Avança a destruição do Rio Xingu

                                                                  

Oswaldo Braga de Souza e Isabel Harari (*)

A em­presa ca­na­dense Belo Sun anun­ciou, dia 2 de fevereiro, a con­cessão da li­cença de ins­ta­lação do pro­jeto Volta Grande de Mi­ne­ração, vi­zinho à hi­dre­lé­trica de Belo Monte, em Se­nador José Por­fírio (PA), antes de o go­verno pa­ra­ense for­ma­lizar a me­dida. A mi­ne­ra­dora pu­blicou um re­lease em in­glês com a no­tícia antes do fim da reu­nião da equipe da Se­cre­taria de Meio Am­bi­ente es­ta­dual (Semas) que dis­cu­tiria a au­to­ri­zação. O go­verno do Pará é che­fiado por Simão Ja­tene (PSDB).

Por volta das 17h, a re­por­tagem do ISA teve acesso ao re­lease da em­presa. Pouco de­pois, a as­ses­soria de im­prensa da Semas negou a in­for­mação. A li­cença só foi con­fir­mada no site da se­cre­taria à noite, horas mais tarde.↝↝↝↝

“O fato de a em­presa ter anun­ciado que tinha con­quis­tado a li­cença antes mesmo de sua for­ma­li­zação e pu­bli­cação pelo órgão am­bi­ental res­pon­sável de­monstra como foi tra­tado o li­cen­ci­a­mento do em­pre­en­di­mento, com total des­res­peito pelos pro­ce­di­mentos, sem trans­pa­rência, e com dis­pli­cência e des­caso com a vida das pes­soas que vivem na Volta Grande do Xingu”, cri­tica Adriana Ramos, co­or­de­na­dora da Po­lí­tica e Di­reito do ISA.

Pre­visto como a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil, o em­pre­en­di­mento é uma bomba-re­lógio am­bi­ental, com po­ten­cial de causar uma tra­gédia das di­men­sões do rom­pi­mento da bar­ragem em Ma­riana (MG), no final de 2015. A área pre­vista para a mina já é se­ri­a­mente im­pac­tada pela hi­dre­lé­trica: a re­dução de mais de 80% da vazão da água em 100 quilô­me­tros do Rio Xingu causou mor­tan­dade de peixes, piora da qua­li­dade da água e al­te­ra­ções drás­ticas no modo de vida de po­pu­la­ções in­dí­genas e ri­bei­ri­nhas.

Con­forme o es­tudo de im­pacto am­bi­ental en­tregue a Semas, o pro­jeto mi­ne­rário prevê deixar mon­ta­nhas gi­gantes de re­jeito com apro­xi­ma­da­mente duas vezes o vo­lume do Pão de Açúcar e a cons­trução de um re­ser­va­tório também de re­jeitos, ainda mais tó­xicos do que os li­be­rados no de­sastre de Minas Ge­rais. A mina tem o es­tudo de vi­a­bi­li­dade am­bi­ental as­si­nado pelo mesmo en­ge­nheiro in­di­ciado por ho­mi­cídio pelo rom­pi­mento da bar­ragem de Ma­riana .

A li­cença atro­pela pa­recer da Fun­dação Na­ci­onal do Índio (Funai) que exige a re­visão dos es­tudos sobre o com­po­nente in­dí­gena, pois en­tende que a versão apre­sen­tada pela Belo Sun é in­su­fi­ci­ente para ava­liar os im­pactos do em­pre­en­di­mento sobre os povos que ali vivem.

“Con­tra­ri­ando a ma­ni­fes­tação das ins­ti­tui­ções pú­blicas res­pon­sá­veis pelas po­pu­la­ções in­dí­genas, no­va­mente esses povos que são vul­ne­rá­veis são dei­xados em uma si­tu­ação de fra­gi­li­dade sobre os im­pactos de uma obra como essa, a exemplo do que acon­teceu com Belo Monte”, aponta André Villas-Bôas, se­cre­tário exe­cu­tivo do ISA.

A De­fen­soria Pú­blica da União (DPU) e a De­fen­soria Pú­blica do Pará in­gres­saram com duas ações para im­pedir a li­cença. O Mi­nis­tério Pú­blico Fe­deral (MPF) en­viou à Se­cre­taria de Meio Am­bi­ente do Pará uma re­co­men­dação contra a me­dida. Já havia duas ou­tras ações an­te­ri­ores mo­vidas pelo MPF contra o em­pre­en­di­mento.

