Brasil está atado pela ilegitimidade das instituições e inércia de uma esquerda antidemocrática

                                                                       

Gabriel Brito (*)


Mi­chel Temer é o pri­meiro pre­si­dente em exer­cício de­nun­ciado pela Pro­cu­ra­doria Geral da Re­pú­blica, em pro­cesso aca­tado pelo STF, logo de­pois da fa­mi­ge­rada ab­sol­vição de sua chapa com Dilma pelo TSE. Em en­tre­vista ao Cor­reio, o so­ció­logo Ruy Braga ana­lisa a “ópera bufa” que se tornou a po­lí­tica na­ci­onal, re­for­çada pelo papel duplo do PT e da CUT, e re­sume o Brasil como uma so­ci­e­dade sus­pensa no ar, à es­pera de 2018 e de so­lu­ções iner­ciais para a crise.

Em re­lação à pos­tura dos se­tores ex-go­ver­nistas, que guar­daram o Fora Temer na hora da de­cisão e fazem uma greve que pode ser de­fi­nida como de corpo mole, Ruy des­taca que “não há uma so­lução pro­gres­sista que saia daí. O Lula pro­mete uma es­pécie de PAC 3. Cré­dito para com­prar casa pró­pria, carro, pro­dutos da linha branca e em­pregos de 1,5 sa­lário mí­nimo. 

Esse mo­delo já co­lapsou e é o mo­delo de mer­can­ti­li­zação das pou­panças, en­di­vi­da­mento fa­mi­liar, mul­ti­pli­cação de em­pregos mal re­mu­ne­rados, de con­cen­tração de renda e ri­queza entre as classes so­ciais – isto é, au­menta a de­si­gual­dade das classes. Não há chance de uni­dade de es­querda porque não há chance de uni­dade em torno desse pro­grama”, ana­lisou

Ainda na crí­tica ao par­tido de Lula, a en­tre­vista não deixou de fora o 6º Con­gresso Na­ci­onal do PT, onde a fa­mosa “au­to­crí­tica” po­deria ser re­a­li­zada e in­dicar novos rumos para aqueles que ainda he­ge­mo­nizam o mundo do tra­balho. “Não apren­deram ab­so­lu­ta­mente nada. Penso que a raiz disso é que a di­reção ma­jo­ri­tária do PT, que he­ge­mo­nizou o par­tido há dé­cadas, não acha que errou. Eles acre­ditam que fi­zeram a coisa certa, porque são parte desse sis­tema po­lí­tico apo­dre­cido sobre o qual fa­lamos aqui”.

Pro­va­vel­mente, tais apon­ta­mentos de Braga se mos­tram vá­lidos di­ante de re­centes pro­cessos in­ternos do mo­vi­mento es­tu­dantil e dos pro­fes­sores pau­listas, onde a fraude e a tru­cu­lência cor­reram soltas – o que, deve-se dizer, é praxe nas es­querdas tra­di­ci­o­nais. 

“Se hou­vesse uma de­mo­cra­ti­zação ra­dical da luta po­lí­tica no país, com de­sen­vol­vi­mento de al­ter­na­tivas de de­mo­cracia par­ti­ci­pa­tiva, os se­tores ma­jo­ri­tá­rios do PT se­riam sim­ples­mente eli­mi­nados da cena po­lí­tica, por seu bu­ro­cra­tismo, di­ri­gismo e au­to­ri­ta­rismo. Eles não te­riam es­paço numa cena po­lí­tica de­mo­crá­tica re­no­vada. Eles não veem al­ter­na­tiva porque esta im­pli­caria em que eles mesmos, os di­ri­gentes tra­di­ci­o­nais, fossem muito fra­gi­li­zados”, ex­plicou.

