A classe operária vai ao inferno
Fiat, com a ajuda do governo de Berlusconi, impõe
novo tipo de contrato de trabalho a seus operários
Achille Lollo (*) Roma, Itália
Durante quase um mês, os italianos tiveram que conviver com a chantagem emocional do administrador-geral da Fiat, Sergio Marchionne, que, em 15 de dezembro, afirmava que “a Fiat, após o acordo com a estadunidense Chrysler, se tornou uma multinacional inserida na economia global.
Antes, estava perdendo dinheiro na Itália. Por isso, para não fechar as fábricas de Turim (Mirafiori e Lingotto) e Nápoles (Pomigliano) e, consequentemente, para não precisar transferir ao exterior as respetivas linhas de montagem, foi necessário fazer um investimento de 11 bilhões de euros e operar um grande projeto de reestruturação, chamado 'Fábrica Itália'”.
Porém, Marchionne salientava que, “para haver um retorno financeiro capaz de satisfazer os investidores, devemos modificar as relações capital-trabalho que existem na Fiat e, assim, explorar devidamente toda a capacidade produtiva das linhas de montagem”.
Com os olhos fechados, o governo de direita apoiava em bloco as propostas de Marchionne, tanto que o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, na primeira reunião de 2011 dos chefes de Estado da União Europeia, em Berlim, admitia ser “justo um grupo empresarial como a Fiat fechar as fábricas de Mirafiori e de Lingotto e transferi-las ao exterior, onde é possível obter mais lucro”.
Ruptura sindical
Na Itália, além dos pequenos sindicatos pelegos – que sempre se posicionam com os patrões –, existem três grandes confederações (CISL, UIL e CGIL) que, nos últimos 30 anos, estiveram sempre juntas nas grande batalhas sindicais. Porém, desta vez, a CISL e a UIL (a primeira, católica; a segunda, trabalhista) quebraram o histórico processo de unidade sindical para apoiar o projeto de Sergio Marchionne. Infelizmente, as lideranças de Turim do partido reformista PD, o prefeito Chiamparino e seu sucessor Piero Fassino, bem como tantos outros da direção nacional – o ex-primeiro-ministro Massimo D' Alema, por exemplo –, confirmaram sua opção “social neoliberal” e logo apoiaram as exigências de Marchionne. Porém, diante do protesto de seus eleitores, foram obrigados a recuar, ficando em cima do muro.
A Federação Italiana dos Operários Metalúrgicos (Fiom), depositária da tradição sindical socialista e comunista e associada à central CGIL, juntamente com a nova central da esquerda militante, Cobas, foram as únicas forças que logo denunciaram a chantagem econômica da Fiat. A mídia, sobretudo, as televisões, apoiaram a montadora como nunca, veiculando sofisticados programas informativos cujo objetivo era manipular a opinião pública.
Disseram que a fábrica de Mirafiori estava praticamente fora de controle por causa dos “extremistas da Fiom e da Cobas” e que se os 11.400 trabalhadores das fábricas de Lingotto e Mirafiori não aceitassem o novo contrato individual, a Fiat não realizaria nenhum investimento naquelas fábricas, iniciando uma gradual transferência das linhas de montagem para a Fiat-Polônia, enquanto a direção ficaria nos Estados Unidos, onde Marchionne construiu a venda mascarada da Fiat à Chrysler. Legitimação Sergio Marchionne e John Elkann, presidente da Exor (a financeira da Fiat), finalmente conseguiram, no dia 12 de fevereiro, que o governo Berlusconi e parte da oposição de centro-esquerda legitimassem o projeto Fabrica Itália, com o qual a montadora introduziu um novo tipo de contrato que, na prática, torna o trabalho na linha de montagem mais duro e, proporcionalmente, menos renumerado. Por exemplo: antes, os operários tinham a opção de poder realizar até 40 horas de horas-extra por ano; com o novo contrato, eles serão obrigados a trabalhar 15 sábados para totalizar 120 horas de hora-extra em um ano, pagos com a mesma alíquota de anteriormente.
