Carta aberta ao prefeito de BH Marcio Lacerda
Praça da Estação, 11 de dezembro de 2010
Márcio, querido, rogo que escute os conselhos desta sua velha tia. Tenho observado, muito de perto, as feridas que tem aberto nesta cidade e a proliferação delas me causa um grande desconforto. Sempre admirei sua capacidade administrativa e os seus dotes empresariais. No entanto, mesmo sendo sua tia, não consegui acreditar nas promessas do jovem Neves e de Pimentel a nosso povo, pois sabia do enorme abismo que separa um bom administrador de um grande Prefeito. E foi o que lhe disse, não é mesmo? No exato dia em que me confidenciou que iria se candidatar ao cargo. Desta feita, escrevo esta cartinha, porque você não é mais o menininho que posso colocar de castigo e estou muito preocupada com a integridade de Belo Horizonte e com a sua, uma vez que, meu filho, tentas administrar, enquanto deveria governar, a capital do estado dos inconfidentes e tenho sentido muita reprovação dos cidadãos belorizontinos às suas ações.
No domingo pela tarde, combinei com alguns amigos, de reviver os velhos tempos na Estação, apenas nos sentarmos no hall e observarmos as pessoas indo e vindo, o trem chegar e partir, tomar um café e jogar conversa fora. Sim, não há mais o trem, mas temos o metrô, a dona Maria que vende balas e ainda costumamos nos reunir por lá anualmente, até que a memória dos trens morra conosco. O acontecido foi que, ao me aproximar de um dos mais importantes e belos espaços cívicos da cidade, caí estupefata, pois havia no horizonte da Praça da Estação, um muro. Vendo aquela imagem, recordei do muro de Berlim, e, como ele já caiu há muitos anos, pensei estar, nos altos de minha idade, dentro de um delírio senil. Foi triste perceber que aquilo não era produto de minha velhice. Então, percorri todo o muro sem entender como um espaço Público pode tornar-se privado, como pode uma prefeitura transformar a Estação em praça privada? Imagine que já tenho muitas limitações, mas tamanho era o meu assombramento, que tive energia suficiente para dar a volta completa na praça. Aquela belíssima Praça, espaço de transição para os que acessavam a Estação, espaço de trocas, de encontro, de civilidade, de humanidade: murada! E eu, cidadã belorizontina, obrigada a ficar do lado de fora.
E isto não foi tudo, no meio da volta, vi que alguns cidadãos iam se aproximando e eram recebidos por policiais que os revistavam um a um. Como pode uma prefeitura receber seus nobres habitantes em praça pública, com revista policial? Pelo vão de acesso, onde haviam vários policiais, vi um palco no interior da praça. Descobri que iria acontecer um Show em comemoração à Declaração Universal dos Direitos Humanos e ao aniversário de Belo Horizonte. Como acompanhei o 1° Show dos Direitos Humanos, ainda durante a ditadura, resolvi entrar para assistir um pouco, contudo fui informada que era preciso ter ingressos. Ingressos para entrar na Praça Pública? Então, olhei de fora o monumento para A Terra Mineira, um homem livre até das roupas e que alça aos céus uma bandeira, e ele também estava cercado e murado, abaixei a cabeça e com outros belorizontinos, desingressados, fui embora.
Meu filho, exatamente no Show dos Direitos Humanos, presenciei a sociedade sendo privada de seu direito mais elementar, que é o de ir e vir e em plena Praça Pública. Não se impõe ao povo a lei e a ordem restringindo seus direitos. É necessário organizar a vida em sociedade, sim, mas é preciso o diálogo para isso. Cercar, murar, coagir, recriminar, despejar, remover… de nada irá resolver os problemas da população, e nem os seus, enquanto administrador.