E di­ante da falta de pers­pec­tivas de uma re­ação pro­gres­sista a um go­verno bi­zarro e des­pro­vido de le­gi­ti­mi­dade, Mi­chel Temer acaba por per­ma­necer e manter al­guma margem de ma­nobra para levar adi­ante sua agenda, ainda que par­ci­al­mente. “Do ponto de vista da­quilo que se­riam os gastos ge­rais do Es­tado bra­si­leiro nas ques­tões so­ciais, Temer não con­se­guirá en­tregar o pa­cote en­co­men­dado. Mesmo olhando a PEC 55, já apro­vada, se não for com­ple­men­tada por uma ra­dical re­forma pre­vi­den­ciária, se trans­for­mará numa es­pécie de letra morta no médio prazo, porque os gastos pre­vi­den­ciá­rios con­ti­nu­arão cres­cendo e pres­si­o­nando o teto dos gastos pú­blicos”, previu.

A en­tre­vista com­pleta com Ruy Braga pode ser lida a se­guir.


Cor­reio da Ci­da­dania: Pri­mei­ra­mente, como você com­pre­endeu e ab­sorveu o jul­ga­mento da chapa Dilma-Temer no TSE, que ter­minou em 4 votos a 3 pela ab­sol­vição e, con­se­quen­te­mente, ma­nu­tenção do atual pre­si­dente no cargo?

Ruy Braga: Sem sur­presas. Num tri­bunal onde dois juízes foram in­di­cados pelo Temer, o pre­si­dente é o Gilmar Mendes, pro­fun­da­mente en­vol­vido com ele, um dos mi­nis­tros é o Nunes Maia, co­nhe­cido pelo en­vol­vi­mento com em­presas in­ves­ti­gadas na Lava Jato, o placar de 4 a 3 era pre­vi­sível.

Po­demos dizer que o re­lator Herman Ben­jamin se com­portou dig­na­mente do ponto de vista não apenas ju­rí­dico, mas também por en­frentar o Gilmar Mendes, grande bas­tião da de­fesa desse sis­tema po­lí­tico fa­lido. Mas não vi o re­sul­tado final com sur­presa, con­si­de­rando a com­po­sição do tri­bunal.

No en­tanto, não posso deixar de ob­servar que a crise po­lí­tica bra­si­leira tem pro­du­zido es­tragos sobre o con­junto das ins­ti­tui­ções po­lí­ticas, in­clu­sive e agora no TSE, que su­pos­ta­mente de­veria ser uma ins­ti­tuição po­lí­tica alheia a essa crise ge­ne­ra­li­zada. Afinal, é um tri­bunal de úl­tima ins­tância de re­cursos da vida po­lí­tica, de modo que de­veria res­guardar mais au­to­ri­dade. Mas tal au­to­ri­dade foi to­tal­mente eli­mi­nada por esse re­sul­tado que apesar de pre­vi­sível é to­tal­mente cho­cante.

Fica o re­gistro de que a partir dessa sen­tença o tri­bunal se en­volveu ca­bal­mente na crise do sis­tema po­lí­tico bra­si­leiro, tra­gado por esse ver­da­deiro caos em que se trans­formou a po­lí­tica do país e o co­lapso das ins­ti­tui­ções, isto é, Con­gresso, Pre­si­dência, Su­premo e agora o TSE. A des­peito de pre­vi­sível, não deixa de ser bas­tante im­pres­si­o­nante que o tri­bunal chegue a esse nível de des­fa­çatez.

Cor­reio da Ci­da­dania: O que co­mentar da pos­tura do PT, CUT e afins, que na hora de­ci­siva ti­raram o bloco da rua e apoi­aram a ab­sol­vição da chapa, jo­gando o Fora Temer a es­can­teio?

Ruy Braga: A cena bra­si­leira virou Ópera Bufa. Fica di­fícil acre­ditar no que se vê, o es­cárnio le­vado às úl­timas con­sequên­cias. Por um lado, o PSDB en­trou com pe­dido de im­pug­nação da chapa, tor­cendo para que o jul­ga­mento não atin­gisse toda a chapa – isto é, li­vrasse Temer - mas no dia se­guinte pediu re­visão do tal jul­ga­mento.

