Cabo Dias, o revolucionário de 1935

                                                      

                  103 anos do nascimento de Giocondo Dias

Milton Pinheiro (*)

Está completando 103 anos do nascimento de Giocondo Dias, o dirigente político que substituiu Luiz Carlos Prestes na Secretaria Geral do PCB. Trata-se do cabo Vermelho, um dos comandantes do governo revolucionário de quatro dias, no Rio Grande do Norte, em 1935.

Chamado pela historiografia de Cabo Dias ou, simplesmente, o camarada Dias, ele nasceu na cidade de Salvador, em 18 de novembro de 1913, no centro histórico dessa cidade. Descendente de italianos por parte de mãe e de portugueses por parte de pai, Giocondo trabalhou em armazéns de secos e molhados e, depois, como ajudante de padres, em várias igrejas do centro histórico expandido de Salvador. 

A luta pelo sustento da família não permitiu que ele terminasse sequer o curso primário, embora tenha se matriculado várias vezes. O que restava para um jovem pobre e lutador, naquele período, era ingressar no exército para garantir a continuidade do sustento familiar. Contudo, antes de entrar para o exército, ele entrou em contato com as ideias que movimentariam a sua vida e pelas quais lutaria por toda a sua existência.

Em 1932, em Pernambuco, Giocondo Dias se alista no 21º Batalhão de Caçadores e entra oficialmente para o exército brasileiro. Logo depois eclode o movimento de descontentamento da burguesia paulista com o Governo Getúlio Vargas, que ficou conhecido na história oficial como a “Revolução Constitucionalista de 1932”.

Ao terminar sua participação nas disputas entre o governo de Vargas e as tropas arregimentadas pela burguesia paulista, o 21ºBC, que em 1931 havia se levantado contra o usineiro e governador de Pernambuco Lima Cavalcante (quase foi dissolvido após esse episódio), foi enviado para a fronteira. Giocondo, que havia participado de combates e operações, estava neste momento, numa região inóspita de fronteira, onde o batalhão foi quase liquidado por doenças tropicais. 

Esse batalhão sempre mostrou um desejo ardente por transformação social. Giocondo cita que ao chegar ao quartel, no início da sua vida militar, encontrara nas paredes muitas pichações com as seguintes frases: “Viva o Comunismo”, “Viva Luiz Carlos Prestes”.

Mas a ingerência política do então governador de Pernambuco, Lima Cavalcanti, não permitiria o retorno do 21º BC à sua terra e a saída foi fazer uma troca, o 29º BC de Natal iria para Pernambuco e o 21º BC iria para o Rio Grande do Norte. Manifestando assim, nesse momento, o uso e abuso das classes dominantes sobre o exército brasileiro.

O Cabo Vermelho

Giocondo Dias, por bravura e heroísmo na luta contra as tropas paulistas, tinha sido promovido a Cabo. Em 1933 se encontrava em Natal, onde sua liderança crescia dentro do quartel. Provavelmente em 1934 teria entrado em contato com o PCB. Embora, para outras fontes, a sua entrada no partido teria se dado em agosto de 1935.

O ano de 1934 é de intensa agitação política e com grande insatisfação popular nos centros urbanos, fazendo com que, ao final daquele ano e início de 1935, ocorressem greves que deixaram paralisados mais de 1,5 milhões de trabalhadores pelo Brasil. Operários, estudantes, lutadores antifascista, contribuíram para que o ano de 1935 fosse fortalecido com a fundação, logo no seu início, da ANL (Aliança Nacional Libertadora), em 30 de março, tendo um programa progressista que obteve ampla repercussão. Contando com forte presença nos quartéis, liderança do PCB e comando de Prestes. Embora se fizesse notar uma destacada presença de segmentos que não eram organizados pelo partido.

Essa articulação aliancista agrupou, em trezentas cidades e 17 Estados, algo mais que um milhão de pessoas. Tratava-se de um operador político que, pela sua importância, foi atacado pelo governo Vargas e seus aparatos repressivos, sendo fechado em 12 de julho de 1935. Começava então um momento histórico de muitas precipitações políticas e de avaliações voluntaristas e dogmáticas.

