O bloqueio é agressivamente extraterritorial e uma violação do Direito Internacional

                                          


Intervenção do ministro das Relações Exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez Parrilla, no 68º período de sessões da Assembleia Geral das Nações Unidas, Nova York, 29 de outubro de 2013

Senhor presidente:

O Departamento do Comércio dos Estados Unidos pôs como condições para emitir uma licença que autorize qualquer fornecimento de equipamentos, dispositivos ou medicamentos ao Centro de Cardiologia Pediátrica William Soler, de Havana, o emprego exclusivo destes em pacientes cubanos, monitorizar seu destino final, que não sejam empregados em atos de tortura, em violações dos direitos humanos, em produções biotecnológicas, nem que sejam reexportados. No apêndice E do formulário da licença pede inúmeros dados, com o objetivo de verificar que o centro de cardiologia pediátrica não tenha vínculos com a produção de armas químicas bem biológicas, com tecnologias de mísseis nem com armas nucleares.

 Dezenas de especialistas de prestígio, ao menos cinco reconhecidos hospitais estadunidenses e muitos outros no mundo conhecem bem esta instituição especializada em cardiologia e cirurgia pediátricas, que desde o ano 2010 já operou do coração 1.101 crianças e atendeu a milhares de pacientes mirins. Contudo, este centro de cardiologia pediátrica continua sendo qualificado pelo Departamento do Comércio estadunidense como “Hospital Denegado”.
                                                                     
 Em consequência, as meninas e meninos cubanos não podem ser tratados com o dispositivo Amplatzer, para curar a comunicação interauricular ou fechar o curto-circuito vascular no conduto arterial do coração, nem com os dispositivos utilizados no cateterismo intervencionista, ou receberem medicamentos de melhor qualidade para o tratamento da insuficiência cardíaca, antiarrítmicos e antibióticos de ultima geração.

 Por essa razão, dezenas de crianças tiveram que ser submetidas a cirurgias torácicas que poderiam ter sido evitadas. Outras centenas de crianças operadas, com hipertensão pulmonar, não puderam ser tratadas com gás óxido nítrico, que é uma das melhores técnicas terapêuticas disponíveis.

  Da mesma maneira, o Instituto de Cirurgia Cardiovascular carece de peças de reposição, contrastes e software avançado, para realizar cardiografias.

O hospital ortopédico Frank País não pode substituir a câmera Gamma SOPHA necessária para o diagnóstico de afecções tumorais malignas, infecções ósseas e articulares.

O Instituto de Medicina Tropical Pero Kourí não pode ter acesso ao medicamento antiviral em solução oral infantil Kalestra, ao não ter licença do Departamento do Tesouro para sua importação. Este medicamento inibe a replicação do vírus em crianças nascidas com Aids, aumenta sua imunidade e previne o aparecimento das doenças oportunistas.
                                                                            
Os danos que produz o bloqueio econômico, comercial e financeiro dos Estados Unidos imposto a Cuba são incalculáveis. Provoca sofrimentos e constitui uma violação em massa, flagrante e sistemática dos direitos humanos. Mais de 76% dos cubanos já viveu sob seus efeitos devastadores desde seu nascimento.

O bloqueio é qualificado como um ato de genocídio, segundo o artigo II da Convenção de Genebra de 1948 para a Prevenção e a Sanção do Delito de Genocídio; e também como um ato de guerra econômica, de acordo com a Declaração Relativa ao Direito da Guerra Marítima, adotada em 1909.

O Departamento de Estado mente e manipula dados do envio de dinheiro por parte da emigração e das pequenas doações de organizações não governamentais, que ele mesmo obstaculiza, para apresentar seu governo como um doador de ajuda humanitária para a nossa nação.

O memorando do vice-secretário assistente do Estado Lester Mallory, escrito em 6 de abril de 1960 e tornado público 30 anos depois, diz, cito:
                                                                     
“A maioria dos cubanos apoia Castro [...] Não existe uma oposição política efetiva [...] O único meio possível para fazer com que perca apoio interno [ao governo] é provocar o desencantamento e o desalento mediante a insatisfação econômica e a penúria [...] É preciso pôr em prática rapidamente todos os meios possíveis para enfraquecer a vida econômica [...] negando a Cuba dinheiro e suprimentos com o objetivo de reduzir os salários nominais e reais, com o objetivo de provocar fome, desespero e a derrubada do governo”. Fim da citação.

É bárbaro e insólito que, passados 53 anos, persista a mesma política.

Senhor presidente;

Os danos econômicos acumulados em meio século devido ao bloqueio perfazem já mais de US$ 1,57 trilhão (mais de um milhão de milhões).

Nós temos conseguido resultados incontestáveis na eliminação da pobreza e da fome, em índices de saúde e educação que são de referência mundial, na promoção da igualdade de gênero, na liberdade e no bem-estar equitativo, no consenso social, na participação democrática dos cidadãos nas decisões do governo, na reversão da deterioração ambiental e no desenvolvimento da cooperação internacional com uma centena de países do terceiro Mundo. Quanto mais teríamos podido fazer sem este colossal entrave ao nosso desenvolvimento e os enormes custos humanos e financeiros que nos tem imposto?

