Colômbia: as FARC e a paz próxima

                                                                           
Carlos Fazio

O salto para a legalidade no marco de um Estado terrorista contém o perigo de uma nova guerra contra os guerrilheiros que se desmobilizam

Havana — Apesar de ter desmantelado o conflito militar ao ponto do zero histórico, tanto o governo neoliberal de Juan Manuel Santos como a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia- Exército do Povo (FRC-EP) tem serias razões para não concluir tão apressadamente umas negociações que têm sido marcadas pela falta de confiança entre as partes. 

Para além de muitos obstáculos o processo de diálogo parece ter alcançado o seu ponto sem retorno, e prova disso foi a assinatura de Acordos sobre o cessar-fogo e de hostilidades bilateral e definitivo, deposição de armas e garantias de segurança entre o presidente da Colômbia e o comandante Timoleon Jimenez, chefe do estado-maior central das FARC-EP nesta capital Cubana no passado 23 de Junho.

Estes acordos alcançados graças ao esforço de representantes plenipotenciários dos dois lados, ficaram afixados num documento de geração e validade à luz do direito internacional humanitário (que tem a ver com as regras da guerra e não com as leis ordinárias colombianas), com pleno carácter vinculante para as partes signatárias (o governo e a guerrilha). Mas, falta ainda concretizar acordos importantes em vários pontos centrais que ficaram relegados para o fim, já que não num dado menor que as negociações têm sido realizadas sob o princípio de que nada está acordado até tudo estar acordado.

Durante muitas reuniões no Hotel Nacional com uma delegação da Rede de intelectuais e artistas em Defesa da Humanidade, os comandantes das FARC-EP, Ivan Marquez, Joaquin Gomez e Jesus Santrich explicaram alguns pormenores dos acordos conseguidos e apresentaram uma série de ressalvas ou constâncias interpostas pela guerrilha sobre 42 temas que não foram abordados na mesa de negociações, devido a negativa rotunda da delegação governamental a discutir (os modelos económico e politico que estão na raiz de um conflito armado interno com 52 anos de duração.

Apesar dos avanços contidos na reforma rural integral centrada no bem-estar e no bom viver recolhida nos acordos, parte das salvaguardas da guerrilha tem a ver com a sua exigência em erradicar o latifúndio improdutivo, inadequadamente explorado ou ocioso e a necessidade de uma redistribuição democrática da propriedade sobre a terra, assim com por freio à estrangeirização do território colombiano e à extração minero-energética ligada a múltiplos conflitos do uso da terra.

Segundo o comandante Santrich, o coeficiente Gini para a concentração da tenência da terra na Colômbia é de 0.87, um dos mais latos do mundo. Em 2013, 0.4 por cento dos proprietários juntava 62.6 por cento da superfície do país. Além disso cerca de 5 milhões de hectares foram concessionados à mineração e existem pedidos que as aumentam a cerca de 25 milhões de hectares, o que abarcaria um quarto do total da extensão geográfica da Colômbia, principalmente nas áreas montanhosas andinas onde habita 75 por cento da população.

Tal situação, segundo Santrich tem a ver com um longo processo de contra reforma agrária, desterritorialização e descampesinação do meio rural que arrancou nos anos 80 do século XX, mediante uma violência militar e paramilitar (como expressão armada para-estatal) ao serviço dos interesses da oligarquia feudal e a burguesia, que muitas vezes actuou como avançada para a usurpação e despojo de terras e o estabelecimento de actividades não campesinas como a agroindústria dos monocultivos, a ganadaria extensiva e megaprojectos extractivistas minero-energéticos. Um processo de despojo violento de territórios que deixou um saldo de 200 mil mortos, 60 mil desaparecidos e o deslocamento interno forçada de 6,6 milhões de pessoas.

Ivan Márquez, chefe negociador das FARC, advertiu que o salto para a legalidade no marco de um Estado terrorista e de uma oligarquia e uma classe politica cheia de truques e perversa como a colombiana, traz o perigo iminente de uma nova guerra suja contra os guerrilheiros que se desmobilizam. Aludiu à rebelião contra uma ordem social injusta como um direito universal inalienável e declarou que o Estado colombiano tem sido o responsável directo da guerra de mais de meio século, com ênfase na contra-insurreição, a doutrina militar do inimigo interno e a segurança nacional de cunho norte-americano e o paramilitarismo.

Asseverou que não haverá desarmamento antes de haver uma amnistia ampla e indultos para o delito político de rebelião e conexos. Afirmou que entre os critérios de execução acordados não serão objecto de amnistia nem indulto, entre outros., os delitos de lesa humanidade, o genocídio e as execuções extrajudiciais. Não haverá um pacto de impunidades. 

Acordou-se uma jurisdição especial para a paz desenhada segundo os critérios básicos da justiça transicional e os tratados internacionais, que se aplicará a guerrilheiros, militares, empresários e os que financiaram a guerra. Uma justiça restaurativa centrada na vítima e na verdade, diferente da justiça retributiva, concepção medieval punitiva e prisão baseada na vingança.

O comandante do Bloco Sul das FARC, Joaquin Gomez, chefe da comissão técnica que negocia com os generais do exército adscritos da delegação governamental, exortou o governo a cumprir, com base na integralidade e o paralelismo de parte a parte, e assegurou que o inimigo principal e directo da guerrilha têm sido os Estados Unidos que se valem da tecnologia de precisão, com sensores, para matar líderes rebeldes. Recusou que se possa acusar as FARC de falta de moral ou cansaço de guerra e garantiu que para lá da posse ou não de armas, o mais importante é a vontade de luta. E essa vontade, continua intacta.

La Jornada

http://www.odiario.info/colombia-as-farc-e-a-paz/


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