De outro lado, havia o vi­sível in­te­resse pe­tista no Fora Temer, o único ca­minho para elei­ções di­retas agora, nas quais o Lula seria franco fa­vo­rito. Mas o par­tido torceu a favor da ab­sol­vição da chapa, sem fazer nada du­rante o pro­cesso de jul­ga­mento para pres­si­onar o tri­bunal a efe­ti­va­mente pro­mover um jul­ga­mento justo. 

Temos outra de­mons­tração do nível ab­so­lu­ta­mente sur­real de des­fa­çatez po­lí­tica, quer do par­tido de centro-di­reita da atual si­tu­ação, quer do par­tido de centro-es­querda que se opõe ao go­verno Temer. Um caos que apenas tes­te­munha o apro­fun­da­mento da crise.

Cor­reio da Ci­da­dania: Isso afetou a força e adesão para a greve, que deixou de ser geral, desta sexta, 30? O que dá pra es­perar dessa pa­ra­li­sação?

Ruy Braga: Pri­mei­ra­mente, é claro que é ne­ces­sário re­co­nhecer que a prin­cipal força so­cial e po­lí­tica bra­si­leira, capaz de levar adi­ante a agenda que inibe a greve geral, são PT e CUT. É ine­gável, pois estão à frente dos prin­ci­pais apa­ratos sin­di­cais do país. No en­tanto, suas pos­turas se fra­gi­lizam muito quando se com­portam como fi­zeram no jul­ga­mento do TSE. 

Ao mesmo tempo, há uma certa fra­gi­li­zação dessa po­sição po­lí­tica da greve geral pelo Fora Temer quando vemos que existem bar­reiras au­toim­postas ao PT, já que estão o tempo todo fa­zendo uma es­pécie de cál­culo, no qual o Lula sempre ter­mina como can­di­dato pre­si­den­ciável. É exi­gida uma au­to­mo­de­ração nas ini­ci­a­tivas do PT. O par­tido não quer in­cen­diar o país, não quer ra­di­ca­lizar e conta com a pre­sença do Lula nas elei­ções, que su­pos­ta­mente pre­cisa mos­trar res­pon­sa­bi­li­dade em re­lação às ins­ti­tui­ções etc. Uma au­to­mo­de­ração que se or­ga­niza em torno da volta se Lula em 2018, ao me­lhor es­tilo da es­pera da volta de D. Se­bas­tião da ba­talha contra os mouros.

Enfim, uma si­tu­ação re­al­mente muito de­li­cada, quando pen­samos ba­si­ca­mente na ne­ces­si­dade de ra­di­ca­lizar nossa agenda, nossas ini­ci­a­tivas, nossa pos­tura po­lí­tica di­ante da so­ci­e­dade, nosso pro­grama a fim de ga­rantir uma saída à es­querda para a crise. 

Como isso não ocorre, es­tamos sempre na si­tu­ação de uma briga onde as pes­soas não querem ir para as vias de fato. Fica sempre na con­tem­po­ri­zação, ra­di­ca­liza-se apenas re­to­ri­ca­mente, sem ação. As forças ra­di­cais ainda são in­su­fi­ci­entes pra levar adi­ante uma re­forma mais pro­funda. Es­tamos vendo uma aco­mo­dação geral do sis­tema po­lí­tico, em torno do apoio do go­verno Temer e es­pe­ci­al­mente das re­formas que tenta levar adi­ante no Con­gresso. 

A aco­mo­dação se dá menos em torno de Mi­chel Temer, fi­gura pa­té­tica en­vol­vida até o úl­timo fio de ca­belo em es­quemas sór­didos, dos mais ver­go­nhosos e no­tó­rios da vida pú­blica bra­si­leira, mas por um sis­tema po­lí­tico que tem amplo con­senso em termos de ser qua­li­fi­cado como an­ti­po­pular, am­pla­mente eli­tista, com agenda ultra-ne­o­li­beral, fun­da­men­tal­mente com­pro­me­tido com a agenda en­co­men­dada pelos se­tores em­pre­sa­riais. 

