RESCALDO DAS ELEIÇÕES

                                            

Americanos intensificam movimento 
para acabar com o Colégio Eleitoral

 João Ozorio de Melo

A candidata democrata à presidência dos Estados Unidos, Hillary Clinton, teve mais “votos populares” do que seu adversário republicano, Donald Trump, mas perdeu a eleição em 8 de novembro. Na quantidade de votos de todos os eleitores do país, Hillary obteve cerca de 200 mil a mais que o republicano. Trump, no entanto, obteve o que precisava para ganhar a eleição para presidente da República: o maior número de delegados para o Colégio Eleitoral, que elege o presidente e o vice-presidente dos EUA.

Ganhar o voto popular e perder no Colégio Eleitoral dói. Doeu em 2000, quando o candidato democrata Al Gore ganhou o voto popular, por cerca de 500 mil votos, e perdeu o Colégio Eleitoral para George Bush, graças à vitória na Flórida (por cerca de 500 votos e com suspeitas de manipulação). A história eleitoral dos EUA registra ainda três outros casos de candidatos (Andrew Jackson, Samuel Tilden e Grover Cleveland) que ganharam no voto popular, mas perderam as eleições.

Propostas para abolir o sistema de escolha do presidente e vice-presidente da República baseado no Colégio Eleitoral estão surgindo de todos os lados. Acadêmicos, formadores de opinião, cientistas políticos e organizações vêm tentando convencer os americanos, através de artigos, entrevistas e palestras, de que já é tempo de deixar os americanos elegerem seus principais governantes, em vez de deixar essa tarefa para um grupo de delegados estaduais que compõe o Colégio Eleitoral.

O último a se manifestar foi o ex-procurador-geral dos EUA, Eric Holder. Ele defendeu em uma entrevista e em um artigo a necessidade de mudar a Constituição dos EUA para abolir o Colégio Eleitoral. “Isso exigirá uma emenda constitucional, o que será uma luta dura, mas uma luta que tem de ser empreendida”, ele disse.

Criação do Colégio Eleitoral

O sistema de Colégio Eleitoral nasceu no processo de elaboração da Constituição dos EUA. Os redatores da Constituição, conhecidos como os “Founding Fathers of The United States” (os pais fundadores dos EUA), decidiram criar o Colégio Eleitoral por duas razões básicas, segundo o Huffington Post, o MinnPost e outras publicações:

1) Na época da Convenção Constitucional, em 1787, chegaram à conclusão de que o cidadão normal não tinha conhecimentos suficientes para tomar uma decisão bem informada ao escolher seu presidente. E que essa escolha deveria ser feita por pessoas mais educadas do que o cidadão mediano. Em defesa deles, se diz que na época a maioria das pessoas não tinha acesso aos meios de comunicação.

2) Os “pais fundadores” desejavam fortalecer o espírito de federação do país e, portanto, todos os estados, incluindo os pequenos, deveriam ter um peso na escolha do presidente. Se a eleição se baseasse em voto popular, apenas os estados com grande população decidiriam as eleições e os pequenos não teriam voz. Além disso, era preciso angariar o apoio de todos os estados para aprovar a Constituição do país.

Hoje, porém, muitos dos americanos capazes de tomar decisões bem informadas veem diversos problemas no sistema baseado em Colégio Eleitoral. Entre eles, se destacam:

1) Os votos no Colégio Eleitoral por estado não são distribuídos de uma forma justa. O número de delegados “eleitores” de cada estado não corresponde à população e sim ao número de parlamentares no Congresso. A cada estado é garantido dois senadores e pelo menos um deputado, o que corresponde ao mínimo de três votos eleitorais.

Segundo o site fairvote.org, isso faz que cada voto individual em Wyoming, por exemplo, tenha um valor quatro vezes maior no Colégio Eleitoral do que cada voto individual no Texas. Wyoming tem três votos eleitorais para uma população de 584 mil habitantes. O Texas tem 38 votos eleitorais para mais de 27 milhões de habitantes. Dividindo-se o número de habitantes pelo número de votos eleitorais, vê-se que em Wyoming tem um “eleitor” para cada 194.666 habitantes; e o Texas tem um “eleitor” para cada 710.526 habitantes.

Na Califórnia, a situação é pior. E o sistema mostra uma disparidade no valor de cada voto individual. E esse valor do voto individual determina o peso de cada estado no Colégio Eleitoral. Em 48 estados e no Distrito de Colúmbia o sistema se baseia na ideia de que o vencedor leva todos os delegados do estado (“The winner takes it all”). Apenas em dois estados (Maine e Nebraska), a distribuição de delegados é proporcional ao número de votos para cada partido.

2) Estados certos e estados duvidosos – chamados nos EUA de “safe states” e “swing states”. Em alguns estados americanos, mais conservadores, os candidatos republicanos ganham todas as eleições (estados pintados de vermelho no mapa eleitoral. Em outros mais liberais, os democratas ganham todas (estados pintados de azul no mapa eleitoral). São os estados em que um partido ou outro vai ganhar, aconteça o que acontecer na campanha.

E existem alguns estados que nunca se sabe quem vai ganhar, porque a divisão entre democratas e republicanos é equilibrada e o pêndulo pode pender para um lado ou para o outro em qualquer eleição. São os “swing states”.