Agora pergunto: “E você? Por que não foi ao Show Direitos Humanos? A comemoração do aniversário da cidade que tentas presidir?” Sabes que não sou a tia ranzinza. És um filho para mim, e só lhe chamo a atenção quando a situação fica realmente crítica. Sabemos que esta sua ação na Praça não foi pontual. Contando as feridas que tem deixado expostas neste último ano,o de 2010, relembro: Em janeiro proibiu a realização de eventos, de qualquer natureza, na Praça da Estação (sem falar que, em 2009, proibiu cães, bicicletas, skates, patins em todas as praças e jardins da capital); Em março tentou proibir o FIT, Festival Internacional de Teatro; Em abril, expulsou os índios pataxós da feira Hippie e os pipoqueiros das ruas da cidade; Em maio, abandonou os parques e jardins da cidade, a despeito de vários pedidos de espaço verde em orçamentos participativos; Em junho, transformou a Praça da Estação em apoteose da Coca-cola e conseguiu transformar a exibição daquele que é consagrado como esporte com maior capacidade de socialização em um evento particular (você alugou a Praça!); Em agosto, anunciou que vamos perder mais uma chance de termos um transporte público digno e cancelou os investimentos no metrô para COPA de 2014; Em setembro, retirou o Quarteirão do Soul das ruas e expulsou os moradores das Torres Gêmeas, a despeito do apelo da consultora da ONU, Raquel Rolnik; Em outubro retirou as feiras de produtores de verduras das ruas e prometeu retirar alguns sacolões ABC, de preços populares, compostos por hortifrutigranjeiros de pequenos produtores da região; Em novembro, decidiu vender importantes terrenos e imóveis de domínio da prefeitura, (81 ao todo) tal como a residência oficial do prefeito, na orla da Pampulha (com mobiliário que inclui um quadro de Guignard), e também decidiu pela ampliação da pavimentação do rio Arrudas, com a intenção de ampliar as vias de transporte e esconder a podridão em que se encontra o ribeirão onde papai pescava; E ainda promete que 20.000 cidadãos belorizontinos serão despejados de suas casas.
Meu querido, sei que suas intenções não são as piores, mas você está utilizando os referenciais errados e caminha na contramão do desenvolvimento histórico do Brasil. Filho, você jamais conseguirá varrer a pobreza para debaixo do tapete da periferia, pois a classe baixa também trabalha no centro e na Zona Sul e está em todos os lugares, inclusive estará na COPA de 2014. Jamais conseguirá resolver o transporte investindo em meios privados, quanto mais se ampliam as vias, mais se multiplicam os carros e o problema continua sempre o mesmo (veja o exemplo da Linha Verde). Jamais conseguirá fazer com que a cidade se torne segura, reprimindo a população, lotando as ruas de guardas municipais (já são 1.965) e polícias (5.300 só em BH), retirando feirantes, pipoqueiros, aniquilando a vitalidade da rua.
Querido, depois de anos de desenvolvimento e muitos tropeços, a classe baixa no Brasil tem o mesmo direito de habitar a cidade que a classe alta, e o urbanismo contemporâneo busca meios de qualificar a vida nas vilas e favelas, mantendo os moradores em suas casas, nas regiões centrais. Remoção e despejo são itens do século passado. Hoje se investe recursos no transporte público, como meio de melhorar o transito na cidade – você não tinha me falado que ficou impressionado com o transporte público em Paris? Pois bem, saiba que ele é público e subsidiado pelo Estado, e não privado como aqui. A segurança pública se dá quando os habitantes se sentem pertencentes a um território e eles mesmos cuidam, vigiam, e também por isto é importante que a vivacidade dos espaços públicos seja garantida, com a presença de pipoqueiros, vendedores ambulantes. A cidade não é uma empresa. Não se pode atropelar cidadãos pensando apenas no desenvolvimento econômico, enriquecimento dos cofres públicos, no crescimento eficiente, higiênico, homogêneo, lucrativo. A cidade não é mercadoria, é o local do encontro, da civilidade, de urbanidade, da diversidade e assim deve ser tratada.
Tenho visto muitas manifestações ocorrerem em frente à prefeitura, na praça, nas ruas. E soube que você sempre sai pela porta de trás e ainda é recebido com vaias inflamadas em todas as aparições que faz em público. Meu filho, você é muito novo, mas a Belo Horizonte que não conheceu tinha bonde (utilizado por pobres e ricos), tinha um parque aberto no centro da cidade, tinham muitas praças realmente públicas, tinha um ribeirão e vários córregos limpos, abertos e utilizados pela população, e tinha, principalmente, uma população convidada a participar da política de Belo Horizonte e um Prefeito que ouvia os cidadãos belorizontinos, um a um, no hall de entrada da prefeitura, transformado em seu gabinete.
Então, rogo que avalie as suas posturas e repense as suas ações em nossos Horizontes. Caso contrário, nunca chegará a se tornar um Prefeito.
Com todo respeito e carinho,
Da tia querida, que muito te admira, sempre de perto.