Con­sulta aos povos in­dí­genas

Ben Hur Da­niel da Cunha, de­fensor pú­blico fe­deral, ex­plica que a li­cença pode ser sus­pensa até que sejam feitos os es­tudos do com­po­nente in­dí­gena. “Não foi obe­de­cido o pro­ce­di­mento que exige que sejam feitos os es­tudos pré­vios de im­pacto am­bi­ental, no caso o im­pacto sobre a po­pu­lação in­dí­gena. Essa de­cisão im­pede que essas co­mu­ni­dades exerçam um di­reito bá­sico, que é par­ti­cipar das de­ci­sões sobre suas vidas”, alerta. O pe­dido da DPU deve ser ana­li­sado até a pró­xima quarta (8/2) e re­quer a ma­ni­fes­tação do go­verno pa­ra­ense e da Belo Sun.

As co­mu­ni­dades in­dí­genas di­re­ta­mente afe­tadas não foram con­sul­tadas sobre o pro­jeto, como de­ter­mina a Con­venção 169 da Or­ga­ni­zação In­ter­na­ci­onal do Tra­balho (OIT), ra­ti­fi­cada pelo Brasil. Apesar disso, o co­mu­ni­cado da em­presa pu­bli­cado no dia 2 diz ex­pressar “gra­tidão aos go­vernos es­ta­dual e mu­ni­cipal, bem como às co­mu­ni­dades lo­cais pelo seu apoio a esse pro­jeto”.

Em abril de 2016, a Semas chegou a marcar uma ce­rimônia para anun­ciar a li­cença, mas voltou atrás de­pois da re­per­cussão ne­ga­tiva. Al­guns meses de­pois, um re­la­tório da ONU sobre Povos In­dí­genas no Brasil de­nun­ciou a si­tu­ação. “Uma li­cença foi emi­tida pelo go­verno do Pará para o pro­jeto de mi­ne­ração Belo Sun, que está bem pró­ximo da hi­dre­lé­trica de Belo Monte e que afeta di­re­ta­mente a co­mu­ni­dade dos Ju­runa. Isso acon­teceu na au­sência de con­sulta para obter o con­sen­ti­mento livre, prévio e in­for­mado dos povos in­dí­genas en­vol­vidos e sem a con­dução do ne­ces­sário e ur­gente es­tudo dos im­pactos am­bi­en­tais, so­ciais e de di­reitos hu­manos acu­mu­lados. Os po­ten­ciais são assim um as­sunto de grave pre­o­cu­pação”, es­creveu a re­la­tora Vic­toria Tauli-Corpuz .
                                                                  
Uma das con­di­ções para a con­cessão da li­cença am­bi­ental de Belo Monte foi o mo­ni­to­ra­mento do trecho de vazão re­du­zida do Rio Xingu por seis anos, já que os es­tudos in­di­caram que não havia cer­teza sobre os im­pactos so­ci­o­am­bi­en­tais da obra na área. Um novo me­ga­em­pre­en­di­mento não po­deria, por­tanto, ser im­plan­tado na re­gião antes desse pe­ríodo.

Em maio do ano pas­sado, o se­cre­tário de Meio Am­bi­ente do Pará, Luís Fer­nandes Rocha, pro­meteu re­a­lizar os es­tudos sobre os im­pactos so­ci­o­am­bi­en­tais acu­mu­lados e si­nér­gicos dos dois me­ga­em­pre­en­di­mentos antes de tomar qual­quer de­cisão quanto à li­cença. Pro­cu­ra­dores, de­fen­sores pú­blicos, am­bi­en­ta­listas e or­ga­ni­za­ções in­dí­genas e de ri­bei­ri­nhos exigem que, além da ava­li­ação desses im­pactos, um plano so­ci­o­am­bi­ental que ga­ranta as con­di­ções de vida das po­pu­la­ções lo­cais seja apre­sen­tado pela ad­mi­nis­tração es­ta­dual.



O pro­jeto “Volta Grande”

A mi­ne­ra­dora tem a pre­tensão de se ins­talar a 9,5 km de dis­tância da Terra In­dí­gena (TI) Pa­qui­çamba, a 13,7 km da TI Arara da Volta Grande do Xingu e também pró­xima à TI Ituna/Itatá, ha­bi­tada por in­dí­genas iso­lados.

A mina en­contra-se pró­xima da Vila da Res­saca, co­mu­ni­dade de 300 fa­mí­lias que de­pende da roça, pesca e do ga­rimpo ar­te­sanal para so­bre­viver. Se o pro­jeto “Volta Grande” sair do papel, elas terão que ser re­as­sen­tadas.

Em 12 anos, a es­ti­ma­tiva é que serão ex­traídas 600 to­ne­ladas de ouro. Ao final da ex­plo­ração, as duas pi­lhas gi­gantes de re­jeito de ma­te­rial es­téril qui­mi­ca­mente ativo terão, so­madas, área de 346 hec­tares e 504 mi­lhões de to­ne­ladas de ro­chas, sem pre­visão para sua re­moção.


(*) Oswaldo Braga de Souza e Isabel Ha­rari são mem­bros do Ins­ti­tuto So­ci­o­am­bi­ental.

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(Com o Correio da Cidadania)

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