Durante o governo do presidente Obama o bloqueio se recrudesceu, particularmente no setor financeiro.

Historicamente, os Estados Unidos têm empregado na perseguição e vigilância de nossas transações financeiras e relações econômicas o enorme poderio tecnológico de seu sistema em massa de espionagem global, recentemente denunciado.

  Desde janeiro de 2009 até setembro de 2013 foram impostas multas a 30 entidades norte-americanas e estrangeiras, cujos montantes totalizam mais de US$ 2,446 bilhões, por manterem relações com Cuba e outros países.

Em dezembro de 2012, o banco britânico HSBC foi multado, pela mesma razão, com uma multa de US$ 375 milhões e o banco japonês Tókio-Mitsubishi UFJ com US$ 8,6 milhões.

Em março de 2013, a agência Reuters suspendeu os serviços de informação bancária e financeira.

 O cerco econômico se estreitou e seu impacto marca presença nas carências e dificuldades que sofre a família cubana em todos os aspectos de sua vida.

 Os Estados Unidos não são um parceiro comercial de Cuba, como afirmam sem nenhum tipo de vergonha seus representantes, porque não pode ser isso o Estado que para o qual não se pode exportar nem comprar produtos ou serviços, nem usar o dólar americano nas nossas transações; de cujas subsidiárias em terceiros países não nos é permitido adquirir nem mercadorias nem alimentos, devido à Lei Torricelli, a qual também proíbe entrar nos portos norte-americanos, durante 180 dias, navios do mundo todo que entrem em portos da Ilha; que impede a outras nações vender-nos tudo aquilo que tiver mais de 10% de seus componente norte-americanos ou exportar para os EUA qualquer produto que contenha matérias-primas cubanas. Não é parceiro nosso o Estado em que rege a Lei Helms-Burton, que alargou de forma inédita as dimensões extraterritoriais do bloqueio e codificou integralmente a “mudanças de regime” e a posterior intervenção em Cuba, nem o Estado que invoca a Lei de Comércio com o Inimigo, de 1917, tão só aplicável em tempo de guerra e unicamente vigente para Cuba.

Nossa pequena Ilha não é uma ameaça para a segurança nacional da grande superpotência. Então, por que os norte-americanos não podem ter acesso aos produtos cubanos de primeira qualidade, nem aos nossos medicamentos de última geração? Por que seus empresários estão perdendo chances de negócios? Por que não são abertos negócios que permitiriam criar empregos em tempos de crise? Por que as companhias norte-americanas não podem aceder à nova Zona Especial de Desenvolvimento de Mariel?    

As sanções permanecem intatas e são aplicadas com todo o rigor. Não é um assunto bilateral. O bloqueio é agressivamente extraterritorial e uma violação do direito internacional que dilacera a soberania de todos os Estados. É uma transgressão das normas internacionais de comércio e da liberdade de navegação. A cruel inclusão de medicamentos e alimentos quebranta o Direito Internacional Humanitário. É um ato hostil e unilateral que deve cessar unilateralmente.

Senhor presidente;

 O bloqueio é o obstáculo principal ao mais amplo aceso a internet e às tecnologias da informação e das comunicações, ao restringir a largura da banda da Ilha, tornar mais cara a conetividade e impedir a ligação aos cabos submarinos mais próximos.

As sanções limitam gravemente os contatos entre ambos os povos e os que são permitidos, os condicionam, sob os propósitos da “mudança de regime” e para provocar a desestabilização interna.

Apesar de que Washington tem autorizado muito seletivamente alguns intercâmbios culturais, acadêmicos e científicos, estes continuam sujeitos a severas restrições e múltiplos projetos deste tipo não puderam ser realizados devido às licenças negadas, os vistos e outras autorizações burocráticas.
                                                                       
Cuba é o único destino do planeta proibido para as viagens dos cidadãos estadunidenses. É um assunto constitucional relevante que, nessa matéria, os cidadãos norte-americanos não sejam iguais perante a lei, segundo sejam ou não de origem cubana.

O time nacional de beisebol ainda não conseguiu cobrar os pagamentos que lhe devem, devido a sua participação no 2º e 3º Clássicos Mundiais desse esporte, em 2009 e 2013. Uns 300 corredores norte-americanos tiveram sua licença negada e não puderam participar da maratona Marabana, em 2012.

Mais de 300 músicos, que participaram em dezenas de projetos artísticos nesse país, ainda não puderam receber remuneração alguma.

A emigração cubana sofre medidas discriminatórias. A resposta à reforma da lei migratória cubana, de janeiro de 2013, tem sido a persistência na implementação da Lei de Ajuste Cubano e da política “pés secos-pés molhados”, que alentam a emigração ilegal e insegura e o tráfico de pessoas, as quais provocam perdas de vidas humanas.

Curiosamente, o Gabinete de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) embargou os fundos de uma organização não governamental britânica, destinados a adquirir e distribuir no Reino Unido o livro A guerra econômica contra Cuba, de um autor europeu, produzido pela editora Monthly Review Press, com sede em Nova York.

