O lírio e a cidadania honorária

                                             

Carlos Lúcio Gontijo

         Em 2012, fui a Teresina, no Piauí, lançar o romance “Quando a vez é do mar” e visitar o amigo Magnus Martins Pinheiro, jornalista e professor universitário. De Teresina parti para Floriano, onde vive tia Otacília, irmã de minha saudosa mãe Betty Rodrigues Gontijo, que no ano que vem completará 100 anos.

Na quente e bela cidade de Floriano banhada pelo rio Parnaíba, estive com outro grande amigo, o querido Frei Vicente, um padre franciscano, que veio da Itália e adotou o Brasil como pátria. Há dois anos mais ou menos, já com a saúde debilitada, o velho frei viajou à sua terra natal, sob o objetivo de se despedir dos parentes e dizer-lhes que não voltaria à Itália, deixando-lhes bem claro que seu desejo final era ser sepultado na cidade de Floriano, que ao longo dos anos de sacerdócio se transformou no berço de sua alma e essência de sua vida.

          Na casa de minhas primas Maria do Carmo e Maria das Dores, ganhei de presente algumas mudas de um lírio africano, que foi trazido da distante África pelo Frei Vicente. Embalei as mudas da planta da melhor maneira que pude e as trouxe de avião até Belo Horizonte e, depois, de carro para Santo Antônio do Monte, onde as plantei no jardim de minha casa, sob nova denominação: “lírio de Frei Vicente”. Apenas uma das mudas vingou e está lá, em espontânea cidadania honorária, abraçada à terra do meu jardim, como se estivesse em solo africano ou na aridez do ensolarado município de Floriano.

          Dia 15 de novembro, numa proposição do vereador e presidente da Câmara Municipal de Santo Antônio do Monte, Luís Antônio Resende, torno-me cidadão honorário da cidade, na qual nasceram entes amados como o meu avô Antônio Lacerda, meu pai José Carlos Gontijo (89 anos) e minha esposa Nina. No solo santo-antoniense joguei bola no Flamengo, passei minha infância, cursei o ensino fundamental e o ensino médio. E, para fechar o destino de enraizado à cidade, no chão de Santo Antônio do Monte, sepultei o corpo sagrado de minha mãe – em mais uma prova inconteste de que somos e pertencemos à terra que nos acolhe, como se fosse o nosso berço.

          Cantamos Santo Antônio do Monte e sua gente durante todo o transcorrer de nossa carreira jornalística e literária. Os artigos com referência ao município santo-antoniense somam quase duzentos; vários são os poemas e muitas são as lembranças no desenrolar dos romances, nos quais destilo a visão de mundo que acumulei desde os tempos de criança vividos na afável sociedade dos montenses.

          Os que me conhecem sabem que somente sou capaz de receber aquilo a que julgo ser merecedor. Ou seja, quando me oferecem alguma honraria costumo olhar para mim mesmo, a fim de fazer a devida autocrítica. E no caso específico, sinto-me estar obtendo um documento que vem legitimar uma situação pré-existente – uma espécie de usucapião de cidadania efetivamente exercitada na mente, na alma e no coração.

          Real e metaforicamente, ao feitio do “lírio de Frei Vicente”, que fincou suas raízes na terra fértil de Santo Antônio do Monte, eu posso dizer, por fim, que sou santo-antoniense juramentado e legalmente sacramentado!

          Carlos Lúcio Gontijo é poeta, escritor e jornalista

           www.carlosluciogontijo.jor.br

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