É necessário dizer que Sergio Marchionne conseguiu impor, primeiro aos 11 mil trabalhadores da Fiat de Pomigliano, depois aos 8 mil da Fiat Mirafiori, um contrato chantagista, em função das particulares condições políticas existentes na Itália. Ele tenta impor um novo tipo de contrato que elimina em 90% a representação sindical na fábrica e o direito de greve. Um projeto que vai muito além dos processos de flexibilização implementados na Alemanha pela Volkswagen e na França pela Renault, já que se trata de uma verdadeira chantagem que ameaça os operários com o desemprego caso eles continuem solidários com os sindicatos e as centrais que se negaram a assinar os protocolos do projeto Fábrica Itália. Analogias com 1975
Foi na Suécia do social-democrata Olaf Palme que a diretoria da Volvo tentou propor um novo contrato com o objetivo de acabar com o absentismo e aumentar a produtividade das fábricas. A empresa propôs substituir o contrato coletivo pelo individual, por meio do qual cada trabalhador estabelecia a carga horária (quatro ou sete horas), aceitando os novos ritmos de trabalho para aumentar a produtividade da linha de montagem.
Uma proposta que, na realidade, paralisou a central LO (social-democrata) e que foi derrotada quando o pequeno sindicato SAC (anarco-comunista) promoveu um protesto social que mobilizou – de Gotemburgo, no sul, a Kiruna, no extremo norte – a pacata classe operária sueca. A experiência da Volvo ensinou que para impor mudanças radicais nas relações capital-trabalho é necessário, antes de tudo, um contexto político em que as forças de esquerda estejam desqualificadas e sem poder de mobilização.
De fato, não foi casual que Sergio Marchionne apresentou o projeto “Fábrica Itália” agora e não em 2009. Por outro lado, é necessário lembrar mais uma vez que Fábrica Itália não é um projeto de flexibilização semelhante ao da Volkswagen que, para aumentar a produtividade, negociou com os sindicatos a redução de alguns direitos trabalhistas adquiridos, garantindo, porém, a estabilidade do emprego, uma maior valorização dos prêmios de produção e um proporcional aumento da mão de obra empregada.
A principal diferença entre os dois novos contratos é a representação do sindicato. Para a Volkswagen, este continuava sendo a contraparte que representava os trabalhadores e com o qual se negociava tudo, dos aumentos de ritmos à greve. No caso da Fiat, o sindicato perde sua função histórica de representar os trabalhadores para se transformar em uma entidade que se limita a estimular os operários a cumprir o contrato de trabalho, silenciando, assim, em relação a todas as anomalias e os problemas que ele provoca na linha de montagem.
Chrysler-Fiat, a nova “New-Co”
Em clima de carnaval, os italianos descobriram que, graças a Sergio Marchionne, o grupo Fiat estava sendo transformado em uma filial da Chrysler, visto que a fusão entre as duas multinacionais determinava a transferência para Detroit (EUA), em 2014, do centro de projetação tecnológico e do núcleo de engenharia da montadora italiana.
Tal projeto de transferências tecnológicas foi o principal argumento para convencer os governos estadunidense e canadense a emprestarem 6,9 bilhões de dólares para financiar a fusão. A principal consequência disso tudo é o rebaixamento qualitativo da linha de produção da Fiat, que, em quase dois anos, não lançou carro novo algum, tanto que em 2010 suas vendas baixaram quase 24% na Itália, enquanto na Europa a comercialização de seus automóveis representa apenas 8,5% do mercado.
Na prática, Marchionne, em vez de modernizar as fábricas da Fiat, está sucateando-as para podê-las adaptar mais facilmente à montagem de carros de luxo, cujos motores são fabricados pela Chrysler e que possuem 68% dos demais componentes importados da mesma montadora estadunidense. Em 2 de março, foi confirmada a “Cassa Integrazione” (suspensão do trabalho com salário de 75%) para todos os técnicos do Centro de Pesquisa de Balocco. Além disso, desde 14 de fevereiro os 5.400 operários da fábrica “Carrozzerie Mirafiori” foram dispensados até 1‹ de março de 2012.
Para completar, a fábrica que a Fiat tinha em Termini Imerese fechará as portas definitivamente. Se considerarmos que os carros populares (Fiat 500, 600, Punto e Bravo) são fabricados no exterior (Polônia, Brasil e Sérvia) e que no próximo ano Marchionne pretende transferir a tais praças a linha de montagem dos modelos “monobloco” da Lancia, fica evidente a necessidade de transferir, em 2014, até a direção da Fiat para Detroit, pois é ali que estão seus verdadeiros donos!
(*)Achille Lollo é jornalista italiano e editor do programa de TV “Quadrante Informativo” (Fonte: Brasil de Fato/Pátria Latina)
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