Durante três meses, foram retidos os fundos do Conselho Latino-americano de Igrejas, previstos para custear sua 6ª Assembleia Geral, em Havana.

A cooperação humanitária, principalmente médica e educativa, que oferecemos a dezenas de povos, também é alvo de repressão.

O bloqueio é um ato inculto que impede o livre desenvolvimento das pessoas, o fluxo da informação, o intercâmbio de ideias e o desenvolvimento de vínculos culturais, esportivos e científicos.

A política estadunidense contra Cuba sofre de um absoluto isolamento e descrédito mundiais e carece de sustento ético ou legal. Isso ficou demonstrado pelos mais de 180 votos nesta Assembleia Geral, os discursos de dezenas de Chefes de Estado ou governo no Debate Geral e os argumentos dos Estados Membros e das Organizações Internacionais expostos no Relatório do Secretário-Geral das Nações Unidas.

Senhor presidente;

O presidente Obama poderia utilizar suas amplas faculdades constitucionais, ainda sem passar pelo Congresso, para gerar uma dinâmica que permita mudar a situação. Afinal, os norte-americanos dizem que ele foi eleito para a mudança. Que poderiam ganhar com a inércia de uma política velha, obsoleta, própria do confronto bipolar, doentia e eticamente inaceitável, que não tem funcionado durante 50 anos? Por que não escutar a opinião crescentemente majoritária na sociedade norte-americana e na emigração cubana, inclusive na Flórida, que apoia a normalização das relações bilaterais e se opõe ao bloqueio e à proibição de viajar?

Por que não aceitar que somos uma Nação e um Estado independente, igualmente soberano? Não seria melhor abrir mão pragmaticamente da obsessão ideológica, herdada de duas gerações anteriores de políticos estadunidenses, que nunca funcionou e deixar de gastar os dólares dos contribuintes para tentar, infrutiferamente, mudar o governo cubano?

 A persistência do Departamento de Estado de qualificar Cuba, de maneira arbitrária e infundada, como Estado patrocinador do terrorismo internacional, faz perder credibilidade aos Estados Unidos, pois precisamente a partir do seu território foram organizados, financiados e executados atos terroristas contra Cuba, que provocaram 3.478 mortos e deixaram 2.099 pessoas incapacitadas. Em Miami tem um cômodo refúgio o conhecido terrorista internacional Posada Carriles, enquanto se mantêm em injusta e prolongada prisão quatro dos Cinco lutadores antiterroristas cubanos. Que impede ao governo dos Estados Unidos pô-los em liberdade, como ato humanitário ou de justiça?
                                                         
Senhor presidente;

O governo de Cuba, com o apoio amplamente majoritário e a participação ativa do povo, continua empenhado em um profundo processo de transformações econômicas, enveredadas a tornar mais eficiente nossa economia socialista, melhorar o nível de vida da população e preservar as conquistas sociais da Revolução.

Estas transformações gozam de um amplo reconhecimento internacional e contam com a crescente cooperação de muitas nações, particularmente da região da América Latina e o Caribe, com o qual se fortalecem diversas formas de integração.

Os fundamentos da política norte-americana para Cuba se mantêm inalteráveis, ancorados na Guerra Fria.

 Senhor presidente:

Os perigos que ameaçam a existência de nossa espécie são graves e iminentes. Para preservar a vida humana é preciso salvaguardar a paz e para isso se torna indispensável uma mudança profunda na maneira de tratar e de resolver os problemas do mundo e os conflitos, mediante o diálogo e a cooperação, sem o egoísmo e a filosofia do despojo que conduzem à guerra, ao emprego da força e às medidas econômicas de coerção que, silenciosamente, também ferem e matam.

É certo que entre ambos os governos existem grandes diferenças, mas o único caminho produtivo é encontrarmos uma maneira civilizada de relacionamento, reconhecendo que somos Estados vizinhos mas diferentes e que só a cada povo cabe resolver seus próprios assuntos, seu sistema político e decidir acerca de sua economia, segundo seus legítimos interesses. Portanto, será preciso fazer com que predomine o diálogo, a negociação e, inclusive, a cooperação no que seja possível e conveniente, em benefício de ambos os povos e das relações hemisféricas.  

O recente reatamento das conversações migratórias e sobre o correio postal, assim como o desenvolvimento de contatos acerca de outros temas de interesse mútuo, como as operações de resposta a vazamentos de petróleo, os procedimentos de busca e salvamento marítimo e aeronáutico e a segurança aérea e da aviação, demonstram que isso é possível e útil.

O governo de Cuba, como expressão de sua decisão de paz e convívio respeitoso, reitera sua disposição de avançar no caminho da normalização das relações bilaterais e ratifica sua disposição de entabular um diálogo sério, construtivo, em condições de igualdade e pleno respeito à nossa independência.

Senhor presidente;

Mais uma vez, em nome do abnegado, heróico e solidário povo de Cuba, solicito aos representantes dos Estados Membros votarem a favor do projeto de resolução intitulado “Necessidade de pôr fim ao bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos da América contra Cuba”.

Muito obrigado.

Comentários