Existe uma es­pécie de dis­tensão que de al­guma forma se or­ga­niza em torno dessa agenda de re­formas, ao menos na ten­ta­tiva, e que tem em al­guma me­dida fi­ador ou ao menos um eixo-chave dessas me­didas na pre­si­dência da Re­pú­blica. É a si­tu­ação que vi­vemos no país: todos na ex­pec­ta­tiva de iner­ci­al­mente re­solver a crise po­lí­tica, quando, na ver­dade, pre­ci­samos exa­ta­mente do con­trário. Pre­ci­samos de mo­bi­li­zação e ra­di­ca­li­zação po­lí­tica, um pro­cesso que res­ta­be­leça a so­be­rania po­pular e as massas su­bal­ternas se re­a­pro­priem da ca­pa­ci­dade de de­finir seus pró­prios des­tinos, coisa que não acon­tece hoje.

Cor­reio da Ci­da­dania: Antes da queda de Dilma, o so­ció­logo Ri­cardo An­tunes fa­lava do es­cárnio que era a exor­tação pe­tista para a for­mação de uma uni­dade, evi­den­te­mente a seu redor. A pos­tura de PT e CUT no jul­ga­mento do TSE e agora na greve, não foi a ené­sima de­mons­tração de que a ideia da cha­mada “uni­dade de es­querda” é um tanto fa­la­ciosa, senão im­pra­ti­cável? 

Ruy Braga: Sem dú­vida é im­pra­ti­cável. Não há uni­dade na es­querda porque a prin­cipal força po­li­tica não se dispõe a re­a­lizar seu pro­grama. Vamos levar em conta que os dois go­vernos Dilma eram cla­ra­mente ca­rac­te­ri­zados por um mo­delo de de­sen­vol­vi­mento ra­di­cal­mente en­vol­vido com o poder fi­nan­ceiro (bancos), de­pen­dente de in­ves­ti­mentos em in­fra­es­tru­tura e seus sór­didos es­quemas com as cons­tru­toras; mo­delo também de­pen­dente do agro­ne­gócio e do su­cesso da venda de com­mo­di­ties (o que in­clui os es­quemas da ban­cada ru­ra­listas), da acu­mu­lação por es­po­li­ação cen­trada na mi­ne­ração e in­ves­ti­mentos ab­so­lu­ta­mente du­vi­dosos em in­fra­es­tru­tura. Enfim, um mo­delo que não deu certo. Não é um mo­delo de de­sen­vol­vi­mento para ser apre­sen­tado por um par­tido de es­querda.

O mais grave é que apa­ren­te­mente só se vê uma al­ter­na­tiva, que é re­petir o pas­sado. Ou seja, re­petir Lula no go­verno pi­lo­tando esse mo­delo de de­sen­vol­vi­mento pós-for­dista e fi­nan­cei­ri­zado, que evi­den­te­mente já es­gotou sua pouca ca­pa­ci­dade pro­gres­sista, isto é, de for­ma­li­zação do mer­cado de tra­balho. Te­remos agora um mo­delo ul­tra­ex­plo­rador, mas sem a con­tra­par­tida da for­ma­li­zação, porque a Re­forma Tra­ba­lhista e a Lei das Ter­cei­ri­za­ções já estão quase apro­vadas no Con­gresso. 

Não há uma so­lução pro­gres­sista que saia daí. O Lula pro­mete uma es­pécie de PAC 3. Cré­dito para com­prar casa pró­pria, carro, pro­dutos da linha branca e em­pregos de 1,5 sa­lário mí­nimo. Esse mo­delo já co­lapsou e é o mo­delo de mer­can­ti­li­zação das pou­panças, en­di­vi­da­mento fa­mi­liar, mul­ti­pli­cação de em­pregos mal re­mu­ne­rados, de con­cen­tração de renda e ri­queza entre as classes so­ciais – isto é, au­menta a de­si­gual­dade das classes. Não deu certo, mas o PT en­xerga sua res­tau­ração como a única al­ter­na­tiva. 