Após entrar para o partido, Giocondo foi desenvolver a sua militância na mesma célula do sapateiro Praxedes, e de outros militantes, no bairro chamado Petrópolis, em Natal. Começa uma grande articulação nacional que colocava a questão do poder na ordem do dia. 

Essa movimentação ficaria restrita ao aparato militar do partido e, para muitos historiadores, grande parte dos CRs (Comitês Regionais) do partido não tinham conhecimento do que estava ocorrendo. Finalmente, a partir de uma inflexão da base militar do PCB, articulada com poucos membros da cúpula do partido, a partir das informações do Secretário Geral da época (Miranda), e com o conhecimento de Luiz Carlos Prestes, é desencadeado o movimento insurrecional de 1935.

O movimento revolucionário começou em Natal, no Rio Grande do Norte, na noite do dia 23 de novembro, quando o 21º BC se sublevou, tomando a cidade e o batalhão da polícia, depois de uma luta feroz que durou 19 horas. Os revolucionários tiveram o apoio da população e formaram o Comitê Popular Revolucionário (CPR). 
                                                       
O Cabo Dias, líder revolucionário, participa nesse momento da indicação dos membros do governo provisório que foi composto por Lauro Cortês Lago (ministro do interior), José Batista Galvão (ministro da viação), José Praxedes, sapateiro que era o Secretário Político do PCB naquele momento, seria o ministro do abastecimento, Quintino Clemente de Barros, que era sargento, ministro da defesa e José Macedo, ministro das finanças. Estava assim constituído o Primeiro Governo Popular da República Brasileira, que ficou quatro dias no poder.

O velho sapateiro Praxedes, comunista de longa tradição, em relatos no primeiro semestre de 1982, nos informou que o Governo Provisório era todo composto por militantes do PCB, embora eles não fizessem a distinção dentro ANL.

O líder revolucionário, Cabo Dias, articulou várias ações que iam definindo os rumos do levante. Todavia, as tropas do governo federal estavam no interior do estado, vindas da Paraíba e de Alagoas, marchando para Natal. A correlação de forças na luta era muito desfavorável. O Cabo Dias ao tentar encontrar meios para reorganizar os combatentes, e evitar as precipitações, foi atingido por 3 tiros tendo que ser socorrido e levado rapidamente para o hospital. 

Mas, antes impediu que o atirador fosse fuzilado por seus camaradas. Do hospital, prevendo a derrota do levante, encaminhou um carro como escolta do quartel para resgatar a sua família. No retorno, quando o carro passava pela chefatura de polícia, foi alvo de vários tiros e um deles alvejou a cabeça da jovem Sinhá, cunhada do Cabo Dias, que morreu naquele momento.

A insurreição não avançou, mesmo com os levantes do dia 24 em Recife e do dia 27 no Rio de Janeiro. O levante foi dominado em todo o país.

O Cabo Dias empreendeu fuga, conseguiu se esconder numa fazenda no interior do Estado e lá, em circunstâncias periféricas ao movimento, foi covardemente ferido, levando 13 facadas e ficando à beira da morte jogado numa estrada vicinal. O líder revolucionário se recuperou. No entanto, ficou preso em Natal quando sofreu uma nova tentativa de assassinato que não se consumou. 

Ficou na cadeia por mais de 1 ano, quando foi solto em Salvador (para onde havia sido transferido), pelo ato de anistia conhecido como “macedada”, em 1937. E, mesmo solto, foi procurado pela polícia em Salvador, tendo que entrar para uma rigorosa clandestinidade até meados de 1945.

Os bastidores da reorganização do PCB, na Bahia

Apesar das grandes desconfianças em virtude de infiltrações, Giocondo Dias articula seu contato com o partido na Bahia através de conversas com João Falcão. Mesmo na clandestinidade, se transforma num importante dirigente do CR da Bahia, instância que era reconhecidamente a mais importante do partido no Brasil naquele momento.