Assim, há uma distorção no processo eleitoral, porque a campanha de cada candidato se torna estadual, em vez de nacional. Um candidato republicano só faz um comício na Califórnia, Nova York e outros estados liberais para cumprir tabela – ou para arrecadar fundos. A vitória democrata é garantida ano após ano. Um democrata só faz campanha no Texas ou em Louisiana, pelos mesmos motivos. Nesses e em outros estados conservadores, os republicanos não perdem eleições.

São mais de 40 estados, mais o Distrito de Colúmbia, em que o jogo já está definido, antes de começar. Nesses estados, os eleitores dos partidos em desvantagem também só votam para cumprir tabela – isto é, porque devem votar, apesar de o voto não ser obrigatório.

Os “swing states”, por sua vez, são muito disputados pelos candidatos dos dois partidos, mas eles fazem suas campanhas com base em algumas características relevantes de cada estado. Assim, na Flórida por exemplo, os candidatos têm de levar, em sua campanha, mensagens especiais para aposentados, plantadores de laranja e, principalmente para os cubanos.

Nas eleições deste ano, Hillary Clinton perdeu a Flórida (29 delegados) provavelmente por “culpa” do governo democrata do presidente Obama. O presidente reatou relações diplomáticas com Cuba e iniciou conversações para pôr fim ao embargo econômico à ilha. Isso para os cubanos radicados nos EUA é um insulto. Para eles, não há que ao menos conversar com o governo de Cuba. Muito menos reatar relações e falar em fim do embargo.

3) Um candidato pode se eleger com apenas 21,8% do voto popular. Isso faz parte da matemática do Colégio Eleitoral. Se um candidato tiver mais de 50% dos votos dos eleitores de 39 estados pequenos, ele irá obter pelo menos 270 delegados para o Colégio Eleitoral, o que é suficiente para eleger o presidente. Os votos desses 39 estados pequenos representam apenas 21,8% dos votos populares em todo o país. Assim, um candidato pode ganhar os grandes estados, com 78% dos votos populares, e perder a eleição para presidente.

Isso aconteceu, de uma forma parecida (não literal, porque os republicanos sempre ganham o Texas) nas eleições de 2000. O candidato democrata Al Gore ganhou 48,4% dos votos populares, enquanto o candidato republicano George Bush ganhou 47,9%. No entanto, Busch ganhou mais delegados “eleitores”. No Colégio Eleitoral, Gore teve 266 votos e Bush 271.

4) O sistema distorce a governabilidade. Em regimes eleitorais com reeleição, o primeiro mandato presidencial continua envolvido com estratégias de campanha eleitoral. Assim, se o futuro presidente Trump decidir acabar com o Medicare, o seguro-saúde dos aposentados, terá de lidar com o fato de que perderá muitos votos nos estados em que há grande concentração de idosos. E deverá conceder subsídios aos estados agrícolas.

5) A eleição pode terminar empatada. Como o total de delegados do Colégio Eleitoral é 538 (o mesmo número de parlamentares no Congresso), existe a possibilidade de cada partido eleja 169 delegados. A probabilidade de que isso aconteça é mínima. Mas já aconteceu em 1800, quando Thomas Jefferson acabou assumindo a Presidência.

Se no voto popular forem escolhidos 169 delegados republicanos e 169 democratas, a responsabilidade de escolher o presidente vai para os 538 parlamentares do Congresso — parte dos quais vieram de eleição anterior.

Para ser eleito pelo Congresso, um candidato precisar ganhar os votos de 26 estados (a metade de 50 estados mais o Distrito de Colúmbia). Isso é um pouco difícil, porque alguns estados têm o mesmo número de democratas e republicanos. Pode haver empate, novamente. Se isso acontecer, não há solução constitucional para o problema.

6) O sistema inviabiliza o crescimento de outros partidos. Em 2000, o candidato do Partido Verde, Ralph Nader, obteve 2,74% dos votos nacionalmente, sendo que 1,6% desses votos lhe foram dados na Flórida. Os democratas e todos os antirrepublicanos do país ficaram furiosos com Nader, dizendo que ele “roubou” a eleição de Gore e a entregou a Bush. Teoricamente, os eleitores do Partido Verde votariam no Democrata, nunca no Republicano, o que teria assegurado a Presidência a Gore.

Desde então, os eleitores de partidos de esquerda e de extrema direita passaram a optar pelo voto útil, polarizando ainda mais a configuração política dos EUA. Nenhum outro partido recebe votos suficientes para subsistir, embora eles se lancem em todas as campanhas eleitorais.

(Com a Conjur)

Delegados que assinaram a Constituição dos EUA (criando, portanto, o Colégio Eleitoral)

Richard Bassett
Gunning Bedford Jr.
John Blair
William Blount
David Brearly
Jacob Broom
Pierce Butler
Daniel Carroll
George Clymer
Jonathan Dayton
John Dickinson
William Few
Thomas Fitzsimons
Benjamin Franklin
Frances Fields
Nicholas Gilman
Nathaniel Gorham
Alexander Hamilton
Jared Ingersoll
Daniel of St. Thomas Jenifer
William Samuel Johnson
Rufus King
John Langdon
William Livingston
James Madison
James McHenry
Thomas Mifflin
Gouverneur Morris
Robert Morris
William Paterson
Charles Cotesworth Pinckney
Charles Pinckney
George Read
John Rutledge
Roger Sherman
Richard Dobbs Spaight
George Washington (presidente)
Hugh Williamson
James Wilson
William Jackson (secretário)
 
(Com a Wikipedia)

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