Não há chance de uni­dade de es­querda porque não há chance de uni­dade em torno desse pro­grama. O que pre­ci­sa­ríamos de fato é uma es­pécie de so­lução por­tu­guesa, onde um par­tido ma­jo­ri­tário da es­querda (O PS, da centro-es­querda e com­pro­me­tido com o ne­o­li­be­ra­lismo) não é capaz de so­zinho – até porque não de­pende de uma única li­de­rança – formar um go­verno e, por­tanto, é obri­gado a as­sumir com­pro­missos muito claros, bem além do que es­taria dis­posto a aceitar, ava­li­zando uma agenda criada pelo PC e o Bloco de Es­querda, uma agenda muito mais à es­querda do que o PT es­taria dis­posto a ir.

É disso que pre­ci­sa­ríamos aqui: uni­dade das es­querdas em torno de um pro­grama que re­pre­sente a ra­di­ca­li­dade das es­querdas, e não da res­tau­ração da­quele mo­delo pós-for­dista fi­nan­cei­ri­zado, que já deixou ex­plí­cito que não for­nece al­ter­na­tiva para a classe tra­ba­lha­dora do Brasil.

Cor­reio da Ci­da­dania: Ti­vemos nestes dias o 6º. Con­gresso do PT. Ficou evi­den­ciado, em li­nhas ge­rais, que a ilusão da “au­to­crí­tica pe­tista” ja­mais será con­tem­plada. O que os se­tores pro­gres­sistas do país de­ve­riam en­tender a partir deste acon­te­ci­mento?

Ruy Braga: O que chamou a atenção neste Con­gresso foi a in­ca­pa­ci­dade do Par­tido dos Tra­ba­lha­dores aprender com o pas­sado. Não apren­deram ab­so­lu­ta­mente nada. Penso que a raiz disso é que a di­reção ma­jo­ri­tária do PT, que he­ge­mo­nizou o par­tido há dé­cadas, não acha que errou. Eles acre­ditam que fi­zeram a coisa certa, porque são parte desse sis­tema po­lí­tico apo­dre­cido sobre o qual fa­lamos aqui.

Esse é o ponto chave: eles se sentem con­for­tá­veis com cam­pa­nhas mul­ti­mi­li­o­ná­rias fi­nan­ci­adas por caixa 2 de em­presas de cons­trução, de grandes em­prei­teiras. Se sentem con­for­tá­veis e acre­ditam que re­al­mente fi­zeram um bem para o país quando se ali­aram aos se­tores em­pre­sa­riais e ren­tistas, a fim de, num con­texto de cres­ci­mento econô­mico, pra­ticar po­lí­ticas pú­blicas “que re­ti­raram mi­lhões de pes­soas da mi­séria ab­so­luta”, para deixá-las na po­breza ofi­cial.

Eles acre­ditam que este é o li­mite da vida po­lí­tica de­mo­crá­tica, de es­querda, e todos nós de­ve­ríamos re­co­nhecer. Assim, não há porque fazer au­to­crí­tica, por exemplo, sobre o fi­nan­ci­a­mento em­pre­sa­rial de cam­panha, porque ba­si­ca­mente eles não acham que er­raram, não têm essa con­si­de­ração. 