No começo dos anos 1940 se constituiu o chamado “Grupo Baiano” que iria preparar e realizar a conferência do PCB, em 1943. Era um contingente de militantes baianos e não baianos, mas que na Bahia haviam se encontrado, a exemplo de Carlos Marighella, Armênio Guedes, Moisés Vinhas, Giocondo Dias, Aristeu Nogueira, Milton Caíres de Brito, Arruda Câmara, Leôncio Basbaum, Alberto Passos Guimarães, Jacob Gorender, Maurício Grabois, Praxedes, Osvaldo Peralva, Boris Tabakoff e Jorge Amado. Mário Alves a partir de 1942 e Ana Montenegro, em 1945. Era um conjunto extraordinário de militantes, intelectuais e dirigentes que marcou a história do PCB e do Brasil de forma indelével.
                                                                 
Durante o período de clandestinidade, Giocondo Dias foi condenado à revelia pelo Tribunal de Segurança Nacional (TSN) há 6 anos e 6 meses. Na clandestinidade fez uma cirurgia para retirar as balas que o atingiram no levante de 1935. Ainda nesse período de dura clandestinidade nasceram seus filhos: Gilberto (1938), Antonio Eduardo (1940) e Eduardo Luís (1942), depois ainda teria mais um filho (já que Ana Maria nasceu em Natal, no Rio Grande do Norte, antes desse período), com D. Lourdes, a companheira de sempre.

Um fato novo ocorreu na vida do partido na Bahia. Voltando do exílio em 1943, Jorge Amado informou ao CR da Bahia que existia uma articulação nacional para reorganizar o partido e que estava sendo feito pela CNOP (Comissão Nacional Provisória do PCB), constituída no Rio de Janeiro pelo chamado “Grupo Baiano”. Pouco tempo depois, em passagem pela Bahia, João Amazonas conversaria com Giocondo Dias e João Falcão sobre o partido. 

É desse período histórico a realização da II Conferência Política do PCB, que ocorreu nos dias 27, 28 e 29 de agosto de 1943 num local entre Barra do Piraí e Engenheiro Passos, região da Serra da Mantiqueira. A partir daí o partido passaria a ter uma direção e a CNOP elege, in absentia, Luiz Carlos Prestes Secretário Geral do PCB. Nesse momento re-começa o trabalho de construção da unidade partidária e da organização política do partido em todo o país. Na Bahia o Secretário Político era Giocondo Dias.

Novos tempos…

O Estado Novo estava desmoronando, aquele aparato que perseguiu, torturou e matou comunistas sucumbiu diante das lutas sociais e dos novos tempos do mundo. Era o fim do governo despótico que havia enviado grávida, a heroína comunista, Olga Benário Prestes para os campos de concentração da Alemanha nazista para ser assassinada. Lá nasceu sua filha, Anita Prestes, símbolo de uma luta sem trégua contra a barbárie.

O povo tomou as ruas, o PCB se transformou no operador político da vanguarda brasileira. Caiu o Estado Novo no dia 18 de abril de 1945. Nesse dia histórico, na condição de Secretário Político do PCB na Bahia, e ao lado de Mário Alves, Carlos Marighella, Fernando Santana e João Falcão, Giocondo Dias fala para as massas da sacada de um prédio na praça municipal, no centro de Salvador. Era o líder revolucionário falando para os trabalhadores da sua terra. A história marchava para frente, a luta de classes favorecia ao proletariado, a burguesia reacionária encontrava-se debilitada e o PCB dirigia a esquerda brasileira.

Em junho de 1946, na III Conferência Política do PCB, realizada no Rio de Janeiro, Giocondo Dias é eleito para o Comitê Central. Nesse encontro, a vida do Cabo Vermelho é conhecida pela primeira vez dentro do partido e ele passou a gozar de uma grande admiração diante da descoberta de seus feitos em 1935. Ao término dessa conferência foi apresentado, publicamente, o CC (Comitê Central) na sede da UNE. Era sem dúvida um grande feito histórico. Foi eleito um CC com 29 efetivos e 15 suplentes. Entre os efetivos, além de Prestes, chamava à atenção a presença dos integrantes do “Grupo Baiano”.

No processo eleitoral de 1945 o partido teve uma grande participação. Seu candidato à presidência, o engenheiro Yedo Fiúza, tinha tido quase 10% dos votos e Prestes foi eleito Senador, juntamente com 14 deputados federais pelo PCB, e mais três por outros partidos. O PCB encontrava-se num momento de grande visibilidade pública.

