UMA TARDE NO SENADO






Hermínio Prates (*)

Inadvertidamente dei uma zapeada no controle da televisão e caí de olhos em um furibundo senador que empunhava a espada dos injustiçados. Ele denunciava o que dizia ser uma “solerte e sórdida campanha” contra a sacra instituição.
Nós somos – dizia ele – os pais da República. Somos verdadeiros heróis na defesa da sociedade. Eu me considero um bastião da transparência e da honestidade!
A verborréia não era de um “bastião” qualquer, quiçá o berro de um paisano batizado como Sebastião e que, como é normal acontecer, assimila o diminutivo Bastião.
Não amigos, quem vituperava era o impoluto senador Francisco de Assis de Morais (PPS-PI), que se fez notório com o apelido Mão Santa. Santa? Cuidado com a rima, pois muitos podem se lembrar da quadrilha Mão Branca, integrada por irlandeses das docas de Nova York e que trocavam tiros e facadas com a Mão Negra, organização criminosa que dominava a região do Brooklyn. Por sinal, a Mão Negra ensangüenta a obra de Mario Puzo, que revela como o chantagista da colônia italiana é justiçado pelo revoltado Vito Antolini, depois Corleone, na saga que fez a fortuna de tantos e que é uma pequeníssima mostra da influência mafiosa no destino dos macarroni que foram obrigados a trocar a massa das mamas pela fome nos subúrbios da Nova York nos derradeiros anos do século XIX, início do século XX. Quem quiser saber mais sobre a Mão Negra que consulte os escritos de Mario Puzo ou veja/reveja a trilogia fílmica de Francis Ford Coppola sobre um chefão tão poderoso que conquistou a admiração até de quem cospe nas “tradições” americanas. Graças ao talento de Marlon Brando, é claro. E ainda há o que se admirar nos quase estreantes Robert De Niro e Al Pacino. Para não falar de Nicolas, que é sobrinho do Coppola, mas adotou Cage como nome fantasia para evitar insinuações envolvendo o parente famoso.
E o Mão Santa? Ah, me lembrei! Em uma sonolenta tarde ele estava presidindo os “estafantes” trabalhos do Senado. E a revolta do homem era contra um juiz que o incriminara em um processo que apurava os deslizes em pretéritas campanhas eleitorais, o que poderia impedir sobrevida ao esperto. O político se dizia injustiçado por alguém que “não entendia o papel representado por um senador”.
“Nós somos o que de melhor existe em uma democracia. Sem o Congresso não há nada! Nós somos o saber! Esse juiz é um menino de recado de alguém. Eu não me amedronto, pois o Senado é uma trincheira de valentes. Eu enfrentei a ditadura de peito aberto”.
E sabem como o danado enfrentou as botas militares?
- Fui secretário municipal de saúde em 1972, fui prefeito, secretário estadual de saúde, deputado duas vezes, governador e senador. Eu tenho história!..
Para corroborar seu caminhar heróico pediu o testemunho de Marco Maciel (DEM-PE), aquela magra figura de tão esquálida importância na política brasileira, mesmo tendo ocupado mais cargos de destaque do que o ridículo parceiro de abastanças. Mão Santa assegurou que o senador Maciel também foi um herói da resistência. Mas não foi ele que se iniciou na política graças ao apoio do IPES, organização de direita e financiada com dinheiro da CIA para desestabilizar a então combativa UNE? E ele também não foi um biônico da ditadura? De onde veio esse heroísmo?
Outro chamado a hipotecar solidariedade ao indignado mandarim da pátria foi o Mozarildo Cavalcanti (PTB-RO), que quase causou um constrangimento ao informar ao iracundo discursador que nenhum juiz toma a iniciativa de uma ação. E que só age quando motivado por um cidadão ou pelo Ministério Público, que também não integra o judiciário.
O Mão Santa se calou? Que nada. Preferiu ironizar a CPI do Judiciário, que levou à desdita Nicolau dos Santos Neto, o ex-juiz Lalau. E que só aconteceu porque – explicou o paraense – “o saudoso e não menos valoroso Antônio Carlos Magalhães requereu a investigação do Judiciário”. E como a casa é pródiga em acomodar estranhas figuras, também fez uso dos microfones e câmeras o senador Heráclito Fortes (DEM-PI), aquele que tem bochechas de tocador de tuba e que não pode se orgulhar de muita coisa, pois de denúncias várias também sofre.
Lembra do Cascatinha, aquele personagem humorístico da Escolinha do Professor Raimundo? Pois ele se materializou no plenário na figura do vacilante Garibaldi Alves (PMDB-RN) e também resmungou algumas falas de apoio ao “perseguido” colega. Ainda bem que naquele solene momento adentrou o sacro recinto do Senado a figura imponente e impune do mais uma vez presidente da grei, o imortal José Sarney, aquele que é dono de metade do Maranhão, embora cave reeleições pelo Amapá. Como é? Ele é do Maranhão, mas recolhe votos no Amapá? Será que pode? Pode sim, seu bobo, desde que se seja doutor em maracutaias.
E os trabalhos senatoriais prosseguiram com a dinâmica de sempre. Eu, ao sentir o estômago dando cambalhotas, tratei de me desconectar da TV Senado.
Ainda bem que as urnas dessa vez foram sábias e derrotaram todos, deles nos deixando livres na próxima legislatura.

(*) Hermínio Prates é jornalista
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herminioprates@ig.com.br


(Ilustração: Mão Santa/Desciclopédia-Alhazred/Divulgação e Marlon Brando/Batistão/AE/Google/Divulgação)

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