Entre ou­tras coisas, porque este mo­delo, este sis­tema de fi­nan­ci­a­mento, esta po­lí­tica car­co­mida e apo­dre­cida os ala­van­caram a po­si­ções no sis­tema par­ti­dário e de poder do Brasil que eles ja­mais ima­gi­na­riam con­quistar caso hou­vesse uma ra­di­ca­li­zação de­mo­crá­tica, através de me­ca­nismos de par­ti­ci­pação. Se hou­vesse uma de­mo­cra­ti­zação ra­dical da luta po­lí­tica no país, com de­sen­vol­vi­mento de al­ter­na­tivas de de­mo­cracia par­ti­ci­pa­tiva, os se­tores ma­jo­ri­tá­rios do PT se­riam sim­ples­mente eli­mi­nados da cena po­lí­tica, por seu bu­ro­cra­tismo, di­ri­gismo e au­to­ri­ta­rismo. Eles não te­riam es­paço numa cena po­lí­tica de­mo­crá­tica re­no­vada. Eles não veem al­ter­na­tiva porque esta im­pli­caria em que eles mesmos, os di­ri­gentes tra­di­ci­o­nais, fossem muito fra­gi­li­zados. 

Por­tanto, pre­ferem con­ti­nuar apos­tando numa so­lução para a crise que seja ges­tada num pacto com o res­tante do sis­tema cor­rupto bra­si­leiro. Pre­ferem uma so­lução por dentro, ne­go­ciada, do que uma rup­tura sis­tê­mica apoiada num amplo pro­cesso de de­mo­cra­ti­zação das forças po­lí­ticas bra­si­leiras. 

Não há au­to­crí­tica porque não se re­co­nhece o erro, por­tanto, não há o que mudar. Eles apostam na re­pac­tu­ação com al­gumas pe­quenas re­formas na lei elei­toral. Esse é o ho­ri­zonte do PT.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como fica a pauta das Di­retas Já e que saídas vis­lumbra para essa crise toda? Con­corda com a pauta mí­nima elen­cada pela his­to­ri­a­dora Vir­gínia Fontes – “Fora Temer, elei­ções já, greve geral e anu­lação de todos os atos do go­verno”? 
    
Ruy Braga: Con­cordo com uma pauta mí­nima que ten­sione os se­tores ho­nestos do PT. Uma pauta mí­nima que seja tão mí­nima a ponto de ser con­sen­sual, em que as pes­soas aderem de forma ir­re­fle­tida no apoio. Não digo que é este o caso da pro­posta da pro­fes­sora Vir­gínia. Con­cordo com ela, que uma pauta mí­nima im­plique “Fora Temer”, uma grande mo­bi­li­zação das pes­soas deste país por um com­pro­misso forte com as elei­ções di­retas já, res­ta­be­le­ci­mento da so­be­rania po­pular, re­visão de todas as me­didas do go­verno ile­gí­timo, em es­pe­cial a PEC 55 e a Lei das Ter­cei­ri­za­ções. 

Mas eu diria que, além disso, ou seja, da pauta mí­nima, é ne­ces­sário haver no pro­cesso de re­cons­trução de uma so­lução pela es­querda, ra­di­cal­mente po­pular, uma aposta nos me­ca­nismos de par­ti­ci­pação de­mo­crá­tica. En­tendo que de­vemos apostar na es­colha de nossos can­di­datos através de pro­cessos am­plos e par­ti­ci­pa­tivos. Em es­pe­cial pré­vias que os apa­re­lhos bu­ro­crá­ticos não con­trolem as listas e nomes de can­di­datos a serem es­co­lhidos e que tudo seja de­ba­tido e vo­tado pela base de tais par­tidos. 

Aliás, de­ve­ríamos nos or­ga­nizar pra romper com os me­ca­nismos de se­leção de can­di­datos, que são bu­ro­crá­ticos. De­ve­ríamos apostar numa grande par­ti­ci­pação das pes­soas na es­colha dos can­di­datos de es­querda.

Cor­reio da Ci­da­dania: É fac­tível que a es­querda mais iden­ti­fi­cada com o an­ti­ca­pi­ta­lismo, ou fora da ordem, par­ti­dária ou não, au­to­no­mista ou não, con­siga pautar al­guma coisa neste mo­mento? 