Em janeiro de 1947 ocorreram eleições para deputados estaduais e governador. Na Bahia, o PCB lançou uma chapa composta por mais de 20 militantes e liderada por Giocondo Dias, mas que ainda tinha a presença de Ana Montenegro, Mário Alves, Jaime Maciel e o líder operário que seria depois condecorado na URSS, João dos Passos. Essa chapa elegeu dois deputados: Giocondo Dias e Jaime Maciel. Em Sete de abril de 1947 foi instalado os trabalhos da Assembleia Legislativa com caráter Constituinte. Giocondo Dias teve uma participação importante nos debates da Constituinte, levando para este espaço político as propostas dos trabalhadores.

Mas a burguesia interna, reacionária e golpista, articulou a reação conservadora para enfrentar os trabalhadores. No dia 7 de maio de 1947 cassou o registro do PCB. Começava uma longa jornada em defesa do partido que tinha uma presença enorme entre os trabalhadores, quase duzentos mil filiados, 17 deputados federais, 64 deputados estaduais, um senador legendário (mais bem votado do país) e um candidato a presidente que havia tido 10% dos votos na eleição nacional.

O PCB reagiu em todo país. Lutou nas diversas trincheiras, fez manifestações, publicou comunicados em seus jornais, a exemplo daqueles que saíram no jornal O Momento na Bahia, mas foi derrotado. Logo em seguida, no início de 1948, os parlamentares comunistas são cassados e um tempo de trevas se abriu novamente para aqueles que sempre lutaram pela liberdade.

No dia 8 de maio, Giocondo Dias fez um discurso na Assembleia Legislativa da Bahia, em nome dos “interesses do povo e da classe operária da nossa terra”. E no dia 14, realizava o seu discurso final, onde afirmava “[…] Um comunista é homem que sabe cumprir o dever e resistir à todas os arreganhos da reação e dos potentados senhores das classes dominantes.” E concluiu seu discurso dizendo que chegará um tempo onde “não haverá mais lugar para ditaduras terroristas como a que ora infelicita a nação, ditadura que nosso povo repudia e saberá substituir por um governo de sua confiança, um governo popular.” E concluiu dando vivas a Luiz Carlos Prestes.

Recomeça a longa noite…

Já na clandestinidade, Giocondo chega ao Rio de Janeiro em 15 de abril de 1948 e é designado pelo partido para ser um dos responsáveis pela segurança de Prestes. Em 1949, Giocondo, ficou efetivamente encarregado da segurança do Cavaleiro da esperança, agora já em São Paulo, substituindo ao João Amazonas. Assim, Giocondo era a única pessoa que tinha as informações sobre Prestes e sobre o aparelho onde esse residia, fazendo a ponte com a direção do partido.

O partido entrou na mais profunda clandestinidade e seus dirigentes mergulharam nos subterrâneos da luta. No entanto, em meados dos anos 1950, com a eleição de Juscelino (apoiado pelo PCB), ventos de liberdades democráticas modificaram a cena política brasileira.

Nesse mesmo período vem a público o relatório do XX Congresso do PCUS que traria uma larga crise ao partido. Mas após muitos debates o PCB supera aquele momento e numa reviravolta política, a partir da articulação de Giocondo Dias, apresenta uma nova linha política. Essa nova orientação foi apresentada pelo CC em março de 1958, ficando conhecida como a Declaração de Março. Esse documento contou com o apoio de Prestes, afinal, para o Secretário Geral, era a mediação possível no sentido de manter a unidade do partido. Vale ressaltar o papel primordial que tiveram Mário Alves e Jacob Gorender na elaboração do documento.

O PCB está, através da nova orientação, na ante-sala das articulações políticas. Termina o governo Juscelino, passa o episódio Jânio Quadros e agora é o governo Goulart. A Declaração de Março permitiu a reinserção do PCB na política nacional, todavia, se constituiu num instrumento para uma política reboquista frente ao governo e ao processo político em curso, permitindo vacilações frente à conjuntura de crise. Giocondo era, nesse período, o segundo dirigente na estrutura partidária na condição de Secretário de Organização e com o prestígio político em ascensão. Afinal, foi o articulador da nova linha política.

Era um momento muito importante na história do PCB e do Brasil: massas nas ruas, trabalhadores em greve, reformas de base em discussão e estratégias políticas em debate. O partido estava no ápice do seu papel de vanguarda no pós 1946, dirigia a classe operária via o GCT (Comando Geral dos Trabalhadores), estava no comando dos sindicatos rurais, através da CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), tinha muitos militantes nas forças armadas e nas forças públicas (PM). 

