Para debatedor, população desconhece verdade sobre ditadura

                                       
"A verdade do regime militar até hoje não foi contada. Temos a versão dos ditadores e só". O depoimento do vice-presidente da Associação dos Amigos do Memorial da Anistia, Betinho Duarte, foi dado durante o Debate Público Sala Escura da Tortura, na tarde desta segunda-feira (26/9/11). A segunda parte do evento, iniciado pela manhã, foi dedicada a relatos de pessoas que vivenciaram a ditadura militar. O debate foi promovido pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. A discussão prossegue nesta terça-feira (27), em duas audiências públicas no Teatro, às 9 e 14 horas. O autor do requerimento é o deputado Durval Ângelo (PT).
De acordo com Betinho Duarte, a grande maioria da população não conhece a história do Brasil, de 1964 a 1985. "Quem tem conhecimento de que a ditadura militar baniu, perseguiu, prendeu, torturou?". Segundo ele, o regime implantou o terror no País. "Éramos chamados de bandidos, assassinos", recorda.
Betinho tem mais de 50 anos de militância política. Segundo conta, começou aos 12 anos. Participou da Ação Popular, movimento de resistência da década de 1960, e foi preso, pela primeira vez, em 1968, permanecendo por 30 dias no Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Ele foi, também, presidente do Comitê Brasileiro para a Anistia e considera que o movimento foi "decisivo para a derrubada da ditadura".
Betinho diz que houve, em Belo Horizonte, centros clandestinos de tortura durante o regime militar. "Temos a relação dos torturadores mineiros. Nunca foram punidos. É possível encontrar com eles passeando nas ruas de BH", lamentou. Ele disse que 22 mineiros assassinados no período da ditadura ainda estão desaparecidos. No total, 64 militantes políticos do Estado foram mortos.
Duarte recorda que atentados terroristas foram cometidos na capital por anticomunistas, mas ninguém foi punido. Segundo ele, como a jurisprudência internacional diz que a tortura é crime de lesa-humanidade, imprescritível e inafiançável, o Brasil precisaria seguir a norma. E alerta: "A luta continua. Atualmente, o negro, o pobre, o homossexual são julgados de antemão, quando vão para a cadeia. Esse julgamento antecipado é uma forma de tortura também", disse.
A assistente social e membro do Movimento Popular da Mulher de Belo Horizonte, Gilse Cosenza, concorda com Betinho. "A tortura continua institucionalizada como método de investigação e de manutenção do estado vigente. E é usada por aqueles que detêm poder para oprimir os mais pobres", afirmou. Para ela, a agressão contra os direitos humanos se dá com relação a todo tipo de pessoa que não está dentro do que é estabelecido, como mulheres que não se comportam segundo um padrão determinado.
Para Gilse Cosenza, é importante abrir os arquivos da ditadura, "desvendar a verdade da história do Brasil" e impedir que crimes voltem a ser praticados. "Os torturadores seguem anistiados. Para nós, não acabou. Queremos o resgate da memória e a construção da democracia plena para novas gerações. É uma luta do presente para construir o futuro. Não aceitamos repetição e continuidade do que ocorreu na ditadura. Queremos um país em que todos tenham direito de ser feliz", declarou.
O deputado Durval Ângelo destacou a importância da presença dos convidados. Segundo ele, "não é possível discutir a tortura sem pensar em testemunhos de pessoas que passaram por essas experiências". Em seus depoimentos, tanto Betinho como Gilse prestaram solidariedade ao movimento grevista do professores.
Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo
Cerca de 500 mil presos vivem hoje nos cárceres do Brasil. É a terceira maior população carcerária do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos e a China. Em dez anos, o número de presos no país aumentou 150%. Só no Estado de Minas Gerais existem, ao todo, 50 mil presos. As informações foram transmitidas pela presidente do Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, Maria Tereza dos Santos, uma das convidadas do Debate Público Sala Escura da Tortura.
Ela defendeu o fim dos presídios, alegando que são verdadeiros "centros de formação de criminosos", e elogiou o trabalho desenvolvido pelas Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apacs), onde "o preso é tratado com dignidade e os meninos aprendem a ser cidadãos".
Último convidado a falar, o vice-presidente da Federação Quilombola de Minas Gerais e representante da Comunidade Quilombola de Brejo dos Crioulos, Francisco Cordeiro Barbosa, denunciou ameaças de morte e prisões que vêm sofrendo lideranças da comunidade, que há anos luta pela posse de terras no Norte de Minas. Segundo afirmou, dos 17 mil hectares em disputa, 15 mil estão nas mãos de alguns poucos latifundiários, enquanto três mil quilombolas tentam sobreviver, com dificuldades, nos 2 mil hectares restantes, já tendo sofrido 11 despejos. Para ele, essas ameaças e perseguições se configuram em uma espécie de "tortura mental".
Professores assistem ao debate acorrentados
Professores estaduais em greve aproveitaram o debate sobre tortura para dar visibilidade ao seu movimento, que já dura 111 dias. Em sinal de protesto, alguns se acorrentaram nas cadeiras do Plenário e discursaram defendendo o movimento, denunciando os baixos salários e as condições precárias de trabalho, criticando o governo e os deputados da base governista.
Welshman Gustavo Pinheiro, professor da Escola Estadual Povoado de Lagoa de Baixo, em Rubelita (Vale do Jequitinhonha), fez um relato sobre o estado precário da escola onde leciona. Segundo denunciou, a escola não tem água potável e os alunos sofrem com a falta de merenda escolar e de transporte decente.
Outro professor, Dagno Justino Melo, considerou a postura do governo estadual com relação aos professores "uma tortura moral e psicológica, num Estado que deveria se inspirar nos ideais de liberdade dos inconfidentes". (Com a ALMG)

Comentários