A palavra em brasa


Ariosto da Silveira (*)

Aos 83 anos de idade e 60 de jornalismo, Dídimo Paiva ganhou homenagem de colegas de trabalho e sindicalistas na forma de dois livros. O primeiro, "Passos de uma Paixão", conta a sua experiência pessoal e profissional, desde a infância em Jacuí, Sul de Minas, até a aposentadoria imposta.

 Aí se incluem depoimentos não apenas de jornalistas e dirigentes sindicais, mas de membros de outros segmentos sociais que reconhecem nele uma figura inquieta e de grande coragem ao enfrentar variadas formas e fontes de poder, nunca se dobrando e com isso contribuindo para a supressão de situações de injustiça e ilegalidade mediante reflexões e movimentos no sentido de mudanças em benefício coletivo.

No livro é exaltado o caráter - o bom caráter - do biografado. Ressalta-se, antes de tudo, a sua paixão pelo jornalismo, repelindo sucessivas tentações para deslocar-se rumo a outros ramos de atividade. No mesmo nível, coloca-se a sua lendária conduta de expor a sua opinião, por escrito ou cara a cara, em momentos diversos, seja em relação a um companheiro ou a um governante. Assim agiu sempre, mesmo nos momentos de recesso das liberdades individuais e coletivas, notadamente as do pensamento e a sua manifestação.

A intransigência quanto à liberdade de imprensa e a outros valores imprescindíveis numa sociedade democrática e sua expressão franca e diante de interlocutores poderosos lhe valeram incompreensões e rótulos relativos a vínculos político-partidários que formalmente nunca teve.

Até antigos combatentes da frente sindical alçados ao poder, como o ex-presidente Lula, foram premiados com as suas críticas mordazes, sem rodeios, e mesmo assim - fato singular - não deixaram de reconhecer suas virtudes de coerência e inflexibilidade quanto a questões insusceptíveis de remodelação em face de razões de momento e de interesses pessoais ou grupais.

O segundo livro, "Um Bunker na Imprensa", contém o pensamento de Dídimo Paiva. É uma amostragem de editoriais, reportagens, artigos, manifestações e cartas produzidas em quantidade e qualidade ao longo dos anos. Os textos cortam como espadas. Ferem a essência, sem se perderem em rebuscamentos e disfarces, embora fiéis à correção, como é próprio do jornalismo de qualidade como sempre praticou e pretendeu estender aos veículos que o convocaram para projetos inovadores.

Os livros mostram do ambiente familiar às redações, onde o biografado sempre foi chamado de compadre, mas, ao mesmo tempo, exibem a carência absoluta de contorcionismo em relação àquilo ou àqueles de quem discordava ou devia julgar por intermédio dos textos martelados com apenas dois dedos numa velha Remington.

Generoso ao reconhecer o considerado certo e bom, era e é impiedoso diante do mal, do incapaz, do mau-caráter, do incorreto e do desonesto. Fez e faz da palavra escrita ou falada um ferro em brasa, quase solitário espadachim neste mundo de acomodações e interesses.


(*) Ariosto da Silveira é jornalista. Artigo publicado em O Tempo em 29.10.2011.

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