Democracia e imprensa

                                                                                  Helvio Romero / Estadão

José Maria Mayrink 


Sem imprensa livre, não se fale em democracia. Desde seu lançamento em 1875, quando ainda se chamava A Província de São Paulo, o jornal O Estado de S. Paulo, que passou a usar esse nome em 4 de janeiro de 1890, após a proclamação da República, sempre lutou pela liberdade de expressão, convencido de que não sobreviveria em um regime autoritário. Pagou caro por suas convicções, porque a resistência às ditaduras lhe custou censura, prisões, exílios, torturas e risco de morte.

Julio Mesquita, o patriarca da família proprietária do Estado, enfrentou o presidente Arthur Bernardes na Revolução Paulista de 1924. Com a vitória das tropas federais, foi preso e enviado para o Rio de Janeiro, onde foi trancado atrás das grades de um quartel. Ao morrer, em 1927, seus herdeiros Julio de Mesquita Filho e Francisco Mesquita assumiram o comando do jornal com a mesma coragem. Combateram Getúlio Vargas nas trincheiras da Revolução Constitucionalista de 1932 e foram exilados para Portugal, ao lado de outros revoltosos.

O jornal recuperou a liberdade em 1934, quando os irmãos Mesquita voltaram do exílio. Vargas prometia liberdade e democracia, acenando com uma nova Constituição para reconquistar os paulistas. A trégua durou pouco tempo, pois em 1937 o presidente reagiu com o Estado Novo à uma suposta tentativa dos integralistas de Plínio Salgado de tomar o poder. Julio de Mesquita Filho resistiu à censura. Foi preso e solto 17 vezes até ser embarcado para a França com Armando de Salles Oliveira, seu cunhado e sócio no Estado. Deixaram Paris pouco antes de estourar a Segunda Guerra, em 1939.

Proibidos de retornar ao País, Salles de Oliveira refugiou-se nos Estados Unidos, enquanto Mesquita Filho seguia para a Argentina pela costa do Pacífico. O jornal vinha sobrevivendo sob a direção de Francisco Mesquita. Como teimava em burlar a censura, foi invadido e ocupado pela Força Pública do interventor Adhemar de Barros, por ordem de Getúlio, em março de 1940. A ocupação só terminou em dezembro de 1945, com a derrubada da ditadura.

Em 1964, o Estado apoiou o golpe militar (ou contragolpe, como dizia Ruy Mesquita) para derrubar o presidente João Goulart. Passou à oposição em 1965, quando o presidente Castello Branco cancelou as prometidas eleições de novembro. Após a edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968, o governo instalou censores na redação, porque Julio Mesquita Filho e seus sucessores se negaram a fazer autocensura. O Estado publicava poemas, de vários poetas e depois só versos de Os Lusíadas, de Camões, no lugar de matérias censuradas. O Jornal da Tarde, lançado em 1966, publicava receitas de bolos e doces.

Repórteres e redatores dos dois jornais foram presos e, alguns, torturados pela repressão. Julio de Mesquita Neto e Ruy Mesquita defenderam seus funcionários, mesmo sabendo que eram de esquerda e que tinham militância política. Ninguém tinha de apresentar atestado ideológico para trabalhar na empresa. O Estado sempre tomou posição em defesa da democracia e da liberdade de imprensa.

(*)José Maria Mayrink é repórter em O Estado de S. Paulo

(Com o Portal Imprensa) 

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