“Não descansaremos enquanto não libertarmos todos os nossos presos políticos”, afirma Via Campesina

                                                                      
Em entrevista, Leandro Scalabrin, advogado popular do MAB, compartilha as propostas de ações e ressalta a importância de realizar uma atividade como esta na atual conjuntura de criminalização

Durante Encontro de Direitos Humanos da Via Campesina, que ocorreu entre os dias 18 a 20 de agosto, na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), município de Guararema, São Paulo, Advogados populares, Movimentos do campo e organizações discutiram a criminalização das lutas dos movimentos sociais no mundo e tiraram inúmeras propostas de ações que visam fortalecer e ampliar a atuação do Coletivo de Direitos Humanos da Via.


Em entrevista para a Página do MST, Leandro Scalabrin, advogado popular do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), compartilha algumas dessas propostas e ressalta a importância de realizar uma atividade como esta na atual conjuntura de criminalização.


“O Encontro foi positivo, saímos muito motivados e o Coletivo fortalecido e ampliado. Conseguimos aprofundar o tema de nossas Campanhas Internacionais para efetivá-las em cada país e identificamos o desafio comum da criminalização das lutas sociais no mundo. Este trabalho será multiplicado por todos continentes e vamos construir uma rede de proteção para nossos defensores de direitos humanos. Não descansaremos enquanto não libertarmos todos os nossos presos políticos” afirma.


A atividade contou com cerca de 60 militantes de 18 países da África, Ásia, Europa e América e também abordou os Tratados Internacionais que envolvem os direitos camponeses e o que vincula Empresas e Direitos Humanos.


Nesse sentido Scalabrin salienta que a Via denuncia “a arquitetura da impunidade, que faz com que empresas do capital privado controle o Estado e aprove leis, crie instituições para atender seus interesses em detrimento dos bens comuns e dos direitos humanos.” Ou seja, é preciso que os Estados estabeleçam uma “responsabilidade legal das empresas por suas ações ou omissões quando violam os direitos humanos nos países”.


Acompanhe abaixo entrevista na íntegra.


Um dos focos do debate foi a criminalização dos movimentos, quais ações foram planejadas para garantir a articulação internacional a partir da Via? 


As informações que os participantes do Encontro trouxeram indicaram a existência de inúmeros camponeses e camponesas presos, bem como muitos casos de desaparecimento, exílio involuntário, violência e processos criminais em todos os continentes. Trata-se de uma onda de criminalização das pessoas e dos movimentos que fazem parte da Via Campesina. Prisões políticas de pessoas que se organizam para reivindicar direitos e que são tratadas como criminosos.


Diante disso, discutimos a necessidade de fortalecer o coletivo de Direitos Humanos da Via Campesina e construir uma Rede de Direitos Humanos Internacional que possa articular as denúncias de violação dos direitos dos povos do campo e garantir que ações efetivas tenham amplo apoio e divulgação. Além de articular com as redes e organizações já existentes que atuam na área.


Poderia citar alguns exemplos dessa onda de criminalização?


No Brasil, existem 44 presos políticos, 10 camponeses e 34 indígenas. Já utilizaram a lei de segurança nacional contra os movimentos sociais e agora estão utilizando a Lei 12.850, que se refere a organizações criminosas.  É o caso do MST em Goiás. Valdir Misnerovicz e Luís Batista Borges, estão presos desde abril e maio, com fundamento na lei da organização criminosa, por defenderem e reivindicarem a reforma agrária no Brasil.


Existem pessoas criminalizadas na França, na Espanha. Há uma situação muito difícil no Paraguai, Argentina e Honduras. As situações são muito parecidas, violência em manifestações, violência policial, prisões, processos. Em Honduras, Berta Cáceres foi assassinada. No Brasil, Eltom Brum dos Santos foi morto pela polícia com um tiro pelas costas.


Quais mecanismos foram discutidos e acordados para garantir que ocorram ações ágeis de denúncias em casos de violações?


Para fazer frente a essa difícil realidade, além de propor articular uma rede internacional de Direitos Humanos da Via e entidades aliadas para estabelecermos mecanismos de autoproteção, defesa jurídica e denúncia pública nos sistemas internacionais de Direitos Humanos. Estamos denominando esse conjunto de ações como “Sistema de Alerta”. Um dos principais objetivos é garantir a autoproteção dos defensores dos direitos humanos.


A Via atua com Campanhas de articulação para mobilização e denúncias de diversas questões, no caso dos presos políticos, quais são as propostas a serem construídas nesse sentido? 


Tanto a proposta em construção da Rede dentro do coletivo de Direitos Humanos da Via, quanto o Sistema de Alerta, são ações que visam essa mobilização em torno das prisões políticas. Porém, baseados nessas outras Campanhas, vamos fazer uma campanha pela liberdade desses presos políticos. A ideia é que, a partir desta iniciativa, possamos dar visibilidade para este quadro de ofensiva e criminalização dos Movimentos da Via.


Outro ponto fundamental do encontro foi o dos Tratados Internacionais. Quais as iniciativas para ampliar a difusão desses processos? 


Vamos realizar seminários para difundir as propostas e nos reunir com os governos nacionais em cada país para apresentar projetos de lei, com nas propostas contidas na Declaração dos Direitos das Camponesas e dos Camponeses e no Tratado Vinculante para Empresas e Direitos Humanos.


Em cada país reivindicaremos que o Governo vote a favor tanto da Declaração dos Direitos dos Camponeses quanto pela criação do Tratado Vinculante para Empresas.


A Via esteve presente na mobilização internacional ocorrida em Genebra em 2014, durante a 26ª reunião do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, quando conseguimos aprovar uma resolução para responsabilizar as transnacionais pelas violações de direitos humanos cometidas no contexto de suas atividades. Foi uma votação apertada, com 20 países votando a favor, 14 contra e 13 abstenções, incluindo a do Brasil. Agora, a ONU criou um grupo de trabalho intergovernamental para a construção das normas vinculantes.


Quais são os principais pontos defendidos pelos movimentos camponeses nesses Tratados?


Denunciamos a arquitetura da impunidade, que faz com que empresas do capital privado controlem o Estado e aprovem leis, criem instituições para atender seus interesses em detrimento dos bens comuns e direitos humanos. Assim ocorre na construção de barragens, no financiamento de campanhas eleitorais, na contaminação de nossa comida com veneno, na apropriação privada do território e do trabalho.


Os Estados precisam estabelecer a responsabilidade legal das empresas por suas ações ou omissões quando violam os direitos humanos nos países. Um exemplo, é o da Samarco-Vale/BHP no Brasil, com mais de 200 mil pessoas vítimas de violação de Direitos Humanos.


Como a Via avalia o Encontro e quais as expectativas para a atuação do Coletivo de Direitos Humanos no próximo período?


O Encontro foi positivo, saímos muito motivados e o Coletivo fortalecido e ampliado. Conseguimos aprofundar o tema de nossas Campanhas Internacionais para efetivá-las em cada país e identificamos o desafio comum da criminalização das lutas sociais no mundo. Este trabalho será multiplicado por todos continentes e vamos construir uma rede de proteção para nossos defensores de direitos humanos. Não descansaremos enquanto não libertarmos todos os nossos presos políticos.

(Com o MST. Os grifos são meus, José Carlos Alexandre)

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