13 de dezembro de 2010
Márcio, querido, rogo que escute os conselhos desta sua velha tia. Tenho observado, muito de perto, as feridas que tem aberto nesta cidade e a proliferação delas me causa um grande desconforto. Sempre admirei sua capacidade administrativa e os seus dotes empresariais. No entanto, mesmo sendo sua tia, não consegui acreditar nas promessas do jovem Neves e de Pimentel a nosso povo, pois sabia do enorme abismo que separa um bom administrador de um grande Prefeito. E foi o que lhe disse, não é mesmo? No exato dia em que me confidenciou que iria se candidatar ao cargo. Desta feita, escrevo esta cartinha, porque você não é mais o menininho que posso colocar de castigo e estou muito preocupada com a integridade de Belo Horizonte e com a sua, uma vez que, meu filho, tentas administrar, enquanto deveria governar, a capital do estado dos inconfidentes e tenho sentido muita reprovação dos cidadãos belorizontinos às suas ações.
No domingo pela tarde, combinei com alguns amigos, de reviver os velhos tempos na Estação, apenas nos sentarmos no hall e observarmos as pessoas indo e vindo, o trem chegar e partir, tomar um café e jogar conversa fora. Sim, não há mais o trem, mas temos o metrô, a dona Maria que vende balas e ainda costumamos nos reunir por lá anualmente, até que a memória dos trens morra conosco. O acontecido foi que, ao me aproximar de um dos mais importantes e belos espaços cívicos da cidade, caí estupefata, pois havia no horizonte da Praça da Estação, um muro. Vendo aquela imagem, recordei do muro de Berlim, e, como ele já caiu há muitos anos, pensei estar, nos altos de minha idade, dentro de um delírio senil. Foi triste perceber que aquilo não era produto de minha velhice. Então, percorri todo o muro sem entender como um espaço Público pode tornar-se privado, como pode uma prefeitura transformar a Estação em praça privada? Imagine que já tenho muitas limitações, mas tamanho era o meu assombramento, que tive energia suficiente para dar a volta completa na praça. Aquela belíssima Praça, espaço de transição para os que acessavam a Estação, espaço de trocas, de encontro, de civilidade, de humanidade: murada! E eu, cidadã belorizontina, obrigada a ficar do lado de fora.
E isto não foi tudo, no meio da volta, vi que alguns cidadãos iam se aproximando e eram recebidos por policiais que os revistavam um a um. Como pode uma prefeitura receber seus nobres habitantes em praça pública, com revista policial? Pelo vão de acesso, onde haviam vários policiais, vi um palco no interior da praça. Descobri que iria acontecer um Show em comemoração à Declaração Universal dos Direitos Humanos e ao aniversário de Belo Horizonte. Como acompanhei o 1° Show dos Direitos Humanos, ainda durante a ditadura, resolvi entrar para assistir um pouco, contudo fui informada que era preciso ter ingressos. Ingressos para entrar na Praça Pública? Então, olhei de fora o monumento para A Terra Mineira, um homem livre até das roupas e que alça aos céus uma bandeira, e ele também estava cercado e murado, abaixei a cabeça e com outros belorizontinos, desingressados, fui embora.
Meu filho, exatamente no Show dos Direitos Humanos, presenciei a sociedade sendo privada de seu direito mais elementar, que é o de ir e vir e em plena Praça Pública. Não se impõe ao povo a lei e a ordem restringindo seus direitos. É necessário organizar a vida em sociedade, sim, mas é preciso o diálogo para isso. Cercar, murar, coagir, recriminar, despejar, remover… de nada irá resolver os problemas da população, e nem os seus, enquanto administrador.
