Ministério Público da Itália recorre contra absolvição de 19 militares acusados de crimes nas ditaduras do Cone Sul

                                                                

Janaina Cesar | Roma 

Tribunal achou insuficiente provas da participação direta dos acusados, absolvidos nos casos de assassinato; militares e ex-presidentes de três países da região são citados

O Ministério Publico italiano apresentou recurso, no último dia 15 de maio, diante do Tribunal de Roma, para tentar reverter a sentença que absolveu 19 dos 27 militares de ditaduras sul-americanas acusados de sequestro e assassinato de 25 cidadãos de nacionalidade italiana. Estes crimes foram cometidos durante os anos de atuação do Plano Condor. 

A data da audiência ainda não foi definida pelo tribunal romano. Em processos penais, o tempo de espera costuma ser, em média, de cinco ou seis meses, contados a partir da apresentação de recurso. Isso, no entanto, não é uma regra: tudo depende do volume de processos que serão analisados por aquela corte.

Uma sentença histórica, visto que a Corte romana reconheceu a existência do Plano Condor e condenou 8 ex-presidentes e militares sul-americanos à prisão perpétua. O plano foi uma operação que uniu ditaduras do Cone Sul em ações de repressão de opositores políticos que resultaram em sequestros, assassinatos e milhares de desaparecimentos.

A Corte entendeu que todos os acusados eram torturadores e haviam participado dos sequestros, Mas, por esses crimes, eles não puderam ser condenados por dois motivos: o sequestro prescreveu, e o crime de tortura não existe no código penal italiano. O Tribunal achou insuficiente as provas que comprovavam a participação direta dos 19 acusados que foram absolvidos nos casos de assassinato.

Leitura da sentença

Durante a leitura da sentença proferida em 17 de janeiro passado, um silêncio tomou conta da grande sala do tribunal. Os procuradores, que desde 1999 lutam pelo caso, saíram calados, incrédulos com o resultado. As únicas certezas daquele dia eram de que pelo menos oito dos acusados haviam sido condenados e de que a procuradoria iria recorrer.

Opera Mundi obteve, com exclusividade, cópia do recurso apresentado pela procuradora Tiziana Cugini, responsável pelo caso. No documento de 30 páginas depositado alguns dias após a visita do presidente italiano Sérgio Matarella a Argentina e Uruguai - países envolvidos na Operação Condor e no processo -, a procuradora afirma que a “Corte erra ao condenar pelos homicídios somente os responsáveis da operação antissubversiva e os agentes militares pelo sequestro de pessoa para, depois, absolve-los por motivo de prescrição”.

Para a procuradora, ficou amplamente demonstrado que o objetivo dos governos militares dos países do Cone Sul era a eliminação física dos dissidentes subversivos.  O documento rebate cada argumentação usada pela Corte para a absolvição dos 19 acusados como, por exemplo, o fato de alguns presos terem sido liberados das prisões clandestinas e que pelo fato de haver médicos presentes nas prisões. Esses argumentos do tribunal serviriam para justificar que o objetivo dos regimes não era assassinar, mas somente obter informações, mesmo que sob tortura. 

Prisões

“Não é verdade que das prisões clandestinas os detentos saíssem vivos e que os desaparecidos, aliás, mortos, eram pessoas sem sorte.  As testemunhas e os documentos comprovam, sem nenhuma dúvida, que as prisões eram na verdade sequestros, que as penitenciárias eram centros clandestinos de detenção, que estas prisões ilegais eram lugares onde se eliminavam os detentos ou se decidia pela eliminação (através dos voos da morte, por exemplo)”, afirma o documento.

Em relação aos presos liberados, a procuradora questiona o motivo das liberações colocando em foco as vítimas Rosa Barreix e Critina Finn, que foram salvas porque, sob tortura, acabaram colaborando com os generais. Elenca ainda o caso de Raul Borrelli, que teve a irmã e o cunhado sequestrados e torturados e que foram liberados somente quando Borrelli foi preso.

A procuradora ressalta que, ao contrário do que a Corte declarou, a presença de médicos nas prisões clandestinas não neutralizava as sessões de tortura, pois estes estavam presentes quando as vítimas eram torturadas e aponta a cumplicidade dos médicos quando questiona “qual a utilidade do interrogatório sob tortura se o preso morresse sem dizer nada já no primeiro choque elétrico?”

Simples oficiais

No início, foram denunciadas 33 pessoas. Seis morreram durante o processo.  Os 8 condenados - os chilenos Hernán Jerónimo Ramírez Ramírez e Fafael Ahumanda Valderrama; os bolivianos Luis García Meza Tejada e Luis Arce Gómes; os peruanos Francisco Morales-Bermúdez Cerruti, Pedro Richter Prada e Germán Ruiz Figueroa; e o uruguaio Juan Carlos Blanco – eram ex-presidentes e generais. A Corte entendeu que somente quem estava no comando deveria ser condenado, pois faltavam provas que ligassem os outros acusados aos assassinatos porque estes não tinham cargo de comando.

Porém, segundo a procuradora, “além da simples denominação dos cargos, os militares, operadores da morte, imputados nesse processo, eram pessoas capazes de garantir – seja por afinidade ideológica ou de comum interesse – a operabilidade das estruturas de repressão”. Tiziana cita como exemplo o processo onde oficiais nazistas foram condenados pela chacina de Sant´Anna di Stazzema, uma conhecida base dos partigianos na Itália.

“Quais provas a Corte está procurando para afirmar com decisão penal a responsabilidade desses sujeitos?” questiona a procuradora, que pede na conclusão do recurso que a sentença que absolveu os 19 acusados seja anulada. 

(Com Opera Mundi)

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