Poderia se dizer que o PCB estava com possibilidades de criar momentos de dualidade de poder. O que fazer? Continuava a indefinição dentro do partido (qual seria o caminho a seguir?), no governo o ambiente político era de confusão e vacilação. Todavia, a reação burguesa encontrou o seu caminho histórico, consolidou uma aliança dentro e fora do país, colocou as tropas na rua e deu o golpe burgo-militar de 1º de abril de 1964, efetivando assim a contra-revolução de forma preventiva.

A derrota política

Giocondo Dias estava alinhado em um campo dentro do partido que examinava o acirramento político, do início de 1964, com preocupação. Ele compreendia que o partido não tinha forças, naquele momento, para colocar a questão do poder na pauta da ação concreta. E, em virtude disso, temia que algo de muito grave ocorresse. Comprovou-se sua tese, a autocracia burguesa se rearticulou e impôs um golpe de classe no Brasil. Dias, assim como o partido, de forma mais dura ou menos fechada, entraram para a clandestinidade. Uma velha forma de vida e militância, conhecida por ele há muito tempo.

Nesse cenário político Giocondo Dias consolidou a sua liderança e lançou o documento “Manifesto ao Partido”. Prestes estava isolado dos debates, por se encontrar blindado na clandestinidade em virtude da repressão. Operavam no campo da luta política dois grupos: um liderado por Dias, que era composto por Geraldo Rodrigues, Jaime Miranda, Orlando Bonfim e Dinarco Reis, tendo o acompanhamento intelectual de Alberto Passos Guimarães, que era sempre consultado por Giocondo e outro, que era composto por Carlos Marighella, Mário Alves e Jover Telles.

Nesse processo, quanto mais o regime “endurecia”, mais estragos o partido sofria. Na disputa interna para encontrar uma orientação política, que refletisse sobre o golpe e apontasse o caminho para enfrentar a autocracia burguesa, foi convocado o VI congresso que viria ocorrer em dezembro de 1967, em São Paulo.

É um momento de grande ruptura política e orgânica que abriu uma fenda profunda na maior força política da esquerda brasileira. O PCB, agora sem os dissidentes, encontrou um novo rumo. Estava formulada a política de Frente Única com o chamamento à participação de amplas camadas populares. O trabalho do partido com base na “linha” definida começa a se mostrar vitoriosa, quando, ao mesmo tempo, os aparatos repressivos massacravam os bravos heróis, que mesmo equivocadamente, optaram pela luta armada. Dias sofreu muito com os assassinatos de camaradas e amigos de longas jornadas, como Mário Alves e Carlos Marighella.

Giocondo Dias operava na clandestinidade. Um terço do CC estava no exílio. Prestes já havia saído do país para não ser eliminado pela repressão, se estabeleceu em Moscou. A ditadura era impactada pelo o avanço das lutas sociais e políticas. Nesse momento a ditadura se voltou contra o PCB e lançou várias operações para destruir o partido. A repressão queria acabar com o papel do PCB na operação política que começava a abalar o poder do regime. 

Utilizando-se de várias técnicas, a repressão conseguiu com sucesso infiltrar seus agentes no partido, para, a partir daí, efetuar prisões e assassinar quadros dirigentes e lideranças de frente de massa. Quando começou o ano de 1974, essas operações avançaram e até 1976 conseguiram efetuar quase 700 prisões de militantes do partido e mais de 20 assassinatos de dirigentes, sejam eles do CC, CRs ou da base, como o operário Manuel Fiel Filho e o jornalista Vladmir Herzog.

Aqui no Brasil, na clandestinidade, Giocondo Dias sentiu o cerco da repressão que se fechava sobre ele e notando que ele corria risco, o CC no exílio, em conjunto com o governo Soviético, designou o baiano José Salles para organizar uma operação no sentido de tirá-lo do Brasil. Foi uma longa e bem sucedida operação, comandada pelo jovem dirigente que mais tarde viria a ser o Secretário Geral Adjunto do Partido, no exílio. Salles saiu com Dias pela fronteira do sul e conseguiu seguir em diversos vôos até Moscou.

