Ocupai!

                                                                  

Rafael Silva

Ocupar é fazer política sim! Assim foi há 2500 anos com aqueles cidadãos atenienses ocupando diariamente o espaço público com seus corpos e ideias em defesa de seus interesses. A isso chamamos democracia direta. Embora a erva daninha da representatividade política, ou o que é o mesmo, a democracia indireta nos últimos duzentos anos tenha crescido tanto quanto a burguesia que lhe deu origem, em nenhum lugar está escrito que política não possa nem deva ser feita novamente com corpos presentes e potentes representando diretamente os seus desejos e necessidades. As ocupações reencarnam intempestivamente a antiga virtude de combinar corpo e mente na ação política, refundando assim a mais autêntica civilidade democrática.

Entretanto, a elite política & econômica tupiniquim, que muito se beneficia com a ausência física dos seus representados, treme de medo ao ver cerca de 1200 escolas e universidades ocupadas por ideias e corpos tão frescos quanto promissores. Só que, felizmente, resistindo à burrice de boa parte da opinião pública e à violência policial, as ocupações estudantis crescem, aparecem e se legitimam como força política eficiente. 

Como não lembrar da vitória dos estudantes de São Paulo sobre o peessedebista Alckmin em 2105? Muito embora a guerra em torno da educação no Brasil não tenha vencedores ainda, se é que terá, pelo menos aquelas ocupações paulistas provaram que são capazes de vencer batalhas. E porventura não é delas que são feitas as guerras?

Para que as ocupações não percam o fio virtuoso da meada política que desenrolam bravamente, e para que possam cada vez mais contra o inimigo golpista que tenta reprimi-las, seja com algemas, fuzis, tortura sonora, “Escola sem Partido”, “Reforma do Ensino Médio” e “PEC do fim do mundo”, é bom que os ocupantes compreendam que política é afetividade. 

Não sentimentalismo, como pode parecer a alguns, mas sim uma rede de relações originadas nos corpos, que são afetados desta ou daquela maneira, e que, por suas vezes, afetam outros corpos de outras tantas maneiras a fim de alcançar determinados objetivos. Tanto o corpo individual de cada estudante, como o corpo coeso e determinado de centenas deles, por exemplo, são corpos políticos autênticos: unidades capazes de serem afetadas e, sobretudo, afetar.

Nesse momento a física tem uma excelente e intuitiva lição às ocupações, qual seja: “Dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo”. Seguindo essa lei universal, enquanto corpos coesos e organizados os estudante ocupam os espaços de suas escolas não só porque o corpo do Estado não os ocupava devidamente, como a precariedade das instalações físicas e dos salários dos professores deixam cruelmente claro, mas também para que esse Estado ausente cumpra o seu dever de garantir educação com qualidade para todos os estudantes, e, ademais, seja democrático em respeito aos projetos que tem para a educação. As ocupações das escolas são o puxão de orelha do qual o Estado mais deve se envergonhar.

A física também nos diz que se um corpo G (de golpista) quiser ocupar o lugar de um corpo A (de alunos), terá de aplicar-lhe uma força que vença a determinação de própria A de permanecer no lugar em que está, ou seja, a sua inércia. A violência com que o Estado golpista tenta se (re)colocar nos espaços das escolas ocupadas é essa força. E ele está sendo violento, desumano, sem dizer inconstitucional. E isso porque trata o corpo estudantil contra o qual se choca como se fosse matéria bruta e inerte, e não o que realmente é, ou seja, um corpo afetivo, pleno de desejos, aspirações, projetos e dignidade própria. Tratando as ocupações como se invasões fossem, e os estudantes como vândalos e vagabundos, o Estado golpista pretende abafar duas verdades insuportáveis: a sua vergonhosa ausência nas escolas, e o fato de seus projetos para a educação não falarem a língua dos maiores interessados, quais sejam, os próprios estudantes.

A crise de representatividade política que veio à luz nas manifestações de junho de 2013 está encarnada nos estudantes ocupantes como em nenhum outro corpo político no Brasil. Todos somos afetados negativamente pela má representatividade, todavia, raros são os que agem no sentido contra esse afeto. Os jovens ocupantes são desse jaez. Quem ocupa age na medida em que não acredita em mais ninguém para representar os seus interesses, nem tampouco aceita que o seu corpo seja movimentado politicamente apenas para ir às urnas a cada quatro anos. Ocupação é política afetiva genuína. O ocupante está ciente do que lhe afeta e, o mais importante, sabe que pode produzir, com seu corpo e ideias, afetos capazes de produzir um futuro melhor para si.

Assim como aqueles gregos ingênuos de antigamente, que acreditaram que só com seus corpos e ideias presentes representariam bem seus interesses e resolveriam civilizadamente as suas mais importantes questões, e que por conta disso ostentam o título de “berço da civilização ocidental”, assim também os estudantes brasileiros que ocupam as suas escolas com seus corpos e ideias constroem um presente tão digno de futuro quanto eles mesmos.

O fato de as ocupações brasileiras serem incompreensíveis ou inaceitáveis das perspectivas da elite reacionária e da população ignorante não depõe contra o movimento. Muito pelo contrário, prova apenas que as ocupações são fortes o suficiente para ameaçarem, e oxalá derrubarem o velho status quo. Por isso, fazendo referência à ocupação talvez a mais célebre de todas, a de Wall Street em 2011, ocupai!

(Com Laboratório Filosófico/Diário Liberdade)

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