NOEL ROSA



No centenário de Noel Rosa, fãs

lembram trajetória do Poeta da Vila

Vida e obra do compositor são destaques

em rodas de samba, filme e livro


Aluizio Freire Do G1 RJ


Durante um animado bate-papo em um boteco de Vila Isabel, na Zona Norte do Rio, os integrantes da mesa atravessam a tarde lembrando histórias e sambas antológicos do compositor mais ilustre do bairro. Naquele espaço, tão contagiante que atrai curiosos de todas as idades, a trajetória de Noel Rosa (1920-1937), cujo centenário é comemorado neste sábado (11), é contada em versos e prosas.
Nessa reunião improvisada, uma das figuras mais encantadoras do grupo é Araken Martins Costa, 85 anos, que enche o peito de orgulho ao contar que conheceu o Poeta da Vila e que morava em frente a casa do mestre, na Teodoro da Silva, esquina com a Visconde de Abaeté.
No local, foi construído há cerca de 50 anos um prédio de oito andares, o Edifício Noel Rosa.
“Ele era notívago. Passava as noites bebendo, com os amigos, compondo seus sambas, e dormia durante o dia. A mãe dele contava que quando saía sempre deixava um bilhete avisando que ia gravar, mas virava a noite”, lembra, cheio de admiração pela atitude do boêmio, fumante inveterado, apesar da saúde frágil, e compositor que escrevia letras memoráveis em guardanapos de papel.
Com tantas histórias na ponta da língua sobre o grande ídolo do bairro, Araken passou a atrair muitos jovens interessados em conhecer a controvertida figura do homem que compôs canções inesquecíveis como “Com que roupa?”, “Palpite infeliz”, “Dama do cabaré” e “Último desejo”, entre tantos outros sucessos.
“Às vezes descia de manhã e parava na 28 de Setembro com a Rua Souza Franco para engraxar os sapatos com o Paschoal, um amigo. Vaidoso, costumava usar sapatos bicolores. Ele iniciava uma conversa, mas logo começava a cochilar na cadeira”, revela o historiador informal do compositor.
Musas
Com muita lucidez e uma memória invejável, o antigo vizinho de Noel entra na deliciosa polêmica sobre a musa inspiradora para a música "Três apitos".
À época, cogitou-se que a canção seria dedicada a uma moça de nome Clara, vizinha e conhecida da família e com quem Noel Rosa mantinha um relacionamento. A principal pista era o fato de ela trabalhar na fábrica de tecidos Confiança, em Vila Isabel, onde hoje se encontra o Supermercado Extra Boulevard.
Mas, para Araken e outros estudiosos da obra do compositor a música teria sido feita para Josefina Telles Nunes, que trabalhava numa fábrica de botões na Rua Barão de Mesquita, no Andaraí.
Há ainda outras polêmicas amorosas que envolveram o nome de Noel, apesar de casado com Lindaura Medeiros Rosa. “Ele foi apaixonado pela Ceci (Juracy Corrêa de Moraes, dançarina de cabaré), mas ela também teve um caso com Wilson Batista e namorou o Mário Lago”, conta, rindo, como quem revela um segredo de alcova.
Para ele, a melhor resposta do Poeta da Vila para o episódio é a composição "Quem ri melhor", feita para o carnaval de 1937. A musa ainda teria inspirado a canção “Pra que mentir?”.
Passeio musical
O músico Adilson Pereira, o Adilson da Vila, é outro estudioso da obra desse homem que é considerado um dos maiores nomes da música popular. E, na mesa do bar, pede a palavra. “Durante seis meses fiquei estudando o samba de Noel e a influência dessas canções na vida de quem mora em Vila Isabel. É uma riqueza que o mundo precisa conhecer”, exalta.
Com a benção de bambas como tias Surica e Doca, Seu Argemiro e Monarco, Adilson formou a Velha Guarda Musical para divulgar a obra do Poeta de Vila Isabel. Começaram a tocar em aniversários, depois acompanharam shows de Zeca Pagodinho e Marquinhos Satã.
Diante do sucesso, ganharam o mundo. Já se apresentaram na Rússia, China e países do Oriente Médio com o show “Vila canta e conta sua história”.
Mas o trabalho mais gratificante que essa turma faz é o projeto “Passeio Musical”, que tem atraído muitos turistas. “É uma forma de trazer o público para conhecer esse bairro, berço do samba. Vamos conduzindo as pessoas pelas calçadas e tocando as músicas sobre as partituras de Noel. No passeio, que cruza a Avenida 28 de Setembro, os visitantes podem apreciar a estátua de Noel erguida em 1996. O próximo passeio será no dia 20 de janeiro.
“É uma emoção muito grande fazer parte desse universo musical tão rico. Cada momento como esse vale uma vida”, revela, emocionada, a intérprete do bloco “Mulheres da Vila”, Juju Bragança, acompanhada por Fátima Mendes, Márcia Rossi, Idália Vilaça, Maria Zilca, Jurema Mendes e Célia Mota. Quem dirige o grupo é Nádia Cursino.
Vida e obra
A paixão pela vida e obra de Noel Rosa pode ser explicada pela riqueza de suas canções, mas também pela morte prematura de um gênio da música, o cronista de uma época, como é reconhecido pelos pesquisadores.
Noel de Medeiros Rosa nasceu em 11 de dezembro de 1910, em Vila Isabel, de um parto difícil. Os dois médicos que o atendiam tiveram que usar o fórceps. O uso do instrumento teria sido a causa do afundamento do seu maxilar.
Ele é o primeiro dos dois filhos de Manuel Garcia de Medeiros Rosa e Martha Corrêa de Azevedo.
Aos 12 anos, Noel começou a estudar no Colégio São Bento. O sonho dos pais era que ele se formasse em medicina, como o avô e o tio. Chegou a entrar na universidade, mas interrompeu os estudos para enveredar pelo mundo do samba.
Compôs mais de 250 músicas, a maioria sucessos que são lembrados até hoje.
Sua maior influência musical em casa foi a avó materna, Rita, que tocava piano. Mas, com o pai e amigos, entre eles Vicente Sabonete, aprendeu a tocar bandolim.
Foi no Bando de Tangarás, grupo que formou ao lado de João de Barro, o Braguinha, Almirante, Alvinho e Henrique Brito que começou sua carreira.
Em 1934, Noel contraiu tuberculose, doença que causaria sua morte em 4 de maio de 1937. Morreu aos 26 anos, quatro meses e 23 dias deixando fãs e amigos inconsoláveis.
Em 2010, numa defesa apaixonada de Martinho da Vila, para que o centenário do compositor não passasse em branco pela escola, Noel Rosa foi homenageado no enredo da Unidos de Vila Isabel.
O livro que melhor retrata a vida e obra do Poeta da Vila é “Noel Rosa - Uma biografia”, escrito pelo jornalista João Máximo e o pesquisador e biógrafo Carlos Didier.
A trajetória do músico também é lembrada em palestras do professor Luiz Ricardo Leitão e no documentário dirigido por Ricardo van Steen.
Texto: / Postado em 11/12/2010 ás 08:31

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