Sonho e realidade na América do Sul

Antonio José Ferreira Simões


UMA DÉCADA se passou desde que o Brasil tomou a iniciativa de convocar, em Brasília, a 1ª Reunião de Presidentes da América do Sul, realizada no ano 2000. Quase oito anos depois, em maio de 2008, o presidente Lula recebeu os chefes de Estado da região para a assinatura do tratado que fundou a União Sul-Americana de Nações (Unasul).
Para quem hoje observa a intensidade da agenda regional, é difícil imaginar que, até há pouco, os líderes do continente jamais tivessem se reunido. Dez anos atrás, a articulação da América do Sul não passava de um sonho. Hoje, é uma realidade concreta.
As estatísticas comprovam o sucesso da integração sul-americana. Desde o ano 2000, o comércio total do Brasil com a região passou de US$ 22 bilhões para US$ 63 bilhões. Em 2002, nossas exportações para os vizinhos somaram US$ 7,5 bilhões.
Em 2008, alcançaram 38,4 bilhões: um aumento de 412%. Em 2009, o índice de bens industrializados nas exportações brasileiras para a região alcançou cerca de 90% -vendemos, na nossa vizinhança, bens de alto valor agregado. Essas mercadorias geram renda e empregos com carteira assinada para milhões de brasileiros.
A presença das empresas brasileiras na América do Sul é crescente e tem transformado a infraestrutura de países vizinhos, com a construção de estradas, aeroportos, hidrelétricas, petroquímicas. Para apoiar esse esforço, o Brasil financia parte dos projetos, sobretudo por meio do BNDES.
O total de financiamentos em 2009 chegou a US$ 8 bilhões para a América do Sul. Cerca de US$ 3,1 bilhões referem-se a projetos em execução ou já concluídos, e outros US$ 4,9 bilhões, a projetos já aprovados.
São obras que ajudam a economia brasileira e contribuem para o desenvolvimento dos países da região. Os investimentos diretos das empresas brasileiras também têm crescido.
Na Argentina, por exemplo, o estoque total é estimado em US$ 8 bilhões. A América do Sul é o espaço primordial para a transnacionalização das empresas brasileiras.
Nem ingenuidade nem ideologia explicam a vertente sul-americana da política externa brasileira. Por ser o Brasil a maior e mais diversificada economia da região, é inevitável que o país exerça o papel de propulsor da integração. Solidariedade não é sinônimo de ingenuidade.
Porque queremos abrir mercados na América do Sul, interessa-nos que nossos vizinhos também sejam cada dia mais prósperos.
O Brasil deseja que a prosperidade e a justiça social se espalhem pela América do Sul. A política solidária não é incompatível com a busca de nossos legítimos interesses.
Um Brasil que contribui para a prosperidade continental reforça suas credenciais como fator de estabilidade e progresso no mundo. Junto com isso, avançam a democracia e um sistema econômico aberto.
Será preciso, porém, reforçar a consciência de nossos interesses comuns de longo prazo. Se franceses e alemães tivessem optado, no final da 2ª Guerra Mundial, pelos ganhos de curto prazo, perdendo-se na mesquinhez da contabilidade das reparações e no exercício das recriminações, teria sido possível construir o edifício que é hoje a União Europeia?
A política externa brasileira para a América do Sul não se pauta apenas por uma visão pragmática de viabilização de negócios e investimentos mas também está imbuída de uma visão política, estratégica, social e cultural de longo prazo.
Aqui, idealismo e realismo se combinam: o primeiro nos inspira a buscar um futuro melhor; o segundo nos estimula a colocar as mãos à obra.
(*) Antonio José Ferreira Simões é subsecretário-geral da América do Sul, Central e do Caribe do Ministério das Relações Exteriores (MRE). Foi embaixador do Brasil em Caracas (2008-2010), diretor do Departamento de Energia (2006-2008) e secretário de Planejamento Diplomático (2005-2006) do MRE.
(Ilustração: Google)

Comentários