direta - os estudantes, além de "subversivos", liam pornografia e eram "maconheiros". Pior, não podiam ser!
Para a classe média de minha geração, jamais se pusera a questão de consumir ou não maconha, vista como coisa de favelado e marginal, para não dizer mais. Apenas com a guerra do Vietnã e com "Easy Rider", daquele mesmo ano, o velho baseado conheceria indiscutível promoção social entre a juventude nacional, sobretudo nos longos e pesados anos da paz policial que se impôs sobre a sociedade brasileira.
Não fumávamos maconha mas bebíamos nos finais de semana, sem qualquer reparo pelos mais velhos, quantidades impressionantes do péssimo whisky, rum, gim cerveja então à nossa disposição.
Momentos antes, sob o silêncio atento do doutor Garibaldi, começamos a discutir acaloradamente sobre o direito ou não ao consumo da maconha, contra o qual me levantei, peremptório. Um militante não podia e não devia baixar a guarda e se expor às provocações policiais e militares - propus creio que com plena razão. E para completar minha arrasadora argumentação, fui mais longe. Lembrei o enorme mal que fazia para a saúde o consumo daquela droga.
No momento preciso em que abandonava triunfante a palavra e acendia com prazer mais um cigarro, sentado diante de mim, no outro extremo da mesa, o doutor Garibaldi abandonou seu silêncio reflexivo para bagunçar literalmente meu coreto e registrar certamente uma preocupação que era sua.
- Maestri, se é questão de saúde, te recomendo fumar maconha e deixar o cigarro! Bem para a saúde, certamente não faz, mas mal, até hoje, em toda minha prática médica, jamais atendi alguém com problema causado pela maconha. Quanto ao cigarro, se quiseres, vamos agora até a enfermaria do Hospital, onde diversos pacientes meus estão para morrer, devido ao cigarro.
E para me espezinhar ainda mais, o doutor Garibaldi concluiu: - Tenho um pobre paciente que enfia agora o cigarro no orifício da traqueotomia, sem conseguir abandonar o vício que o levará a morte em algumas semanas. Uma imagem terrível que me acompanha nesses já mais de quarenta anos, e me ajudou, bastante, a deixar de fumar, alguns anos mais tarde, após enormes sacrifícios! Não me lembro se respondi ao pesado argumento, ou mudei de assunto, o que é bem mais possível.
Médico do interior extremamente conceituado, com amplas leituras e reflexões em ciências sociais, filosofia, literatura e direito, o velho, bom e solidário doutor Garibaldi primava por essas tiradas inusitadas, agudas e certeiras, pouco preocupadas com convenções e modismos.
Certamente se estivéssemos outra vez sentados naquela mesa, comentando as hipócritas justificativas da grande mídia e das autoridades públicas e universitárias sobre a invasão do campus da USP pela polícia militar, devido aos parcos baseados encontrados com três estudantes, certamente o saudoso doutor Garibaldi diria sem retenção: - Já que vão fazer essas violências com os meninos, deixem os baseados e retirem as carteiras de cigarro deles. Elas sim, matam!
E concluiria, dialeticamente: - Mas o cigarro é um enorme negócio ... (Com o Pravda Ru)
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