Ruy Braga: Di­fícil res­ponder, porque supõe que a es­querda ra­dical pu­desse apre­sentar uma al­ter­na­tiva de poder hoje. En­tendo que neste mo­mento, não. A es­querda ra­dical não é capaz de apre­sentar al­ter­na­tiva de poder. Pri­meiro porque não tem nomes na­ci­o­nais ca­pazes de aglu­tinar um pro­jeto; em se­gundo lugar porque não tem um en­rai­za­mento no mo­vi­mento so­cial e po­pular, nas co­mu­ni­dades po­bres e na classe tra­ba­lha­dora su­fi­ci­entes para ga­rantir uma gui­nada à es­querda na ori­en­tação da so­ci­e­dade bra­si­leira.

No en­tanto, me pa­rece que ela está no ca­minho de cons­truir essa al­ter­na­tiva no médio prazo, em torno de 5, 6, 7 anos. A es­querda so­ci­a­lista, se con­ti­nuar a di­a­logar com os mo­vi­mentos so­ciais e en­raizar em co­mu­ni­dades po­bres, nas pe­ri­fe­rias das ci­dades, for­ta­le­cendo seus vín­culos com a classe tra­ba­lha­dora e de­mons­trando por meio de seus par­la­men­tares e li­de­ranças que é pos­sível fazer po­lí­tica de forma al­ter­na­tiva, apos­tando na ra­di­ca­li­zação e na de­mo­cra­ti­zação da es­colha de seus di­ri­gentes, re­vi­ta­li­zando o com­pro­misso dessa es­querda com a de­mo­cracia par­ti­ci­pa­tiva, apos­tando na for­mação con­sis­tente de li­de­ranças jo­vens, que supõe um amplo tra­balho entre os in­te­lec­tuais de es­querda no país, com tudo isso, te­remos con­di­ções de no médio prazo cons­truir uma al­ter­na­tiva ao país pelas bases. 

Por que sou mo­de­ra­da­mente oti­mista? Porque per­cebo que há, sim, no país um clamor ge­ne­ra­li­zado por mais de­mo­cracia e par­ti­ci­pação po­lí­tica. Existe uma ju­ven­tude que está se apro­xi­mando dos mo­vi­mentos so­ciais e es­tu­dantil, que já de­mons­trou bas­tante força na ocu­pação de es­colas, se en­gaja no Fora Temer, na luta pelas Di­retas Já... Esse con­junto de se­tores so­ciais e grupos, jo­vens e mo­vi­mentos não será ab­sor­vido pelo PT porque o par­tido não dispõe de tal con­dição – com seus ex­pe­di­entes, bu­ro­cracia, ca­ci­quismos, hi­e­rar­quias – e é in­capaz de di­a­logar com tais massas ou com os jo­vens. O par­tido não con­segue efe­ti­va­mente re­pre­sentá-los, da ma­neira ra­dical e de­mo­crá­tica com que tais se­tores de­sejam ser re­pre­sen­tados. 

Nesse sen­tido, sou mo­de­ra­da­mente oti­mista em apostar no médio prazo tanto numa re­vi­ta­li­zação da es­querda ra­dical e so­ci­a­lista como no es­trei­ta­mento dos laços e vín­culos desses se­tores so­ciais que têm se ra­di­ca­li­zado pela es­querda. 

Cor­reio da Ci­da­dania: Afinal, como deve se­guir o go­verno Temer, que no fim das contas está de­nun­ciado pela PGR, pra­ti­ca­mente ze­rado na apro­vação po­pular e não con­segue em­placar quase nada? 