Agora pergunto: “E você? Por que não foi ao Show Direitos Humanos? A comemoração do aniversário da cidade que tentas presidir?” Sabes que não sou a tia ranzinza. És um filho para mim, e só lhe chamo a atenção quando a situação fica realmente crítica. Sabemos que esta sua ação na Praça não foi pontual. Contando as feridas que tem deixado expostas neste último ano,o de 2010, relembro: Em janeiro proibiu a realização de eventos, de qualquer natureza, na Praça da Estação (sem falar que, em 2009, proibiu cães, bicicletas, skates, patins em todas as praças e jardins da capital); Em março tentou proibir o FIT, Festival Internacional de Teatro; Em abril, expulsou os índios pataxós da feira Hippie e os pipoqueiros das ruas da cidade; Em maio, abandonou os parques e jardins da cidade, a despeito de vários pedidos de espaço verde em orçamentos participativos; Em junho, transformou a Praça da Estação em apoteose da Coca-cola e conseguiu transformar a exibição daquele que é consagrado como esporte com maior capacidade de socialização em um evento particular (você alugou a Praça!); Em agosto, anunciou que vamos perder mais uma chance de termos um transporte público digno e cancelou os investimentos no metrô para COPA de 2014; Em setembro, retirou o Quarteirão do Soul das ruas e expulsou os moradores das Torres Gêmeas, a despeito do apelo da consultora da ONU, Raquel Rolnik; Em outubro retirou as feiras de produtores de verduras das ruas e prometeu retirar alguns sacolões ABC, de preços populares, compostos por hortifrutigranjeiros de pequenos produtores da região; Em novembro, decidiu vender importantes terrenos e imóveis de domínio da prefeitura, (81 ao todo) tal como a residência oficial do prefeito, na orla da Pampulha (com mobiliário que inclui um quadro de Guignard), e também decidiu pela ampliação da pavimentação do rio Arrudas, com a intenção de ampliar as vias de transporte e esconder a podridão em que se encontra o ribeirão onde papai pescava; E ainda promete que 20.000 cidadãos belorizontinos serão despejados de suas casas.
Meu querido, sei que suas intenções não são as piores, mas você está utilizando os referenciais errados e caminha na contramão do desenvolvimento histórico do Brasil. Filho, você jamais conseguirá varrer a pobreza para debaixo do tapete da periferia, pois a classe baixa também trabalha no centro e na Zona Sul e está em todos os lugares, inclusive estará na COPA de 2014. Jamais conseguirá resolver o transporte investindo em meios privados, quanto mais se ampliam as vias, mais se multiplicam os carros e o problema continua sempre o mesmo (veja o exemplo da Linha Verde). Jamais conseguirá fazer com que a cidade se torne segura, reprimindo a população, lotando as ruas de guardas municipais (já são 1.965) e polícias (5.300 só em BH), retirando feirantes, pipoqueiros, aniquilando a vitalidade da rua.
Querido, depois de anos de desenvolvimento e muitos tropeços, a classe baixa no Brasil tem o mesmo direito de habitar a cidade que a classe alta, e o urbanismo contemporâneo busca meios de qualificar a vida nas vilas e favelas, mantendo os moradores em suas casas, nas regiões centrais. Remoção e despejo são itens do século passado. Hoje se investe recursos no transporte público, como meio de melhorar o transito na cidade – você não tinha me falado que ficou impressionado com o transporte público em Paris? Pois bem, saiba que ele é público e subsidiado pelo Estado, e não privado como aqui. A segurança pública se dá quando os habitantes se sentem pertencentes a um território e eles mesmos cuidam, vigiam, e também por isto é importante que a vivacidade dos espaços públicos seja garantida, com a presença de pipoqueiros, vendedores ambulantes. A cidade não é uma empresa. Não se pode atropelar cidadãos pensando apenas no desenvolvimento econômico, enriquecimento dos cofres públicos, no crescimento eficiente, higiênico, homogêneo, lucrativo. A cidade não é mercadoria, é o local do encontro, da civilidade, de urbanidade, da diversidade e assim deve ser tratada.
Tenho visto muitas manifestações ocorrerem em frente à prefeitura, na praça, nas ruas. E soube que você sempre sai pela porta de trás e ainda é recebido com vaias inflamadas em todas as aparições que faz em público. Meu filho, você é muito novo, mas a Belo Horizonte que não conheceu tinha bonde (utilizado por pobres e ricos), tinha um parque aberto no centro da cidade, tinham muitas praças realmente públicas, tinha um ribeirão e vários córregos limpos, abertos e utilizados pela população, e tinha, principalmente, uma população convidada a participar da política de Belo Horizonte e um Prefeito que ouvia os cidadãos belorizontinos, um a um, no hall de entrada da prefeitura, transformado em seu gabinete.
Então, rogo que avalie as suas posturas e repense as suas ações em nossos Horizontes. Caso contrário, nunca chegará a se tornar um Prefeito.
Com todo respeito e carinho,
Da tia querida, que muito te admira, sempre de perto.
13 de dezembro de 2010
(Imagem:internet/Divulgação)
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