Do Exílio ao comando do PCB: o papel do General da tática

Giocondo Dias se estabeleceu primeiro em Moscou e depois em Paris, onde passou a trabalhar em conjunto com outros dirigentes comunistas em um escritório cedido pela CGT. Era um trabalho de articulação política junto aos exilados da Frente de combate à ditadura brasileira. Ele fazia reuniões, desenvolvia contatos, articulava o partido no exterior e criava pontes para entrar em contato com seus camaradas no Brasil. Trabalhava de forma incessante. No exílio, ainda em Paris, Dias perde a companheira de sua vida. Faleceu D. Lourdes, a camarada Lourdes, a mulher que conviveu ombro-a-ombro com ele por toda uma jornada de vida.

Com a direção do partido quase toda no exílio, novas polêmicas se apresentaram no debate interno do CC. De um lado se postava o Cavaleiro da Esperança e do outro, mesmo sem demonstrar querer o combate, colocava-se o líder da maioria do CC, Giocondo Dias. Ele viajou por toda a Europa, discutindo com os camaradas do PCB e dos outros Partidos Comunistas. No Brasil a luta de massas avançava; a política econômica da ditadura fracassava, a Frente política crescia no parlamento desde as eleições de 1974, se organizavam lutas contra a carestia, pela anistia e por eleições gerais.

Era chegado o momento de voltar ao Brasil. Giocondo Dias retornou no dia 2 outubro de 1979. Alegre, e motivado, ele tenta organizar a sua vida para melhor atender a reconstrução do Partido.Reencontra sua mãe, que pouco depois faleceu, e se casa novamente. Mas a situação do PCB era de profunda cisão entre Prestes e o CC. Após algumas tentativas de resolução do longo impasse, o legendário Secretário Geral lança uma “Carta aos Comunistas” e se afasta da direção. É nesse contexto que o CC se reúne no dia 12 de maio de 1980 e, mesmo bastante desfalcado, por mortes e desaparecimentos, elege Giocondo Dias para a Secretaria Geral do PCB.

Giocondo Dias na condição de Secretário Geral viajou para Moscou, esteve em vários países da Europa, em Cuba, na China, sempre em reuniões com as lideranças comunistas. No Brasil, esteve em contato político com diversas forças que efetivaram a transição. O dirigente Dias, longe do cabo vermelho, agora era o General da tática. Operava na mediação da democracia e não conseguia perceber que a tática estava derrotando a estratégia socialista.

Na consolidação da política de frente Democrática, Giocondo Dias trabalhou na perspectiva da realização do VII congresso que começa no dia 13 de dezembro de 1982, em São Paulo, com a participação de 86 delegados. Contudo, a polícia invade o local e prende todos. Mais uma vez o velho combatente estava na cadeia. Todavia, 3 dias depois seria solto. Mesmo assim, ele seria mais uma vez detido quando retornava de uma viagem a Moscou, em 1985.

O velho dirigente Giocondo Dias seria ainda, antes de morrer, homenageado no Brasil e no exterior pela sua incansável luta em defesa da Democracia, da Paz e da perspectiva do Socialismo.

Mas um novo inimigo se apresentou para um último combate, Dias descobriu que tinha um tumor no cérebro. Foi tratado em Moscou, onde fez uma cirurgia em janeiro de 1987. Retornou ao Brasil e faleceu no dia 7 de setembro desse mesmo ano, seu corpo foi velado na AL (Assembléia Legislativa) do Rio de Janeiro e por lá passaram autoridades políticas, velhos e novos camaradas, intelectuais e simples tra- balhadores. Havia falecido um herói, o Cabo Vermelho, que nos legou um patrimônio de 52 anos de militância no Partido Comunista Brasileiro, o Partidão. Uma legenda da história não oficial do Brasil.

(*) Milton Pinheiro é sociólogo e cientista político, professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Editor da revista Novos Temas e autor/organizador, entre outros, dos livros A reflexão marxista sobre os impasses do mundo atual (Outras Expressões, 2012) e Teoria e prática dos conselhos operários (Expressão Popular, 2013), em conjunto com Luciano Martorano, e organizou a coletânea Ditadura: o que resta da transição (Boitempo, 2014). Integra o grupo de pesquisa Pensamento Político Brasileiro e Latino-Americano (Unesp).

(Com o blog da Boitempo)

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