Após 16 anos, ativista indiana encerra greve de fome contra lei que amplia poderes de militares (No Brasil, uma das maiores greves de fome foi a do líder comunista Luiz Carlos Prestes, que durou três anos, no período em que esteve preso nove anos na ditadura de Getúlio Vargas. José Carlos Alexandre)


                                                                                      
Irom Sharmila era alimentada à força por tubo em seu nariz desde 2000; após encerrar jejum de protesto, ativista disse que pretende entrar para a política
      
A ativista indiana Irom Sharmila encerrou nesta terça-feira (09/08) a greve de fome que mantinha há 16 anos para protestar contra uma lei que dá poderes especiais às Forças Armadas, permitindo a detenção e a execução de pessoas consideradas suspeitas pelos militares em certas regiões do país sem que os oficiais sejam punidos por tais atos.

Sharmila encerrou sua greve oficialmente ao comer uma colherada de mel, em frente à imprensa na cidade de Imphal, em seu Estado natal de Manipur, no nordeste da Índia.


O fim da greve de fome também garantiu a liberdade da ativista conhecida como a “Dama de Ferro de Manipur”, que estava sob custódia judicial em um hospital da cidade, onde era alimentada à força por meio de um tubo em seu nariz desde novembro de 2000, quando iniciou o protesto. Ela havia sido acusada de usar o jejum para se suicidar, o que é ilegal na Índia.

Apesar de ter sido libertada após o pagamento de uma fiança de 10 mil rúpias (aproximadamente R$ 470), ela disse que ainda “não está claro” se poderá ficar em liberdade e deve permanecer no hospital temporariamente até que uma ordem judicial oficialize sua liberação.

Segundo Sharmila, ela pretende se estabelecer em algum centro religioso e tem a intenção de entrar para a política, se candidatando como independente ao governo de Manipur durante as eleições regionais do ano que vem.

“Preciso do poder, não há democracia real [na Índia], a política está cheia de sujeira. A única maneira de trazer a mudança é pelo processo eleitoral. Quero entrar para a política com o nome que me deram: a Dama de Ferro de Manipur. Quero estar à altura desse nome”, afirmou a ativista.

“Sou a personificação da revolução e quero ser a chefe do governo de Manipur para ajudar as pessoas”, disse Sharmila, cuja principal revindicação é o fim da lei que garante poderes especiais e impunidade a militares.

Greve de fome mais longa do mundo

No dia 5 de novembro de 2000, Irom Sharmila deu início ao que se tornaria a greve de fome mais longa do mundo. A atitude veio três dias depois de 10 civis terem sido mortos em um ponto de ônibus por militares em represália a um ataque a seu comboio. Os oficiais não foram punidos.

Três dias após o início da greve, a ativista foi presa por tentativa de suicídio. Seus advogados lutaram contra as acusações ao longo dos anos, argumentando que até Mahatma Ghandi — ativista e ícone nacional indiano que viveu entre 1869 e 1948 e combateu a colonização britânica no país por meio de manifestações pacíficas — fez greves de fome em seus protestos. Mesmo assim, Sharmila acabou sendo presa 14 vezes.

Seu protesto atraiu atenção internacional. A organização de direitos humanos Anistia Internacional a classificou como uma presa de consciência, uma pessoa detida por suas crenças políticas, religiosas ou qualquer outra que não defenda a violência e o ódio. Em 2005, Irom foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz.

Lei de Faculdades Especiais das Forças Armadas

A lei contra a qual Sharmila protesta é a Lei de Faculdades Especiais das Forças Armadas, uma legislação aprovada em 1958 para combater grupos armados em determinadas regiões do país.

Essa legislação dá mais poder para os militares, pois permite que façam detenções, buscas e apreensões sem a necessidade de mandatos judiciais, e utilizem forças letais contra suspeitos sem sofrerem represálias ou punições, a não ser que que haja um pedido ou autorização expressa do governo federal.

A lei está em vigor em regiões do nordeste indiano, onde ocorrem diversas rebeliões promovidas pelo grupo separatista sikh — contrário à sociedade de castas determinada pelo hinduísmo, principal religião na Índia —, e na Caxemira, região dividida entre Paquistão, China e Índia, cuja porção indiana é de maioria muçulmana e alvo de disputa entre os paquistaneses e indianos.

(Com Opera Mundi)


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