Ruy Braga: É di­fícil prever porque a cena con­tinua muito vo­látil. Pro­va­vel­mente, mais es­cân­dalos se se­guirão, como já vimos mesmo de­pois da ab­sol­vição da chapa no TSE. Porém, di­ante da falta de al­ter­na­tivas para o sis­tema po­lí­tico bra­si­leiro a per­ma­nência de Temer no go­verno pa­rece – e aquela reu­nião do PSDB apontou nessa di­reção – a so­lução que con­tenta de al­guma forma os di­fe­rentes grupos, seja do Con­gresso, seja da­quele am­bi­ente po­lí­tico am­pliado, com ju­di­ciário e al­guns se­tores so­ciais, em es­pe­cial em­pre­sa­riais e mais or­ga­ni­zados. 

Apa­ren­te­mente, o go­verno Temer deve per­ma­necer de forma iner­cial. Se fosse apostar num fu­turo ime­diato, di­ante das po­lí­ticas que vêm sendo ten­tadas, diria duas coisas: o go­verno tra­gi­ca­mente apro­vará a Re­forma Tra­ba­lhista e fe­liz­mente não con­se­guirá aprovar a pre­vi­den­ciária. Ele deve ter força su­fi­ci­ente para apenas uma, con­se­quen­te­mente será um go­verno ma­lo­grado no con­junto, pois só con­se­guirá atacar os tra­ba­lha­dores na questão da pro­teção do tra­balho, seja pela Re­forma Tra­ba­lhista ou pela Lei de Ter­cei­ri­zação.

Do ponto de vista da­quilo que se­riam os gastos ge­rais do Es­tado bra­si­leiro nas ques­tões so­ciais, não con­se­guirá en­tregar o pa­cote en­co­men­dado. Mesmo olhando a PEC 55, já apro­vada, se não for com­ple­men­tada por uma ra­dical re­forma pre­vi­den­ciária, se trans­for­mará numa es­pécie de letra morta no médio prazo, porque os gastos pre­vi­den­ciá­rios con­ti­nu­arão cres­cendo e pres­si­o­nando o teto dos gastos pú­blicos. Sig­ni­fica que ele não terá con­se­guido en­tregar a en­co­menda que lhe foi feita pelo sis­tema fi­nan­ceiro, no caso, zerar o in­ves­ti­mento pú­blico no to­cante ao so­cial para ga­rantir o pa­ga­mento au­to­má­tico e sa­cros­santo da dí­vida pú­blica para os bancos. 

Isso cria outra si­tu­ação de po­ten­cial crise, ou seja, tensão entre os se­tores em­pre­sa­riais, in­sa­tis­feitos com a classe po­lí­tica bra­si­leira. Por­tanto, nesses termos, o go­verno vai fi­cando por au­sência de ou­tras op­ções para exe­cutar tais ser­viços. E mesmo entre se­tores pe­tistas a der­ru­bada do Temer e elei­ções in­di­retas no Con­gresso são in­su­fi­ci­entes, porque o cál­culo pe­tista – ou da es­querda re­for­mista bra­si­leira – en­tende que uma eleição in­di­reta via Con­gresso Na­ci­onal co­lo­caria no poder al­guém de perfil muito pa­re­cido. Com o agra­vante de estar re­no­vado para con­ti­nuar pres­si­o­nando pelas con­trar­re­formas. A única so­lução pos­sível seria a das elei­ções di­retas, mas para isso de­veria haver uma adesão muito mais ra­dical do con­junto da es­querda bra­si­leira, o que não ocorre.

Con­se­quen­te­mente, en­tramos num im­passe. Como não se re­solve nem para um lado nem para o outro, a inércia toma conta e avança o ca­len­dário. Vi­ramos uma so­ci­e­dade pa­rada no ar, à es­pera de 2018; 2017 já acabou e todos aguar­damos o ano que vem. Assim, o go­verno fica por inércia, é forte o bas­tante pra aprovar a Re­forma Tra­ba­lhista, porque a ban­cada em­pre­sa­rial é re­al­mente gi­gante, mas não o su­fi­ci­ente para aprovar a Re­forma da Pre­vi­dência, já que essa é bem mais im­po­pular. 


(*) Ga­briel Brito é jor­na­lista e editor do Cor­reio da Ci­da­dania.

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